Dos R$ 45 milhões disponibilizados para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos em ações que beneficiem mulheres, população de rua e povos tradicionais durante a covid-19, aproximadamente dois salários mínimos foram gastos
“Ninguém fica para trás.” Esta é a frase que a ministra Damares Alves faz questão de repetir em toda coletiva de imprensa ou entrevista em que o assunto é a pandemia de covid-19. Titular da pasta Mulher, Família e Direitos Humanos, ela reforça a todo momento o apoio irrestrito e acolhimento que dá, em tese, a povos tradicionais, moradores de rua e mulheres vítimas de violência doméstica nesse período. Mas os gastos têm sido microscópicos até aqui: dos R$ 45 milhões disponibilizados para o ministério para ação contra a covid-19, foram gastos apenas R$ 2 mil até o dia 26 de maio.
Damares “ganhou” esse crédito extra em 2 de abril, com a assinatura da medida provisória 942. Passados quase dois meses, o dinheiro ainda não foi executado, que acontece quando um valor público efetivamente paga algum bem, serviço ou material, tampouco foi divulgado qualquer chamamento público (cujo objetivo é encontrar organizações parceiras para desenvolver determinada ação). Questionado sobre o planejamento de gastos, ações efetivas ou próximos passos, o ministério respondeu que o planejamento será divulgado em entrevista coletiva amanhã, 29 de maio, mais de dois meses após ser decretado estado de calamidade pública em razão da covid-19 no Brasil.
Damares “ganhou” esse crédito extra em 2 de abril, com a assinatura da medida provisória 942. Passados quase dois meses, o dinheiro ainda não foi executado, que acontece quando um valor público efetivamente paga algum bem, serviço ou material, tampouco foi divulgado qualquer chamamento público (cujo objetivo é encontrar organizações parceiras para desenvolver determinada ação). Questionado sobre o planejamento de gastos, ações efetivas ou próximos passos, o ministério respondeu que o planejamento será divulgado em entrevista coletiva amanhã, 29 de maio, mais de dois meses após ser decretado estado de calamidade pública em razão da covid-19 no Brasil.
Na quarta (27), eram 411.821 os infectados pela covid-19 e 25.598 mortos nos registros oficiais. Mas o alto número de brasileiros atingidos diretamente pelo problema não é algo que o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos possa resolver sozinho ou com um orçamento tão baixo diante do de outras pastas. O que está sob a tutela do MMFDH é a proteção dos povos tradicionais, como indígenas e quilombolas, dos moradores de rua e das mulheres vítimas de violência doméstica, que neste cenário atual veem um acúmulo de problemas.
Em artigo publicado na última semana, a antropóloga Carmela Zigoni, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), traz à tona a contenção de gastos da pasta e analisa seus efeitos. Os dados foram confirmados pela Gênero e Número no Portal da Transparência do governo federal.
“O padrão [da pasta] é não saber fazer gestão de recursos, porque estamos quase no meio do ano. É um momento de flexibilização das regras para executar os recursos, mas até agora nada foi feito”, analisa Zigoni. Ela também chama a atenção para os gastos mínimos que o MMFDH fez já antes da pandemia, ainda que tenha um orçamento autorizado muito maior do que em 2019.
O orçamento para a pasta em 2019 foi de R$ 470 milhões, com execução de R$ 213 milhões. Para 2020, Damares tem um orçamento atualizado de R$ 673 milhões, mas até agora o gasto total foi de R$ 48,67 milhões. A GN detalhou a forma como este valor foi utilizado: 36% foram para pagamentos de servidores, 20% para “administração da unidade – despesas diversas” e 12,71% para o investimento no Ligue 180. O funcionamento dos conselhos de promoção da igualdade racial e dos povos tradicionais soma 0,13% dos gastos até agora. Nada foi gasto com manutenção, implementação e centros de atendimento às mulheres, bem como também foi estritamente ignorado até agora o fomento ao desenvolvimento de comunidades tradicionais.
Frases vazias
Nas coletivas e entrevistas, Damares tem falado muitas frases de efeito, mas em nenhuma delas apresentou de forma concreta valores e ações do seu ministério. A única medida efetiva anunciada foi no início de abril, com ampliação dos canais para denúncia do Ligue 180, para o site e também para um aplicativo.
No dia 2 de abril, disse que iria acolher os moradores de rua: “A partir de semana que vem, vamos fazer isso no Brasil: uma ação interna”, ela anunciou. Seria uma cooperação entre o Ministério da Cidadania, o programa Pátria Voluntária e a sua pasta. “Nós vamos acolher os moradores de rua, não vai ficar ninguém na rua”, afirmou. O “projeto” seria um acolhimento de pessoas em situação de rua em instituições religiosas, principalmente, mas também em comunidades terapêuticas. Até agora, não houve nenhum gasto executado nesse projeto.
