por Regina Wielenska
"A crise moral de nosso país pode também ter se iniciado no seio das famílias."
Minha avó contava a seguinte história sobre sua amiguinha de infância: à boca pequena circulava a notícia de que a menina Natália era, na verdade, filha de Teresa, que fingia ser sua irmã, 18 anos mais velha.
A mãe de Teresa, Dona Maria, se fez passar por mãe de Natália porque a filha engravidara do padre da cidade onde moravam. Por razões moralistas, dona Maria "salvou a honra" de Teresa, fingindo ser mãe da própria neta.
Essa pequena história é complicada em muitos níveis. Vou me centrar em apenas um deles. Ocorre que antes quero narrar outra breve história. Conheço uma senhora que custou demais pra engravidar. Casada há dez anos, finalmente engravidou e foi tudo bem, até que aos quinze dias de nascido seu bebê teve morte súbita, os médicos afirmaram que a causa mortis seria um erro inato do metabolismo. Sofreu demais, decidiu adotar uma criança recém-nascida num orfanato no Sul do país. O registro de nascimento foi feito como tendo a criança nascido de seu ventre num parto domiciliar.
A história se repetiu por completo uma segunda vez: gravidez, óbito, adoção. Acompanhei tudo isso com extremo pesar, feliz que duas crianças ganharam um lar amoroso. Mas eu discordava da mentira. Apavorada, a mãe mudou de bairro e começou uma vida em outra vizinhança que não soubesse dos óbitos e adoções ilegais. Eu gostava e ainda gosto da mãe, mas não conseguiria olhar pra aquelas crianças fingindo que vieram do ventre de que lhes adotou.
Tudo que se decidiu nas duas histórias foi feito, ao menos num primeiro momento, no intuito de resguardar as crianças do seu passado obscuro. Mas eu me pergunto, e se elas se submetesses a uma tipagem sanguínea por razões de saúde? Ou, pior ainda, e se precisassem de um transplante intervivos e seus pais não fossem em nada compatíveis?
Descobrir que seus pais lhe mentiram por décadas, ainda que por motivos supostamente humanitários, faz com que uma criança perca a confiança nos pais e naqueles que a cercam. A criança, adolescente ou adulto pode perder a confiança básica nos pais. Surge, de antemão, um dúvida irremediável. No que mais seus pais poderiam ter mentido para ela?
Tão ruim quanto isso é uma criança ver seus pais mentindo pra terceiros, dando desculpas esfarrapadas pra faltas no trabalho, recusando receber uma visita sob o argumento mentiroso de que iriam viajar, mandando a criança dizer ao telefone que o pai não está. Todas essas práticas prejudicam a criança, abalam sua confiança nos pais e/ou lhe ensina a ser mentirosa quando convém.
Aos pais recomendo que digam a verdade para seus filhos e evitem zelosamente não mentir na presença deles. A crise moral de nosso país pode também ter se iniciado no seio das famílias.
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