Nessa edição, o programa Espaço Aberto vai discutir violência doméstica com o SOS Ação Mulher e Família. A jornalista Rafaela Dias conversa com a coordenadora geral Gislaine Rossetto, a voluntária Adriana Bruna Pinheiro da Silva, a coordenadora técnica Sandra Correia Forster Giovanini e a psicóloga Lucélia Braghini. A edição conta ainda com o depoimento de uma mãe, atendida pelo SOS e que vai revelar as dificuldades e superações de romper o ciclo da violência doméstica. Confira!
O ato violento de exclusão da palavra “gênero” do vocabulário legislativo não será suficiente para impedir novos enfrentamentos às opressões por Maíra Kubík Mano — publicado 25/02/2016
Na semana passada, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou um destaque, proposto pelo PRB (Partido Republicado Brasileiro), à Medida Provisória 696/15, para retirar “a perspectiva de gênero” do novo ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. Assim, graças aos nobres congressistas, podemos ter um ministério das Mulheres que, ao menos formalmente, não reconhecerá as desigualdades entre homens e mulheres.
(Não custa nada lembrar, nem que seja entre parênteses, que a existência desse ministério representa, por si só, um retrocesso, uma vez que até 2015 a Secretaria de Políticas para as Mulheres, assim como a de Igualdade Racial, tinha status de ministério).
Agora eu pergunto: como explicar a dupla jornada de trabalho a que estamos submetidas – dentro e fora de casa – sem entender que existe uma diferenciação hierárquica, construída socialmente, que divide responsabilidades e coloca as mulheres como principais encarregadas de lavar a louça, limpar a casa e cuidar de crianças e idosos etc.?
Para traçar um paralelo, é como se “raça/etnia” e “geração” não fossem variáveis legítimas para analisar nossas relações sociais. Pergunto novamente: como refletir sobre os absurdos índices de assassinatos no Brasil sem enxergar que atingem uma maioria de pessoas jovem, negra e que vem de bairros periféricos?
É simplesmente impossível. É escamotear a realidade.
Não à toa, a outra emenda à MP 696/15 foi a ratificação da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica, que afirma o “direito à vida” desde a “concepção”. No lugar de discutirmos os cerca de 800 mil abortos ilegais realizados anualmente no Brasil, suplantamos o debate e relegamos as mulheres, em especial as pobres, à insegurança de uma interrupção clandestina.
Um repúdio similar à palavra “gênero” havia ocorrido em 2014, quando o Congresso Nacional, após pressão da bancada evangélica, retirou a expressão do Plano Nacional de Educação (PNE). À época, entrevistei a deputada federal Érika Kokay (PT/DF), uma das integrantes da Bancada Feminina, que explicou que “para aprovar o PNE nós tivemos que abrir mão de fazer um destaque na palavra ‘gênero’ porque a gente estava precisando aprovar o plano nacional, era uma conquista fundamental, importante. E foi um problema. Um acordo que a gente teve que fazer sob pena de perder o PNE inteiro”.
Afinal, por que querem banir do marco legal uma categoria de análise? Qual é o problema com "gênero"?
Bom, ao dizermos que há uma relação de gênero, percebemos, com certa facilidade, que existe um posicionamento privilegiado nessa relação, o do homem, branco, heterossexual, cisgênero, que é o sujeito hegemônico em nossa sociedade. Isso mexe com nossa objetividade e nossas subjetividades, contribuindo para desnaturalizar as opressões.
E os “de cima”, como diria Florestan Fernandes, obviamente não querem mudar sua confortável posição. Pensam então ser preciso impedir o “gênero” de existir. Querem assassiná-lo e toda a pluralidade que vem com a possibilidade de reflexão.
Mas isso, nobres congressistas, é apenas tapar o sol com peneira. O ato violento de exclusão da palavra “gênero” do vocabulário legislativo, perpetrado consecutivamente nos últimos anos, não será suficiente para impedir novas existências, problematizações, rompimentos e enfrentamentos às opressões. As possibilidades se espalham mais rápido que do que vocês conseguem reagir. Assim nos mostraram os feminismos no ano passado, que das ocupações das escolas paulistas às ruas das grandes cidades com o Fora Cunha e contra o PL 5069, dominaram o debate público.