Na mesma entrevista, Damares afirmou que estava em “ação imediata com os ciganos”. Anunciou visita aos acampamentos, com agentes de saúde. Vangloriou-se que são os vídeos, canais e instituições do ministério que chegam nesses povos, mas não deu detalhes de nenhuma ação específica. Também não há valor executado nesse sentido. O mesmo para os quilombolas.
Ações lentas
Para os indígenas, a ministra anunciou que iria reforçar o orçamento da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) com distribuição de cestas básicas. Realmente houve um aporte de R$ 7,7 milhões do Ministério da Agricultura e outros R$ 43 mil do Ministério da Justiça para esse fim, mas do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos não saiu nada.
Os indígenas estiveram presentes no discurso de Damares durante a reunião ministerial do dia 22 de abril, que veio à tona por decisão do Supremo Tribunal Federal em caso que apura interferência do presidente da República na Polícia Federal.
Quando Abraham Weintraub, ministro da Educação, falou “odeio o termo ‘povos indígenas’, odeio esse termo. Odeio. O ‘povo cigano’. Só tem um povo nesse país. Quer, quer. Não quer, sai de ré”, foi ignorado, mas após a sua fala, Damares, sem qualquer prova, afirmou que houve uma contaminação criminosa em aldeias indígenas do Brasil com objetivo de incriminar o governo federal. Acusou governadores e prefeitos de violações de direitos humanos, mas não mostrou nenhum dado concreto. Na mesma reunião, Damares também não apresentou qualquer projeto de execução orçamentária.
Os R$ 2 mil da ação para combate à covid-19 gastos até agora foram destinados à “administração da unidade”, sem que haja uma especificação de como foi usado. Há outros R$ 4,9 milhões empenhados (ou seja, destinados) para que instituições façam um mapeamento de Instituições de Longa Permanência para idosos (ILPI).
Uma tecla em que Damares sempre bate é a da necessidade de denúncias de violações dos direitos humanos. No dia 15 de maio, a pasta lançou uma campanha para que vizinhos e parentes denunciem ao menor sinal de maus tratos e violência doméstica em seu círculo próximo durante a quarentena imposta pelo novo coronavírus. Mas, para Carmela Zigoni, a importância da denúncia não anula a necessidade de investimento em outras frentes de combate à violência doméstica.
“Uma mulher negra, periférica ou na favela, vivendo essa situação, já vai ser difícil. A campanha em que o vizinho liga e denuncia é legal, é importante criar essa rede. Mas é preciso esforço de pensar políticas pública com mulheres, com especialistas do campo, para que chegue de fato nesses lugares através das prefeituras e com serviços de ponta”, avalia.
Dinheiro carimbado e pouca fiscalização
Além dos R$ 45 milhões para covid-19, Damares também tem “carimbados” alguns valores, que foram aprovados pelo Congresso Nacional, no orçamento para 2020. Ou seja, dinheiro com destino certo, de acordo com as emendas dos parlamentares. A construção de Casas da Mulher Brasileira e de centros de atendimento às mulheres, por exemplo, têm reservados 14% dos R$ 353 milhões garantidos em emendas. As políticas de igualdade e enfrentamento à violência contra a mulher, 7%.
Para Masra Abreu, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), a execução orçamentária nula neste campo, até agora, é um indicativo da pouca atenção que o governo demanda às questões das mulheres. E ela reforça que o Ligue 180, apesar de importante e indispensável, não pode ser a única política nesse campo.
“O Ligue 180 foi uma conquista superimportante da antiga Secretaria de Política para Mulheres, mas era integrado a toda uma rede de serviços. Era uma política conjunta, que ainda que não funcionasse perfeitamente, tinha uma estrutura. Neste momento, só impulsionar, apesar de ser importante, é completamente insuficiente para dar vazão aos casos de violência que vêm ocorrendo”, avalia.
O Cfemea faz monitoramento dos projetos de lei apresentados no Congresso, que podem impactar a vida das mulheres. Neste momento de pandemia, diz Abreu, vários têm sido propostos, mas “existe uma dissonância porque não há nada coordenado para lidar com o problema”.
“Poderia ser feito algo no sentido de cobrar ações e medidas mais efetivas do Executivo. Apesar de ter muitos projetos, poucos deles vão no sentido do combate e da pressão política, da fiscalização dessas políticas não implementadas. Não é à toa que não há política e muito menos que tenhamos uma execução orçamentária pífia dessas.”
*Lola Ferreira é repórter da Gênero e Número
Os dados utilizados nessa reportagem foram extraídos do Portal da Transparência em 26 de maio de 2020.
Nenhum comentário:
Postar um comentário