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quarta-feira, 3 de junho de 2020

Donna Haraway não tem respostas (mas ajuda a pensar)

REVISTA IHU

03 Junho 2020


    Na quinta-feira, ocorreu uma das conversas mais aguardadas da Radical May, a edição na quarentena da Fira Literal, a feira de ideias e livros radicais que ocorre, nesses dias, em Barcelona. Trata-se da conversa entre Donna J. Haraway (Denver, 1944), uma ‘pope’ da ficção científica feminista e uma das filósofas mais importantes de nossa era, e sua tradutora para o espanhol, Helen Torres.

    A reportagem é de Queralt Castillo, publicada por La Marea, 29-05-2020. A tradução é do Cepat.
    Interessa a opinião de uma Haraway falando em tempos de pandemia, alguém que dedica toda a sua vida a imaginar outras realidades, como a que descreve em “Seguir con el problema” (Consonni, 2019), onde escreve sobre o colapso ecológico de nossos dias, a precarização econômica e a espiral em forma de crise política em que vivemos submergidos.
    Conforme descreveu em seu momento o também filósofo Paul B. Preciado, “Donna Haraway é o Thomas More do presente, e seu Chthuluceno, a utopia de uma nova aliança entre espécies que se organiza para revitalizar um planeta devastado pelo capitalismo patriarcal”.
    Em “Seguir con el problema”, propõe uma “visão futurista falsamente positiva e identifica a grande quantidade de questões urgentes que as pessoas enfrentam em suas cidades, em seus lugares de trabalho, no meio ambiente em que vivemos e que tanto nos preocupa, em suas próprias palavras.
    Os âmbitos de estudo de Haraway se movem entre a biologia, a cultura, a política, o feminismo especulativo, a ficção científica e os mundos multiespécies: pensar e repensar as relações entre o ser humano e a terra que habita. E é por esse motivo que sua opinião importa, é claro que importa, porque diante das perguntas colocadas por uma nova era [?] que precisamente inicia, precisamos de respostas ou ao menos fios para puxar.
    Haraway falou sobre a necessidade, nos tempos em que vivemos, quando um terço da humanidade vive semifechada em suas residências por causa da COVID-19, de estudar o cultivo da capacidade de resposta diante das adversidades e aproveitou para recordar que esta pandemia, como costuma acontecer com as grandes crises e desgraças que açoitam o mundo, fisgou, mais uma vez, as classes populares. “Nos Estados Unidos, os afro-americanos e outras comunidades de cor foram os mais afetados pelo vírus. Também as comunidades indígenas, como o povo Navajo, lugar com o maior número de casos de vírus per capita do país”.
    Conforme descreviam na BBC, há algumas semanas, somente 60% da Nação Navajo, que tem três vezes o tamanho de El Salvador e ocupa os Estados de ArizonaUtah e Novo México, possuem acesso à água potável. “É também a reserva indígena mais tóxica: abriga 521 minas de urânio abandonadas, quatro processadores inativos desse metal e mais de 1.100 campos de resíduos radioativos que contaminaram a água, de acordo com pesquisas da Agência de Proteção Ambiental”, afirma-se em tal reportagem.
    Haraway, sempre crítica e em pé de guerra com o sistema, enxerga com clareza: “Vivemos em tempos de intensificação e isto não acabou. As pessoas precisam perceber que aquilo que virá depois não será o mesmo (...). Não haverá uma restauração do que havia antes, precisamos reconstruir nossas novas condições juntos”. Falou de comunidade e de cuidados, dois elementos que se intensificaram nas últimas semanas, dos trabalhadores e trabalhadoras essenciais, aqueles e aquelas que mantêm hospitais, supermercados e serviços básicos em pé, e que mais uma vez “são os mais explorados, os mais vulneráveis”. E da necessidade de protegê-los, assim como os mercados locais. “Esta situação de urgência talvez nos traga a morte de outras formas de viver, como a que está ligada à indústria da carne”, disparou.
    Em suas próprias palavras, Haraway é uma pessoa “especialmente comprometida em entrelaçar as ciências biológicas, as artes, os estudos históricos e o ativismo político para que se fortaleçam entre si”. Aposta, mais uma vez, em enfrentar os problemas de maneira coletiva, “não com espírito cínico, nem otimista, mas entrelaçados, para gerar um presente mais robusto e resistente”. Porque em tempos em que tudo parece cambalear como uma roda-gigante em um dia de vento, talvez o necessário seja isso: uma raiz robusta que nos permita continuar resistindo.
    Porque “temos que imaginar que as coisas podem ser de outra maneira. Se não pudermos imaginar um mundo diferente ao da desordem estabelecida, morreremos”.

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