“Todas as pessoas são iguais. Mas existem coisas que as tornam desiguais: a força, o poder, o dinheiro e a cultura”. A frase que abre o livro infantil O que são classes sociais? é um vislumbre da abordagem simples, porém competente, com que os títulos da coleção Livros para o Amanhã, lançada pelo Boitatá (selo infantil da Boitempo Editorial), apresentam aos pequenos questões essenciais de cidadania e dinâmicas sociais. O que são classes sociais? e As mulheres e os homens são os mais recentes lançamentos da coleção e deverão chegar às livrarias a partir de 11 de março. Em dezembro do ano passado, o selo lançou em sua estreia os volumes A democracia pode ser assim e A ditadura é assim.
Os livros integram uma série de quatro volumes que foi publicada originalmente entre 1977 e 1978 pela editora catalã La Gaya Ciencia, logo após a morte do ditador Francisco Franco (1892-1975) e, portanto, no início da redemocratização da Espanha.
Em O que são as classes sociais? expõe-se de maneira didática e acessível a estrutura social e as razões que fazem com que determinadas parcelas da população tenham mais dinheiro e poder do que outras e, portanto, passem a ser desiguais. O livro baseia-se nas ilustrações de Joan Negrescolor para exemplificar o que são privilégios, posses, trabalho, exploração, entre outros conceitos nem sempre fáceis de explicar aos mais jovens.
Trecho do livro “O que são as classes sociais?” explica a desigualdade no acesso ao Ensino Superior
As mulheres e os homens, por sua vez, trabalha a questão da desigualdade por um viés que tenta mostrar como as diferenças entre os gêneros são, fora o sexo, construídas culturalmente. Em um dos trechos, o texto diz: “O que acontece é que muitos pais educam os meninos para que se tornem homens importantes. Enquanto as meninas são educadas para que se tornem as esposas dos homens importantes”. O livro conta com ilustrações de Luci Gutiérrez.
Ambos os livros, por fim, trazem questões para refletir e debater com os pequenos leitores como “A que classe social você acha que pertence?” ou “Quem deve fazer as tarefas de casa?”.
Por seu caráter questionador, a coleção Livros para o Amanhã foi premiada pela Feira do Livro de Bolonha, maior evento de literatura infantil do mundo, na categoria de não ficção.
Para Hélio José, o senador do PMB, mulheres proporcionam "alegria e prazer" aos homens
Ao anunciar sua filiação ao Partido da Mulher Brasileira (PMB), em dezembro de 2015, o senador Hélio José, do Distrito Federal, fez questão de exaltar as qualidades do sexo feminino, segundo a sua interpretação. “O que seria de nós, homens, se não fosse uma mulher para estar do lado, para nos trazer alegria e prazer?”, discursou no plenário.
Conhecido em Brasília como “Hélio Gambiarra”, o senador era suplente de Rodrigo Rollemberg (PSB) e assumiu a cadeira pelo PSD após a eleição do titular ao governo do DF. Em 2010, quando era filiado ao PT, José foi acusado de abusar sexualmente da própria sobrinha, uma menor de idade. Ele nega a acusação e diz ter sido alvo de perseguição política. A denúncia foi rejeitada pela Justiça, mas o Ministério Público ainda recorre.
Recém-criada, a 35ª legenda do País é o exemplo mais recente da crise de ideologia que atinge os partidos. Apesar de defender o aumento da participação da mulher na política, apenas duas mulheres compõem o quadro de 20 deputados federais do PMB, que tem Hélio José como único representante no Senado.
Não bastasse, o PMB rejeita as bandeiras do feminismo. “O partido da mulher é antifeminista. É a resposta necessária para reposicionar a mulher em seu devido lugar, um lugar especial como centro aglutinador da família”, escreveu no Twitter a advogada e ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil Denise Abreu, pré-candidata do PMB à prefeitura de São Paulo.
