Viúvas de guerra lidam com um mundo de homens
por Amantha Perera, da IPS
Dharan, Nepal – O marido de Sita Tamang desapareceu em 2004, dois anos antes do final da guerra civil no Nepal. Nativa de Dharan, 600 quilômetros a sudeste da capital Katmandu, esperou sete anos para tentar reclamar a compensação oferecida pelo governo após o acordo de paz de 2006. Quando por fim conseguiu que funcionários do governo em Dharan atendessem seu pedido de compensação, se deparou com o espinhoso pedido para que “provasse” seu casamento com o pai de seus três filhos, com o qual vivera durante 15 anos.
Como era habitual, Tamang e seu marido se casaram pelo rito tradicional, mas não obtiveram nenhum documento civil. Além de cuidar dos três filhos (duas mulheres e um homem), Tamangu teve que suportar a carga de buscar a documentação solicitada mesmo antes de iniciar o processo burocrático para obter a compensação. “Assim são as coisas aqui. Sempre tornam as coisas mais difíceis para as mulheres”, disse à IPS com simplicidade.
A milhares de milhas dali, no norte do Sri Lanka, Rajina Mary, viúva de guerra de 38 anos, mãe de quatro filhos, teve que vencer obstáculos semelhantes quando começou a construir uma nova casa com a ajuda da Cruz Vermelha, no final de 2010, cerca de um ano após o fim da guerra civil em seu país. “Os operários não aceitavam suas ordens, por partirem de uma mulher. Estão acostumados a receber ordens de homens”, contou Mary à IPS, parada diante de sua casa na aldeia de Selvanagar, no distrito de Kilinochchi, na antiga zona de guerra.
Quando os operários se negaram a seguir suas instruções, Mary e seus filhos foram obrigados a cuidar eles mesmos da construção, preparando a maior parte da base e carregando centenas de tijolos e sacos de cimento. “Para nós saiu mais barato. Mas é assim que as coisas são aqui. É uma sociedade muito dominada pelos homens”, comentou Mary, coincidindo com as afirmações de Tamang.
Trabalhadores humanitários, conselheiros e especialistas em regiões pós-conflito, nos dois países da Ásia meridional, dizem que a natureza patriarcal das sociedades rurais as torna nada invejáveis para viúvas ou mulheres chefes de família. “Há muita ansiedade, muita depressão. A maioria destas mulheres vive em isolamento, sem ninguém com quem conversar, inclusive quando estão entre familiares”, detalhou à IPS a conselheira Srijana Bhandari, do Centro de Reabilitação de Mulheres, que trabalha em Dharan.
Depois que seu esposo desapareceu, em 2004, uma mulher lutou durante sete anos para enviar seu filho à escola e para pedir ajuda para sua filha epilética. Apenas em novembro de 2011, quando o Centro começou a falar com ela, finalmente contou os muitos desafios que enfrentam as mulheres que repentinamente têm de se manter sozinhas, a si e suas famílias. Agora, graças à intervenção da organização, sua filha vai à escola da aldeia e ela recebe uma ajuda médica mensal para sua filha.
“Antes de falarmos com ela, não havia ninguém para ajudá-la. Alguns membros de sua família inclusive a viam como um peso”, relatou à IPS o coordenador de programa do Centro, Kamal Koirala. Mesmo nas raras ocasiões em que as mulheres falam sobre perspectiva de novo casamento, estão sob forte pressão – ironicamente, da parte de seus parentes por lei – para que rejeitem o pedido.
Assim, muitas acabam fugindo e abandonando os filhos, segundo funcionários da organização. Koirala disse à IPS que raramente as mulheres se abrem – se é que o fazem – para relatar as pressões que pesam sobre elas para que se voltem ao trabalho sexual, mas disse que os trabalhadores humanitários têm fortes suspeitas de que a prática está generalizada.
A situação não é muito diferente no Sri Lanka, segundo Saroja Sivachandran, que dirige o Centro para as Mulheres e o Desenvolvimento, uma organização não governamental que trabalha em assuntos de gênero na península de Jaffna. Apesar de um conflito de quase três décadas em que muitas mulheres lutaram ao lado dos homens, especialmente no separatista Exército para a Libertação da Pátria Tâmil (LTTE), a sociedade tamil do norte ainda está impregnada de valores patriarcais, afirmou à IPS. “O problema agora é que as mulheres solteiras ou chefes de família – e há milhares delas – têm que competir com os homens em tudo, de empregos a ajuda para moradia”, acrescentou a ativista.
Nos dois países, dezenas de mulheres ficaram à deriva na paisagem do pós-guerra. A Cruz Vermelha do Nepal lista 1.401 pessoas ainda desaparecidas, seis anos depois de terminado o conflito. Segundo funcionários, pelo menos 90% das famílias mais atrasadas agora têm mulheres como chefes, e 80% delas são mães. No Sri Lanka, a Organização das Nações Unidas (ONU) estima que cerca de 30 mil das 110 mil famílias que voltaram à ex-zona de guerra, no norte, estão lideradas por mulheres.
Em 2010, o Banco Mundial concluiu que as mulheres constituíam dois terços dos participantes em um programa de geração de renda, cuja concretização consumiu US$ 5,5 milhões. De fato, os gerentes de programas concederam condições especiais às mulheres, oferecendo-lhes horário de trabalho flexível. O programa também pagou idosos para cuidarem das crianças enquanto as mães trabalhavam.
No entanto, as mulheres que têm de reconstruir suas vidas após décadas de guerra, enquanto também enfrentam os sufocantes costumes e tradições do domínio masculino que remontam a várias gerações, dizem que há pouquíssimas possibilidades de as coisas mudarem. “Foi assim, mesmo durante os combates. Por que deveria mudar quando já não existem?”, perguntou Mary. Envolverde/IPS
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