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domingo, 20 de dezembro de 2015

Que 2016 venha com as decisões do STF necessárias ao Direito de Família


Quando Gisellle Groeninga me convidou para fazer parte do seleto grupo de colunistas da então nova coluna Processo Familiar, não imaginava o sucesso e a repercussão que a coluna teria.

Não que o nome de grandes mestres como Rodrigo das Cunha Pereira, Luiz Edson Fachin (e atualmente Paulo Lôbo) e da própria Giselle Groeninga não fossem nomes bastantes para serem lidos à exaustão, mas por causa dos inúmeros textos que se publicam diariamente pelos mais diversos canais, gerando ao leitor impossibilidade de conhecer todos eles e inexistindo tempo para sua leitura.
O sucesso da coluna se reflete nos inúmeros compartilhamentos e na repercussão nas redes sociais.
Nesta coluna, a última de minha autoria, quero fazer um apanhado do ano de 2015 por meio de algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça que cuidaram do Direito de Família e das Sucessões.
Sobre afeto como valor jurídico, em 2015 o STJ reiterou algumas velhas premissas, a saber:
  • o homem que é enganado por sua mulher ou companheira, mesmo criando-se o vínculo afetivo, tem direito a negar a paternidade da criança, pois esta nasceu de erro, como vício do consentimento (REsp 1330404/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/02/2015, DJe 19/02/2015).
  • O filho tem o direito a promover ação investigatória de paternidade para excluir o pai socioafetivo de seu registro de nascimento, incluindo o biológico, pois a filiação biológica é direito da personalidade, logo imprescritível (REsp 1458696/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 20/02/2015).
  • A mãe socioafetiva tem possibilidade jurídica de pedir o reconhecimento da maternidade, mesmo que não haja vínculo de sangue (REsp 1291357/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 20/10/2015, DJe 26/10/2015)
Sobre a multiparentalidade, entendeu o STJ que não é possível que, por vontade do pai socioafetivo, fosse realizado o duplo registro na Certidão de Nascimento do menor. Se a questão é deixar bens, pode-se fazer doação ou disposição testamentária em favor do menor (REsp 1333086/RO, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 15/10/2015)
Em matéria de alimentos, temos o seguinte. Os alimentos entre ex-cônjuges têm caráter excepcional e transitório, ou seja, só são devidos por tempo determinado. Em regra, são concedidos pelo prazo de um ano. A exceção ocorre quando o cônjuge tem idade avançada ou não tem mais condições de reinserção no mercado de trabalho (AgRg no AREsp 725.002/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 08/09/2015, DJe 01/10/2015)
Em matéria de sucessão do cônjuge, o tribunal, por meio da 2ª Seção, unificou o entendimento referente à concorrência do cônjuge com os descendentes:
  •  casamento por separação convencional de bens, os bens do falecido serão partilhados entre cônjuge e descendentes (REsp 1294404/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/10/2015, DJe 29/10/2015).
  •  casamento por comunhão parcial de bens — o cônjuge concorre com os descendentes quanto aos bens particulares do falecido, não concorre quanto aos bens comuns sobre os quais já tem meação (REsp 1.368.123-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, Rel. para acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 22/4/2015, DJe 8/6/2015 – informativo 0563)
Nessas poucas notas, percebe-se que:
  • O afeto ainda é tema controverso. Quando se trata de erro na vontade do pai (que desconhecia que o filho biologicamente não era seu), prevalece a vontade deste em desfazer a partenidade. O filho socioafetivo pode optar pela paternidade biológica, desfazendo a socioafetiva, pois a verdade biológica é direito da personalidade.
Em minha opinião, as decisões indicam confusão entre ascendência genética e paternidade. Ser pai é exercer uma função, e ascendente genético é ter o mesmo DNA.
Não pode o pai deixar de sê-lo por não ser ascendente genético do menor. Não pode o filho deixar de sê-lo por não ter o DNA de seu pai[1]. Não se trata de opção ou vontade, mas dado de realidade em razão de construção social.