Suêd Haidar, presidenta do partido, demonstra enfado ao tentar explicar a que veio. Diz que a legenda precisa amadurecer e que não pode definir sozinha o que é bom para a sociedade. “Ainda é cedo para afirmar muita coisa. Espero que até a próxima eleição nós já tenhamos solucionado algumas questões. E então, quando vocês perguntarem, nós já teremos as respostas definitivas”, diz.
O que se pode afirmar por enquanto é que o Partido da Mulher Brasileira tem um projeto de poder. "Queremos eleger mais mulheres na Câmara", diz Haidar. Mas isso não significa que os interesses da mulher estarão no centro das propostas. “O partido vai atender a sociedade como um todo, homens e mulheres”, completa. A descriminalização do aborto, por exemplo, passa longe das propostas. “É claro que somos contra.”
'É claro que somos contra o aborto', diz a presidenta do PMB, Suêd Haidar
Mesmo com o feito de atrair 21 parlamentares no curto período de cinco meses, a ideologia do partido, assim como seu quadro, está em construção. Embora posicionem a sigla no espectro de “centro-esquerda”, os expoentes do partido não chegam a uma definição clara. “Na atual conjuntura, não podemos afirmar que somos de direita, nem de extrema-esquerda”, diz a presidenta.
Denise Abreu, por sua vez, diz não ser possível identificar setores de direita e esquerda no Brasil e nega que seja de direita. “Sou liberal na economia e conservadora nos valores da sociedade. Defendo a liberdade de mercado e os valores da família”, afirma.
Uma consulta ao site oficial do PMB também não esclarece muita coisa. “Como orientação partidária, o PMB é centro-esquerda com um posicionamento de centro entre o capitalismo e o socialismo com uma tendência maior ao socialismo, ou seja, esquerda. O ponto principal da orientação é exatamente buscar o melhor posicionamento de ambos os lados e trazer para o nosso partido”, diz o texto de apresentação.
O curto tempo de vida contrasta com as polêmicas nas quais o partido se envolveu. Em novembro, o jornal Folha de S.Paulo revelou que, para atrair nomes, o PMB teria prometido o repasse de 50% do dinheiro do fundo partidário para os diretórios regionais, que seriam comandados pelos parlamentares. Haidar nega qualquer negociação nesses termos e diz que os nomes foram atraídos pela filosofia do partido. Segundo ela, o objetivo dos repasses é fortalecer a formação política do PMB.
A crise mais recente que envolve o partido diz respeito à suspensão dos serviços do programa Rio sem Homofobia, vinculado à Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do estado do Rio de Janeiro, assumida no fim de 2015 pelo pastor evangélico Ezequiel Teixeira, deputado licenciado do PMB. A pasta atribui a interrupção dos serviços à crise econômica do estado, mas a convicção religiosa de Teixeira, que disse acreditar na “cura gay”, pode ter sido determinante. Ele foi exonerado na quarta-feira 17.
Para a professora Lucia Avelar, que integra o Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp, o PMB dá indícios de que atuará para abrigar interesses particulares. “Acho que vai ser uma sigla para negociar interesses privados, em detrimento dos interesses coletivos”, diz. “Depois de tantos anos de luta feminista e estudos de gênero no País e no mundo, temos de conviver com um Partido da Mulher Brasileira totalmente fora dessas propostas”, continua Avelar, que participou de um estudo sobre os 50 anos do feminismo.
Para a pesquisadora Luciana Ramos, professora da Fundação Getulio Vargas e autora de uma tese sobre a representação da mulher na política brasileira, se fosse uma legenda séria, o PMB teria muito a fazer. “É um partido com pouca ou nenhuma ideologia. Diz que é a favor da inclusão das mulheres, mas também diz ser a favor da inclusão dos homens. Os homens já são incluídos. Qual o sentido disso?”
Dos 513 deputados eleitos no Brasil em 2014, apenas 51 são mulheres. Ramos defende o aumento desse número como forma de ampliar a oferta de políticas públicas para mulheres, mas lembra da necessidade de buscar representantes qualificadas. “Precisamos de mulheres que de fato estejam comprometidas com a pauta feminina.”
