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sexta-feira, 10 de julho de 2015

Amy Purdy: “Ouvi a última batida do meu coração”

Americana conta como se tornou uma das maiores atletas paraolímpicas de snowboard do mundo, após perder as duas pernas aos 19 anos

AMY PURDY
10/07/2015
 
Amy Purdy (Foto: Divulgação)
 
Com 19 anos, eu fui diagnosticada com meningite bacteriana. Ninguém sabe como contraí a doença.
 
Quando começaram os sintomas, uma quinta-feira de julho de 1999, parecia uma gripe brava. Minhas costas doíam e eu estava exausta. Por causa disso, saí do trabalho, como massagista, mais cedo.
 
Assim que cheguei em casa, mamãe mediu minha temperatura. Estava sob 39 graus. Pensava que se dormisse iria melhorar. Eu tremia, suava e não me sentia bem.
 
De repente, começou a piorar. Nas primeiras 24 horas, eu me senti assim. Quando decidi por ir ao hospital – com minha irmã, Michelle, que tinha 16 anos à época – meu corpo estava entrando em colapso. Desmaiei. A enfermeira ligou para minha mãe avisando que não sabiam o que estava errado, mas que, naquele ritmo, eu talvez tivesse duas horas de vida. Lá estava eu, aos 19 anos, à beira da morte. Quando acordei, por volta das 4h da manhã, estava cercada por máquinas de diálise e aparelhos intravenosos, ligada a todos os aparelhos.
 
Eu me senti grata por estar viva, mas estava assustada. Soube depois que meus órgãos estavam doentes. Em choque bacteriano, meu corpo tentava puxar o sangue das extremidades para salvar os órgãos vitais. Não demorou muito e me colocaram em coma induzido, com aparelhos para respirar. Os médicos me deram 2% de chances de sobreviver. Nem uma vírgula a mais.
 
É estranho, mas durante alguns anos eu vinha tendo a sensação inexplicável de que algo muito grande iria acontecer comigo. Eu não fazia ideia de onde vinha aquela sensação, nem se ela sinalizava algo bom ou ruim, mas era uma ansiedade que ficava maior a cada dia. Mas eu era jovem, muito saudável e costumava treinar todo dia. A ideia de que um dia eu teria “medo” de alguma coisa não era algo que eu pensava. Naquelas semanas no hospital, entrei em processo de sobrevivência. Não pensava em morrer. Estava apenas lutando pela minha vida – afinal, eu tinha a vida inteira pela frente, era forte e independente, tinha um emprego que adorava, fazia massagens, ganhava bem no trabalho, meu plano era economizar e viajar o mundo.
 
A certa altura, meu baço estourou, e o meu médico me levou para a sala de operação para uma cirurgia de emergência. De alguma maneira, mesmo em coma, e sob o efeito de intensa anestesia, eu ainda tinha a consciência de certos sons. Podia ouvir os médicos e enfermeiras conversando. Meu coração, porém, começou a bater a 226 por minutos. “Nós a estamos perdendo!”, disse um dos médicos. Enquanto estava deitava lá, eu pensava: “Sei que eles estão tentando me salvar... Mas estou indo”.
 
Senti como se estivesse sendo puxada de meu corpo. Tudo ficou preto. Vi-me em um infindável espaço escuro. Sentia-me sem peso, como se estivesse flutuando. Não havia gravidade. Eu não estava mais ciente do meu corpo físico. Estava claro para mim o que havia acontecido. Eu havia morrido. Ouvi a última batida do meu coração. Vi uma luz. Três espíritos me deram uma escolha: “Pode vir conosco ou ficar. Apenas entenda que não importa o que aconteça na sua vida, no final tudo fará sentido”. Naquele momento, escolhi viver. E aproveitei essa segunda chance de vida.
 
Honestamente, não sei dizer de onde tirei a força. Foi uma sucessão de dificuldades no hospital. Pouco tempo depois, eu ainda tive que amputar os meus pés por conta da necrose. Esse foi realmente um momento de virada para mim. Depois de perder as pernas quase inteiras,  do joelho para baixo, percebi o quão difícil iria ser, o quão desconfortável e doloroso seria o processo.
 