Apenas com essa leitura, o afeto é levado às últimas consequências e reconhecido definitivamente como valor jurídico. Assim como, na adoção, não há dois pais (o biológico e o adotivo), mas um só: o adotivo. O outro passa ser apenas ascendente genético.
A multiparentalidade efetivamente ainda não entrou na pauta do STJ. Aquele tribunal fez bem em dizer que a situação é de exceção, e não regra, como parece querer boa parte da festiva doutrina familiarista (que sempre festeja, mas poucas vezes indica a base jurídica). A multiparentalidade não é regra, e nem poderia sê-lo. Na esmagadora maioria das configurações familiares, uma única pessoa exerce a função materna, e outra a paterna. Quantas vezes não vemos casais separados ou divorciados em que o pai e mãe prosseguem exercendo suas funções. O fim do casal conjugal não implica fim do casal parental necessariamente. Quantas vezes não assistimos a abandonos paternos e o avô ou padastro da criança passa a exercer a função paterna.
O erro está em acreditar que a criança, tendo criada por seu pai socioafetivo, sem nunca ter visto ou sabido da existência de seu ascendente biológico, tem “dois pais”. Não! Isso é desprestigiar o afeto. A criança tem um pai e um ascendente biológico, que não é seu pai. Se o tempo de convívio permite que surja uma segunda paternidade aliada à primeira, isso não é regra e nem se dará por sentença que representa verdadeira violência ao menor.
A doutrina do afeto, de maneira incoerente, defende a multiparentalidade como possibilidade sempre existente. Equívoco grande. Multiparentalidade é exceção e pensada no interesse da criança e do adolescente. A conclusão de que “é melhor três pais que dois” é irresponsável e sem base técnica.
A noção de alimentos acompanha a evolução social. Homens e mulheres são iguais e não há mais a ideia de que ao se casar a mulher abandona sua vida e carreira para cuidar do marido e filhos.
Os índices do IBGE indicam que as mulheres trabalham e muito, normalmente em triplo turno: o trabalho doméstico e aquele fora do lar. Assim, alimentos provisórios, para a recolocação no mercado de trabalho, são adequados, em regra. Não há mais a profissão “ex-marido” ou “ex-mulher”. É por isso que, em caso de idade avançada ou doença do cônjuge, os alimentos são devidos de maneira permanente. Há um acerto em se adequar a leitura do casamento ao atual momento histórico. Vejo com bons olhos essa nova leitura da família em matéria de alimentos.
O maior ganho para a sociedade, contudo, não é quanto ao Direito de Família, mas quanto às sucessões. Finalmente, o STJ, por meio da 2ª Seção, pacificou entendimento quanto à sucessão do cônjuge e a concorrência com os descendentes.
Abandonada a tese sem nenhuma consistência e contra legem criada pela ministra Nancy Andrighi (Resp. 992.749/MS), o entendimento correto do texto e do espírito da lei foi adotado: a concorrência prevista no artigo 1829, I do CC tem natureza assistencial, pois sua origem é o usufruto vidual que nasce com o Estatuto da Mulher casada de 1962. Assim, o cônjuge só concorre com os descendentes quanto aos bens particulares, pois quanto aos demais já é meeiro.
A lógica, tendo ela simpatia popular ou não, é evitar o desamparo do supérstite. É isso que decidiu o STJ.
Agora, como nota final, o Supremo Tribunal Federal, mais uma vez não exercendo sua função de corte criminal, e só, novamente deixou de julgar dois temas de grande interesse ao Direito Civil: afeto (repercussão geral no Recurso Extraordinário com Agravo 692.186 PARAÍBA) e sucessão do companheiro e a inconstitucionalidade do artigo 1790 do CC (repercussão geral no Recurso Extraordinário 646.721)
Ao primeiro foi negado seguimento, pois o ministro Fux entendeu que há outro RE em que a matéria é abordada e permite melhor análise do afeto. O segundo ainda não teve o julgamento iniciado.
Que 2016 venha com as decisões do STF de que tanto necessita o Direito de Família e as famílias brasileiras.

[1] Não tratamos aqui dos casos de sequestro de menor em que a tipificação penal e a repulsa social são suficientes para não permitir a sobrevivência desta maternidade  ou paternidade.
 é advogado, diretor do conselho consultivo do IBDFAM e professor da Universidade de São Paulo e da Escola Paulista de Direito.

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