Parece que, se depender de Haidar, não será o PMB a cumprir esse papel. “É um partido como outro partido”, resume a presidenta da sigla, em um último esforço para se fazer entender. Faz sentido.
Dois militares foram considerados culpados por assassinatos e pelo estupro sistemático de mulheres indígenas em base militar entre 1982 e 1988
Um tribunal guatemalteco condenou o tenente coronel Francisco Reyes Girón e o comissário militar Heriberto Valdez Asij a 360 anos de prisão por crimes contra a humanidade durante a guerra civil no país (1960-1996). Os dois foram considerados culpados por assassinatos e pelo estupro sistemático de mulheres indígenas na base militar de Sepur Zarco, no leste da Guatemala, entre 1982 e 1988.
Esta é a primeira condenação de militares envolvidos em violência sexual durante o conflito que durou 36 anos. A sentença foi comemorada pelas vítimas, muitas com mais de 70 anos de idade, e por ativistas de direitos humanos. O público presente no tribunal aplaudiu os juízes após a leitura da sentença.
Agência Efe
Advogadas representaram vítimas, que cobriram a cabeça em sinal de luto e para manter a privacidade
“Nós juízes acreditamos firmemente nos testemunhos das mulheres que foram estupradas em Sepur Zarco”, declarou Yassmin Barrios, juíza-chefe da Corte. “O estupro é uma arma de guerra, é uma maneira de atacar o país, matando ou estuprando as vítimas, com as mulheres vistas como um objetivo militar.”
“Isto é histórico, é um grande passo para mulheres e sobretudo para as vítimas”, declarou Rigoberta Menchu, mulher indígena guatemalteca vencedora do Prêmio Nobel em 1992 por sua atuação em prol dos direitos humanos no país, presente na audiência.
Francisco Reyes Girón, que comandava a base de Sepur Zarco, foi considerado culpado de manter 15 mulheres como escravas domésticas e sexuais e por matar a indígena Dominga Coc, que tinha 20 anos de idade, e suas duas filhas, Anita e Hermelinda, em 1982. No total, sua sentença soma 120 anos na prisão.
Já Heriberto Valdez Asij recebeu sentenças que somam 240 anos na prisão pela mesma acusação de manter escravas sexuais e pelo desaparecimento forçado de sete homens.
Moises Galindo, advogado de Girón, afirmou que o processo foi “fabricado” e que seu cliente nunca esteve no local dos crimes. “Vamos recorrer e anular este caso”, declarou.
Agência Efe
Advogadas comemoram após leitura da sentença que condenou militares à prisão
As vítimas dos crimes lutavam há mais de 30 anos por justiça. “Fomos estupradas, tudo isso aconteceu. Se não tivesse acontecido, onde estão nossos maridos? Não sabemos onde eles estão”, declarou Demesia Yac, hoje com 70 anos de idade, que atuou como representante das 15 mulheres estupradas sistematicamente pelos militares.
De acordo com a acusação, em 1982 as forças armadas guatemaltecas atacaram repetidamente a vila de Sepur Zarco, matando ou desaparecendo forçosamente com líderes indígenas que exigiam títulos de propriedade da terra em que viviam, se opondo a proprietários de terra da região. Eles foram acusados de ser parte de guerrilhas contra as quais as forças guatemaltecas lutavam na época.
Agustin Chen, um dos sobreviventes, testemunhou que os soldados o prenderam e o espancavam todos os dias. “Eles mataram sete pessoas, jogando duas granadas na fossa em que as tinham aprisionado”, declarou.
Agência Efe
Mulheres comemoram condenação de militares por estupros sistemáticos durante guerra civil
As mulheres testemunharam que foram tomadas como escravas domésticas e sexuais, sendo obrigadas a realizar tarefas como cozinhar e lavar as roupas dos militares e sendo submetidas a estupros coletivos.
Segundo a antropóloga Irma Alicia Velasquez Nimatuj, que depôs no tribunal, bases militares foram instaladas na região para proteger os interesses e assegurar o domínio dos proprietários de terra.
“Essas condenações históricas sinalizam de maneira inequívoca que a violência sexual é um crime grave e que não importa quanto tempo passe, ela será punida”, declarou Erika Guevara-Rosas, da Anistia Internacional.