Fiquei deprimida. Não sabia como faria as coisas que amava. Mas depois de um tempo eu cansei. Cansei de estar doente e de estar cansada. Minhas pernas não iriam voltar, então o que poderia fazer? Lembro que não queria que as pessoas sentissem pena. Ou me vissem como uma deficiente. Ou que não era capaz. Queria que as pessoas conhecessem meu verdadeiro eu. Queria viajar, fazer esportes radicais, casar... Eu quase perdi minhas mãos também. Estava na pior. Eu tocava piano, pintava, então agradecia por mantê-las. Talvez em pensar o quão ruim poderia ter sido o desfecho também tenha ajudado. E minha família ficou comigo o tempo todo. Eles cuidaram de mim. No processo de minha volta para casa, minha mãe colocou o trabalho de lado para cuidar de mim. Meu pai doou um rim.
 
Nunca perdi o desejo de praticar esportes, mesmo no hospital. Nunca pensei que não seria capaz de fazer as atividades novamente. Enquanto me recuperava, dois meses e meio depois do hospital, minhas pernas foram melhorando, eu adquiri força e comecei a tentar coisas diferentes. Daí ressurgiu o snowboard. Minha paixão pelo esporte começou quando eu tinha 15 anos. Não perdia uma oportunidade de viajar para as montanhas. Esquiava desde pequena, mas não era muito boa. Quando comecei, não era um esporte popular ainda. Fazia por diversão, não pensava em me profissionalizar. Até perder minhas pernas.
 
Poucos meses depois de sair do hospital com as próteses, eu já estava na montanha. Mas houve um incidente. Caí feio. E minhas pernas desceram pela montanha presas à prancha. Um amigo foi quem as trouxe de volta. Não foi fácil. Foram dois anos adaptando as próteses, criando resistência física até descobrir a melhor forma de praticar o esporte. Foi desencorajador por um tempo. Nem o equipamento nem próteses adequadas estavam disponíveis. Mas isso me motivou e me desafiou. Tudo é possível se você é criativo e se esforça. Foi essa atitude que me fez chegar aonde estou hoje. Nunca pensei por que eu? Nunca me deixei pensar assim. Isso que me faz seguir em frente. 
 
Aos poucos, voltei a competir. Encontrei os materiais adequados e confortáveis e me readaptei. Depois, ganhei dois ouros na Copa do Mundo Para-Snowboard, adaptado para deficientes físicos, na Nova Zelândia, em 2011, e no mesmo ano competi na França e ganhei outro ouro.  Três em um ano. Em 2014 conquistei outra medalha importante: um bronze nos Jogos Paraolímpicos de Sóchi, na Rússia. Ainda no ano passado, cheguei à final do reality show Dancing with the stars, vencendo outros 11 casais. Todos sem deficiência física.
 
Nesse meio tempo, conheci Daniel, meu atual noivo, também apaixonado por snowboard. Fundamos a Adaption Action Sports, uma organização sem fins lucrativos que ajuda jovens e veteranos de guerra a superar suas deficiências físicas através de esportes. Tem mais. Virei modelo, me envolvi com projetos de atuação, participei de conferências internacionais do TED e Pop Tech. Agora, sinceramente, preciso decidir novos objetivos.
 
Escrevi o livro Por um sentido na vida (Editora Agir, 239 páginas) narrando minha trajetória, o que era um sonho desde que perdi as pernas, e ainda vou me casar neste ano. Sentei com Oprah Winfrey, que me chamou de heroína e virei best seller do New York Times. Realmente não posso pedir mais. Para ser sincera, estou tirando um pouco de tempo para descobrir o que quero. Pretendo competir nas Olimpíadas de 2018 e voltar para a cidade onde nasci, Las Vegas, nos Estados Unidos, com o ouro. Minha história é um exemplo do que você pode fazer com as cartas que lhe dão. Todos nós temos desafios e coisas que nos debilitam. Às vezes são medos. Espero que eu inspire outras pessoas a enxergar o quão poderosas elas são. Não apenas para dizer: “Olha que legal o que essa mulher fez”. Mas para agirem e verem do que são capazes. Agora eu pergunto a mesma questão que sempre fiz a mim mesma: "Se sua vida fosse um livro e você, o autor, como gostaria que sua história terminasse?”. 
 
Em depoimento a  Júlia Korte
 

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