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quinta-feira, 20 de dezembro de 2012


Antonio Jorge Pereira Júnior – Direitos da criança em face da TV

As crianças brasileiras estão entre as que mais assistem TV no mundo, com uma média, segundo pesquisa do IBOPE de 2011, de mais de cinco horas por dia. Instigado pelo desafio de conciliar liberdade de expressão e limites da programação televisiva e compreender o quanto os meios audiovisuais poderiam impactar a formação da criança, o então doutorando em direito da Universidade de São Paulo,Antonio Jorge Pereira Júnior, debruçou-se sobre o tema que, mais tarde, daria origem ao livro Direitos da Criança e do Adolescente em face da TV.Lançado em 2011, o livro recebeu, em novembro, o Prêmio Jabuti 2012 na categoria Direito.
Para Pereira Júnior, o equilíbrio entre a liberdade de expressão e a proteção absoluta de crianças e adolescentes passa pela sensibilização dos produtores e dos detentores das concessões de rádio e TV sobre os deveres inerentes à atividade que exploram. “Não há porque eles se ilharem na posição de que a criatividade somente pode existir se for sem qualquer compromisso ético”, disse o autor em entrevista ao VIAblog, que você confere abaixo.
VIA – A regulamentação existente no Brasil sobre a programação televisiva, como a classificação indicativa, é suficiente?
Antonio Jorge Pereira Júnior – 
Sem dúvida alguma é insuficiente. Vivemos sob o paradigma da proteção integral da criança e do adolescente. Ou seja, não é a proteção de parte: envolve todos os direitos de todas as crianças e adolescentes. Logo, envolve todos os atores sociais. É um desafio impressionante. A proteção integral convoca, necessariamente, todos os adultos e todas as entidades a uma dimensão de proativa responsabilidade, pelo reconhecimento consciente do poder de plasmar um mundo melhor, mediante a formação e o cuidado com aqueles que em breve estarão no comando.
VIA – É para a efetivação da proteção integral que é necessário maior controle?
A. J. – 
Falta maior cultura de solidariedade e cooperação prática de alguns atores do sistema. Por isso, enquanto estamos a caminho de um futuro melhor, e até para que ele se efetive, ainda temos de apelar, no sentido menos simpático do termo, a um “controle social” em face de quem ainda não amadureceu para a responsabilidade do poder de expressão nos meios de comunicação. Poder de expressão sem responsabilidade não manifesta autêntica liberdade de expressão; expressa abuso de poder. E o Estado deve evitar situações de abuso, especialmente se elas são reincidentes e se os efeitos atingem crianças e adolescentes, credores de absoluta prioridade nos serviços públicos, segundo norma da Constituição Federal. Nesse contexto, faz-se necessário usar dos meios de correção e controle padronizados no Estado de Direito.
VIA – Que formas poderia ter esse controle social legítimo?
A. J. – 
Traduzindo em miúdos: podemos falar de controle social legítimo de três perspectivas que não se excluem. De uma perspectiva de ação livre e harmônica das entidades concessionárias de canais de rádio e TV abertas: elas próprias podem, voluntariamente, estabelecer canais de ingerência de agentes sociais ou cidadãos que desejam colaborar no aperfeiçoamento do serviço que oferecem. Neste modelo, a autorregulação se processaria em harmonia com sistemas de incorporação da participação popular. Um segundo modo de efetuar controle social se dá pela atuação oficial do Estado de Direito para que as entidades respeitem as competências e atribuições legais. Entrariam aqui os órgãos oficiais do Estado no exercício de suas atribuições, realizando também um controle social: o Ministério das Comunicações, oMinistério da Justiça, o Ministério Público e o judiciário. Pode-se falar, ainda, de um terceiro tipo de controle social, que avança sobre a reconstrução do modelo normativo, em prol de mudanças no marco regulatório. Neste caso, o foco é o legislativo. Esse controle pretende reformular o sistema de concessões e, eventualmente, criar novos órgãos de controle que possam atuar onde os órgãos atuais não alcançam. No livro, chego a falar de algumas medidas que poderiam favorecer uma melhor harmonização de interesses, redundando em programação mais conforme aos interesses da criança e do adolescente.
VIA – Organizações sociais têm denunciado propagandas consideradas abusivas e, frente a isso, a inação do Conar. Como você avalia o caso?
A. J. – 
Como bem dizia um promotor certa ocasião: nos anos 70, achávamos um absurdo que fossem julgados somente por Tribunais Militares, os militares acusados de maus tratos em face de manifestantes contrários ao Governo. Parecia uma farsa judicial. Assim, também não se pode esperar e nem exigir do Conaruma total isenção. Respondendo: a autorregulação não é suficiente. É necessário a co-regulação, para que o bem comum de todos seja atingido, para além do bem comum de uma classe profissional, por mais que sejam pessoas corretas a julgar.
VIA – Quais os principais efeitos ou danos causados a crianças e adolescentes pela exposição a conteúdo impróprio?
A. J. – 
Tentarei resumir na seguinte afirmação: a programação pode fazer da criança uma pessoa menos humana e, nessa mesma medida, menos livre, menos consciente de si e menos feliz do que poderia. Frase forte, mas que sintetiza muitas coisas.
VIA – De que forma se dá esse prejuízo à formação da criança?
A. J. – 
O adulto tem a sensibilidade madura para associar o bom sentimento a um ato moralmente bom, e vice-versa. A criança não. A programação televisiva apresenta modelos que servem de inspiração para quem busca referências para a vida. É o caso da criança. As referências são mais marcantes à medida que os modelos domésticos ou sociais são pobres na exposição de virtudes e valores que despertem a juventude para condutas éticas. No contexto de ausência de valores vivenciados pelos pais e pela sociedade próxima da criança e do adolescente, a televisão passa a ocupar espaço sem concorrência na formação da mentalidade e dos hábitos, como explica Jo Groebbel em sua Teoria da Bússula [teoria formulada como base para estudo da Unesco sobre a percepção dos jovens sobre a violência nos meios de comunicação].
VIA – E quando a TV comete violência contra a criança?
A. J. – 
Quando faz imperar a dimensão dos impulsos, em tempo que deveria ajudá-la a formar sua razão e sua vontade. Explora, assim, sua dimensão emotiva, dos sentimentos e sensações, para fins contrários ao melhor interesse da criança. A educação deve levar a que os impulsos de busca de prazer sejam conhecidos e dirigidos, mediante decisão livre e racional, para os valores mais adequados à pessoa. As decisões motivadas por valores devem prevalecer ao longo do processo educacional. A criança tem direito a essa formação. O consumismo induzido pela publicidade e programação que atinge público infanto-juvenil deseduca e, nesse mesmo ato, violenta, quando estimula conduta de adesão ao prazer “aqui e agora”, acima de qualquer reflexão de razoabilidade. Incute, pela mesma lógica do prazer pessoal imediato, cultura individualista, alheia à vivência de valores de solidariedade. Para proteger a pessoa mais ingênua é que se vedou, no Código do Consumidor, “a publicidade [...] que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, [...], ou seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança” (CDC, art. 37 § 2°).
Bernardo Vianna / VIA Blog

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