Segundo a ONU, mais de 245 mil pessoas morreram na guerra civil entre as forças armadas guatemaltecas e guerrilhas, que durou de 1960 até 1996, quando foi concluído um acordo de paz entre as partes envolvidas no conflito.
A Câmara Especial Regional de Chapecó manteve sentença que considerou um casal inapto para adotar uma criança de 10 meses. A decisão baseou-se no testemunho de vizinhos que confirmaram o comportamento exibicionista do apelante, assim como no resultado dos estudos social e psicológico. Os relatos afirmam que por diversas vezes o pretendente a adotar mostrou seus órgãos genitais para as vizinhas. Em uma das ocasiões, a vítima foi uma menina de oito anos.
O desembargador substituto Luís Antônio Zanini Fornerolli, relator da matéria, ressaltou, com base nos estudos social e psicológico, que no meio dessas acusações a esposa mantinha um comportamento melancólico e apático, sem externar emoções ou tomar qualquer atitude perante a situação. Inclusive, ao contrário do que alegou o casal, não se constatou nenhum vínculo afetivo entre eles e a criança, com quem ficaram com a guarda provisória por dois meses. Em razão da condição emocional da mãe, aliás, era o pai que cuidava da higiene do bebê.
"Mesmo que o autor não seja portador do transtorno denominado de exibicionismo, o que se argumenta apenas a título de hipótese, a prova testemunhal trouxe fortíssimos indícios de que por três vezes ele mostrou seus órgãos genitais e se masturbou diante das vizinhas, fato que constitui conduta moral repugnante e reprovável e que é suficiente para fundamentar o indeferimento do pleito", registrou o relator. A decisão foi unânime.
Se ficar provado que pai biológico não é aquele apontado no registro, o filho poderá alterar sua certidão de nascimento. Esse foi o entendimento firmado pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás em embargos de declaração em apelação cível interposta pelos três irmãos de sangue de um homem de 41 anos, que foram contra o pedido.
Conforme o processo, o homem nasceu do relacionamento de pouco mais de quatro anos na década de 1970. Como o casal não vivia sob o mesmo teto, assim que se separaram, a mãe passou a conviver com padrasto, que acabou por registrá-lo como filho em 1994. Ainda de acordo com o processo, o pai biológico nada fez para registrar seu filho, embora o reconhecia publicamente como sendo em seu.
Na ação de investigação de paternidade com petição de herança e declaratória de nulidade de registro de nascimento, que tramitou em Quirinópolis, os herdeiros do seu pai biológico, sustentaram que somente o pai adotivo tinha legitimidade para reivindicar a anulação do registro. Também defenderam que não houve nenhuma coação ou ameaça quando do registro de nascimento do meio irmão e, por isso, não haveria motivo para anulá-lo.
Ao proferir a sentença, o juiz de primeira instância julgou improcedente o pedido inicial sob o argumento de existir vínculo socioafetivo entre o autor da ação e seu pai registral.
Ele, então, recorreu. No TJ-GO, os desembargadores entenderam que a sucessora de seu padrasto deveria ter sido citada para os termos da ação. Remetido os autos para a comarca de origem, sua irmã por parte de mãe insistiu na procedência do pedido e a juíza Adriana Maria dos Santos Queiróz de Oliveira, da 2ª Vara Cível reconheceu a condição de filho biológico, bem como seus direitos como herdeiro.
“Comprovada nos autos a filiação do autor por meio do exame genético (DNA), a existência de um ato registral que não corresponde à realidade, não obsta o direito do autor a sua devida correção”, escreveu o relator. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-GO.
Recebi nesta semana, por meio do amigo Ricardo Aronne, uma notícia sobre projeto de lei apresentado ao Parlamento italiano que pretende alterar o artigo 143 do Código Civil de 1942, para abolir o dever de fidelidade dos cônjuges[1].
