O impacto desproporcional sobre mulheres em tempos de coronavírus desvela injustiças históricas
A pandemia do Coronavírus tem causado crise nas estruturas sociais, políticas e econômicas, potencializada, no Brasil, pelas desigualdades socioeconômicas enfrentadas na última década por toda a sociedade, advindas dos ataques aos direitos trabalhistas e previdenciários.
Tal situação se agrava quando interseccionamos os olhares ao tratar da mulher brasileira, tendo em vista que elas suportam vivências históricas e sociais antecedentes a essa nova pandemia, percebendo-se as diversas desigualdades e injustiças que recaem sobre elas.
Tal situação se agrava quando interseccionamos os olhares ao tratar da mulher brasileira, tendo em vista que elas suportam vivências históricas e sociais antecedentes a essa nova pandemia, percebendo-se as diversas desigualdades e injustiças que recaem sobre elas.
Para ilustrar, pensemos no risco da violência sexista, nos postos de trabalho precários e informais, sobretudo os relegados às mulheres negras, com sobrecarga do trabalho doméstico e as triplas jornadas de trabalho, entre outras situações que detalharemos a seguir.
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As mulheres serão fortemente afetadas pelo Coronavírus em razão do aumento no risco de violência doméstica, ou seja, a própria situação pandêmica resulta na insegurança no emprego e trabalho, bem como na tensão familiar e econômica. Casos demonstram que tal tensão gera aumento nos índices de violência contra as mulheres.
Sob outro aspecto, uma pesquisa apresentada pela ONU Mulheres disponibiliza dados em que as mulheres representam 70% das pessoas que trabalham no setor social e de saúde, que são a linha de frente para o enfrentamento da COVID-19. Somado a este fato, os trabalhos domésticos, como os cuidados da casa e de seus integrantes, também recaem no colo das mulheres.
“A maioria das profissionais de saúde são mulheres e isso as coloca em maior risco. Muitas delas também são mães e cuidadoras de familiares. Elas continuam carregando a carga de cuidados, que já é desproporcionalmente alta em tempos normais. Isso coloca as mulheres sob considerável estresse”, disse Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora-executiva da ONU Mulheres.
Na mesma pesquisa anteriormente referenciada, a ONU Mulheres revela que 54% das mulheres na América Latina obtêm sua renda de empregos informais, mal remunerados e inseguros.
As medidas de distanciamento social e de “lockdown” implementadas durante a pandemia do Coronavírus, agravam esta situação, impactando negativamente na capacidade dessas trabalhadoras de receberem seus salários e de atender às necessidades básicas de suas famílias. Diante deste cenário, o Estado deve adotar medidas que visem garantir uma renda digna para essas mulheres.
A ONU Mulheres também afirmou que as mulheres continuam sendo remuneradas 16% menos que os homens em média, e a disparidade salarial sobe para 35% em alguns países. Tal cenário piora também na desigualdade encontrada na responsabilidade do trabalho dos cuidados sociais. Sendo assim, com o fechamento de escolas e serviços a fim de evitar a disseminação do COVID-19, a capacidade das mulheres em desenvolver um trabalho remunerado é diretamente afetada.
É perceptível a carga física e mental que as mulheres possuem decorrente da desigualdade na divisão do trabalho doméstico não remunerado. Consequentemente, com as políticas de distanciamento social e o teletrabalho, as mulheres são as encarregadas e sobrecarregadas nos trabalhos que envolvem cuidar da família e da casa.
Outro ponto a ser observado é a situação das empregadas domésticas, de ampla maioria negra. De acordo com dados apresentados pela OIT, existem na América Latina mais de 14 milhões de mulheres empregadas desta forma, sendo uma das ocupações com pior qualidade de trabalho, possuindo baixas remunerações, escassa cobertura de proteção social, bem como um alto índice de descumprimento das normas de trabalho.
A única forma de remuneração dessas mulheres advém em trabalhar na casa de outrem, de modo que o isolamento social ou o teletrabalho não são sequer uma opção para elas, que terão de se arriscar em jornadas de trabalho extensas com possível contágio pelo vírus.
É necessário pensarmos no sofrimento que as mulheres já estão passando e passarão diante da pandemia do COVID-19. Consequentemente, devemos pensar em políticas a serem adotadas para confortar e assegurar a vida das mulheres brasileiras nesse momento de crise.
Neste sentido, a ONU Mulheres produziu diretrizes acerca do enfrentamento do Coronavírus, tendo o enfoque nas necessidades das mulheres, sendo elas:
1) Garantir a disponibilidade de dados desagregados por sexo, incluindo taxas diferentes de infecção, impactos econômicos diferenciais, carga de atendimento diferenciado e incidência de violência doméstica e abuso sexual;
2) Incorporar as dimensões e as pessoas especialistas em gênero nos planos de resposta e nos recursos orçamentários para incorporar a experiência em equipes de resposta;
3) Fornecer apoio prioritário às mulheres na linha de frente da resposta, por exemplo, melhorando o acesso a equipamentos de proteção individual para mulheres e produtos de higiene menstrual para profissionais de saúde e prestadores de cuidados de saúde, além de acordos de trabalho flexíveis para mulheres com uma carga de cuidados;
4) Garantir voz igual para as mulheres na tomada de decisões e no planejamento de impacto a longo prazo;
5) Garantir que as mensagens de saúde pública sejam direcionadas adequadamente às mulheres, incluindo as mais marginalizadas;
6) Desenvolver estratégias de mitigação que visem especificamente o impacto econômico do surto nas mulheres e desenvolver a resiliência das mulheres;
7) Proteger serviços essenciais de saúde para mulheres e meninas, incluindo serviços de saúde sexual e reprodutiva e;
8) Priorizar os serviços de prevenção e resposta à violência de gênero nas comunidades afetadas pela COVID-19.
Diante das diversas opressões já vivenciadas pelas mulheres brasileiras, o impacto do Coronavírus em seu dia a dia evidencia as desigualdades e injustiças impostas histórica e socialmente. Portanto, é dever do Estado proporcionar condições dignas de sobrevivência para que as políticas públicas já adotadas anteriormente à pandemia não sejam postas de lado, ao passo que novas políticas devem ser adotadas concomitantemente, a fim de enfrentar as dificuldades trazidas pelo COVID-19.
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