02/12/2015 por Edison Tetsuzo Namba
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido do Ministério Público (MP) de Rondônia para que constassem na certidão de nascimento de uma criança os nomes de dois pais, o biológico e o socioafetivo, mesmo contra a vontade deles e da mãe.
O Ministro Relator destacou que o duplo registro é possível nos casos de adoção por casal homoafetivo, não na hipótese em comento (1). Ademais, o pai socioafetivo não tinha interesse em figurar na certidão da criança, a qual, no futuro, quando se tornar plenamente capaz, poderá pleitear a alteração de seu registro civil (2). Se desejar, o pai socioafetivo poderá deixar patrimônio ao menino por meio de testamento ou doação (3).
Algumas observações devem ser feitas ao V. Acórdão, a título de reflexão, não em termos críticos.
Na Carta da República está estampada a predominância da paternidade com responsabilidade (art. 226, parágrafo 7º). O vínculo biológico não é suficiente, os pais devem exercer suas obrigações paternas e maternas.
Sendo assim, não só é pai quem gerou o novo ser, mas também aquele que lhe devota amor, afeto, carinho, cuida-o, educa-o, orienta-o, prepara-o para os desafios, enfim, exerce todas as funções para seu desenvolvimento equilibrado e hígido. Essa pessoa tem todo interesse em ver seu nome no registro de nascimento da criança. A contrapartida, igualmente, é verdadeira. De há muito não se tem mais a predominância da “tirania do sangue”, e, sim, da socioafetividade. Deve-se progredir nesse intento e não estagnar nesse desiderato.
O próprio Código Civil, de 2002, dando nova conformação às relações de parentesco, acolheu essa nova postura, pois, em seu art. 1593 estabelece: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Neste último caso, da socioafetividade.
Seria um contrassenso a Carta Magna e a legislação infraconstitucional permitirem o reconhecimento da filiação não decorrente de sangue e, no momento de declará-la, ela não pode ser registrada.
Ao se projetar um dos princípios da bioética, o da não maleficência, percebe-se que mal algum haveria para a criança. Ela seria criada por três pessoas, com orientações de três indivíduos, por mais difícil que isso fosse na prática. Faltando um deles, haveria mais uma possibilidade para o exercício da guarda, com todos os deveres dela advindos.
O terceiro viria para acrescentar na formação da criança, não tirar algo dela. Serviria de uma um apoio para a formação de seu caráter e de sua personalidade.
Um casal homoafetivo pode adotar alguém. Isso é louvável, se a bem do adotando. Em razão disso, não há a figura feminina, os dois homens serão os genitores dele.
Não haveria motivo para extirpar do registro alguém que, não sendo parceiro afetivo de outro, em relação à criança, é-lhe totalmente devotado. Tem-lhe em alta conta. Faria de tudo para vê-la bem e feliz. Cuidaria dela com todo o desvelo possível. Seria uma honra, senão um privilégio, figurar como pai de quem é tão caro. Não existiria motivo para rechaçar tal iniciativa.
Aqui, o princípio da beneficência, também usado na seara da bioética, autoriza a permissão ao registro, porquanto quer-se o bem do ser gerado. Divergências entre as três pessoas pode haver, contudo, se elas afetaram a prole de maneira muito negativa, pode-se utilizar dos meios tradicionais para resolver a contenda, com intervenção do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Pode-se deixar o a patrimônio para alguém que se gosta. Isso pode ser feito por doação ou testamento. O efeito do registro como pai faria de alguém herdeiro necessário de outrem, no entanto, existe algo de mais intenso. A questão não é patrimonial.
É o reconhecimento de uma situação fática para terceiros, publicizada, documentada, sedimentada. A partir de então ter-se-ão pai e filho (a) (s). Não mais o “enteado”, palavra inadequada, o “amigo”, o “tio”. Simplesmente, pai e filho (a) (s).
Quem está envolvido nessa relação tripartite teria menos constrangimentos. Poderia intitular-se pai, sem qualquer problema. Ele próprio agiria com maior autonomia em decisões concernentes a (o) filha (o) (s), respeitando o poder familiar dos demais, dando a quem ama também maior liberdade em apresentá-lo a terceiros.
Em outras palavras, embora a intenção dos Eminentes Ministros seja louvável, a sociedade está diversificando suas relações familiares, devendo haver espaço para a dupla paternidade, não só para prestigiar os pais, porém, principalmente, de quem são seus filhos, para eles terem concretizados no Registro Civil o que na prática já vem acontecendo, o exercício tripartite do poder familiar, afinal, a convivência familiar tão prejudicada por nocivas intervenções de maus exemplos.
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