REVISTA IHU
12 Junho 2020
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde a partir de um relatório de Axios, o lockdown triplicou os casos de violência doméstica em comparação com o ano passado. Apoiando esses dados estão os números de várias associações, que nos últimos meses verificaram um aumento significativo de episódios. A partir das estatísticas do Telefono rosa e Donne in Rete contra a violência, o crescimento das ligações em relação ao mesmo período de 2019 foi exponencial. Números que preocupam e mostram que é cada vez mais necessário fortalecer os serviços de apoio e romper o silêncio, assim como fez a ativista, poeta e escritora indiana Meena Kandasamy em Ogni volta che ti picchio (Toda vez que eu te bato, edições e/o, p. 240, euro 17), um romance em que ela conta a história real de seu primeiro casamento com um homem de quem sofreu violência física e psicológica.
A entrevista com Meena Kandasamy é editada por Eugenio Giannetta, publicada por Avvenire, 10-06-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
A entrevista com Meena Kandasamy é editada por Eugenio Giannetta, publicada por Avvenire, 10-06-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Como surgiu a ideia de escrever sobre esses temas?
Quando decidi me tornar escritora, queria quebrar os esquemas, escrever romances políticos, reflexões e manifestações, greves e massacres, porque é ali que as mulheres não podem entrar; depois, enquanto trabalhava no meu primeiro romance (político, histórico), casei-me e experimentei na carne o que significava violência conjugal. O que é visto como o problema de uma mulher é na verdade um problema de sociedade, político e histórico. Não iremos em frente sem tratar disso. Então, senti o desejo de escrever a respeito.
Escrever foi terapêutico?
Terapia é terapia. Escrever é escrever. Não acho a escrita (sobre nenhum tema) terapêutica. Às vezes você fica sentado com o trauma por anos e anos e tenta encontrar as palavras. Acho que escrever é um ato de precisão. Você deve sentir e agir como um atirador de elite, não perder seu alvo, não ser visto, agir com força nos poucos segundos que lhe são concedidos. Como o atirador, você faz anos e anos de prática. Um sentir emocional, um lastimar-se por si mesmo ou um sentir que estou prestes a me curar não é o que espero do ato de escrever. Eu sou mais forte que isso. É estranho falar em escrever, porque é a parte mais pessoal de mim, mas também é a que mais me separa de mim mesma, para que possa existir no mundo sozinha e, portanto, é também suficientemente forte.
A protagonista do livro é uma escritora. Por que é importante que o seja? Alguém poderia dizer que o livro também é uma reflexão sobre o ato de escrever?
O fato de a protagonista ser uma escritora penso que seja a chave do livro. No nível social, os escritores são vistos como renegados, rebeldes, pessoas fora dos limites da convenção. Portanto, uma escritora é sempre considerada uma péssima esposa. Ser escritora atrai suspeitas e ciúmes. Ao mesmo tempo no livro, a escritora não trata apenas de violência física, mas também deve suportar a violência do apagamento. Ela está literalmente vendo o trabalho de uma vida sendo apagado diante de seus próprios olhos. A escrita das mulheres é algo que o patriarcado não pode digerir porque encerra a esperança de encontrar uma saída para uma situação difícil.
Que impacto seu livro teve nas pessoas?
Quatro anos se passaram desde que foi publicado na Índia, e continuo recebendo e-mails de mulheres que saíram de casamentos violentos depois de anos e anos. Recebo correspondência de filhos adultos de casamentos violentos que não entendiam o que estava acontecendo. Eu acho que foi uma intervenção muito feminista em um país como a Índia, onde a violência doméstica é muito generalizada. Muitas mulheres escrevem que contei as histórias de suas vidas com minhas palavras.
Qual é o grau de conscientização das mulheres sobre a violência conjugal?
Penso que a violência conjugal é frequentemente vista como um problema do terceiro mundo, dos pobres, mas acho que seja muito mais universal e insidiosa do que possa sugerir um estereótipo. Mais de duas mulheres morrem todas as semanas no Reino Unido nas mãos de seus maridos ou namorados. Acredito que a conscientização das mulheres nunca foi o problema. O problema é mais amplo: que apoio existe para uma mulher que escolhe deixar um parceiro violento? Não estamos falando apenas de apoio econômico, mas emocional, legal, estrutural.
Seu livro não é um livro de memórias, mas uma autoficção: por que essa escolha?
Um livro de memórias é uma representação do que aconteceu. A autoficção é uma interpretação que toma alguns aspectos do que aconteceu para criar uma obra de ficção. Nesse sentido, o romance conterá o mesmo elemento de credibilidade, mas não é construído com a intenção de ser fiel à história. A intenção era permanecer fiel à narrativa.
A batalha contra a violência doméstica é uma oportunidade para mudar as relações de gênero?
Sim, acho que precisamos remover a toxicidade da violência e do controle dos nossos relacionamentos. Não podemos falar de igualdade e ela não pode existir quando há violência.
Seu livro foi definido como "um moderno livro feminista de uma perspectiva não ocidental", mas nos últimos meses, devido ao lockdown, muitas mulheres, tanto no Oriente quanto no Ocidente, viram suas liberdades corroídas.
A história da luta (não apenas a luta pela libertação das mulheres, mas todas as lutas) é um caso de um passo à frente e dois para trás. Aqueles que desfrutam de uma condição de dominação não gostam de ceder. Penso que a pandemia retirou muitos direitos das mulheres, prendeu-as em complicadas situações domésticas, obrigou-as a fazer a maior parte das tarefas domésticas e da limpeza e, dado que uma recessão está chegando, elas serão as primeiras a perder suas rendas.
Você tem muitos seguidores nas mídias sociais (mais de 100 mil no Twitter). Você acha que eles podem ser uma ferramenta para combater parte dessa batalha?
A mídia social é uma plataforma que eu uso para me fazer ouvir sobre muitas coisas que são importantes para mim. A imprensa e a TV estão cada vez mais diretamente sob o controle dos grandes capitalistas. As mídias sociais são como Davi contra Golias, mas usamos todas as armas do nosso arsenal.
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