Segundo a senadora italiana Laura Cantini, o argumento para sua retirada do Código Civil é que se trata de retalho de uma visão superada e vetusta do matrimônio, mormente após a vigência da Lei 219 de 2012, que aboliu a distinção entre filhos legítimos e naturais. Essa distinção seria a base da proibição da infidelidade.
A redação atual do dispositivo italiano é a seguinte:
“Do casamento deriva o dever recíproco de fidelidade, de assistência moral e material, de colaboração no interesse da família e de coabitação”[2].
A partir da notícia, creio que algumas reflexões merecem ser feitas:
Qual a razão histórica para que o Código Civil exija a fidelidade entre cônjuges?
Outros países de tradição romano-germânica trazem igual dever?
A fidelidade está superada no atual momento histórico, revelando-se um arcaísmo?
1. Notas históricas
Adultério vem do latimadulterium,que tem no léxico a preposiçãoad(perto de, aproximação), a raizalter(o outro) e o sufixoio(como efeito, resultado)[3]—ad alterius thorum ire, ou seja, andar em leito alheio. Adultério significa ir em direção a outro, ou seja, buscar cópula carnal com aquele que não é seu cônjuge.
Infidelidade tem o prefixo in, que significa a negação. Fidelidade tem por raiz fides, ou seja, fé. Infiel é aquele que não comunga da mesma fé, ou que rompe a confiança.
Logo, adultério ou infidelidade são sinônimos, conquanto, em termos legais, usa-se adultério associado a um tipo penal[4], e infidelidade ao descumprimento de um dever civil.
Não é nova a previsão de punição civil e criminal ao adultério no Direito brasileiro.
As Ordenações Filipinas previam, no Livro V, Título XXV que:
“Mandamos que o homem que dormir com mulher casada e que em fama de casada tiver, morra por ello. Porém se o adúltero for de maior condição que o marido dela, assim como se o tal adultero fosse Fidalgo, e o marido Cavaleiro ou Escudeiro, ou o adúltero Cavaleiro ou Escudeiro, e o marido peão, não farão as Justiças nele execução, até no-lo fazerem saber e verem sobre isso nosso mandado”.
“Morra por ello”, ensina Candido Mendes, significa de morte natural, o que significa que a pena não é a simples morte civil[5].
E o Título XXV prossegue:
“Toda a mulher que fizer adultério a seu marido, morra por isso”.
Note-se que, desde as Ordenações, o dever de fidelidade era norma cogente e não poderia ser afastado por vontade das partes. A pena para o homem que consentisse com o adultério de sua mulher era que ambos seriam açoitados e degredados para o Brasil. Já o adúltero teria o degredo perpétuo para África[6].
Açoitados com “senhas capelas de cornos”, ou seja, cada um com sua grinalda de cornos. “Senhas” vem do latim singuli e significa cada um o seu, a sua. Na Alemanha, o marido era colocado montado em um asno com a face voltada para a cauda do animal, o qual era conduzido pela mulher, e o pregoeiro dizia: qui si faciet, qui si capiet.[7]
O Esboço, de Teixeira de Freitas, de 1860, já previa a fidelidade e os efeitos de sua quebra:
“Artigo 1.304. Os cônjuges ficam reciprocamente obrigados a guardar-se fidelidade, sem que a infidelidade de um autorize o outro para proceder do mesmo modo. Aquele que faltar a esta obrigação poderá ser demandado a requerimento do outro, civilmente, por ação de divórcio, criminalmente, por acusação de adultério”.
No mundo ocidental, o adultério masculino sempre foi visto como algo natural e tolerável. Exemplifica a questão da tolerância a frase atribuída ao rei de Portugal, D. João V. Esse monarca tinha conhecido hábito de manter relação sexual com freiras, tomando uma como sua amante (Madre Paula). A rainha austríaca (Maria Ana) reclama ao padre, seu confessor, desse hábito do marido. O confessor repreende o rei, então. A partir da repreensão, determina o rei que só se sirva galinha ao padre. Quando decorrido certo tempo, o padre reclama da monotonia de só comer galinha, e o rei lança a frase que entra para a História: “Nem sempre galinha, nem sempre rainha!”.
A lição de Washington de Barros Monteiro, datada da década de 1970, pela qual do ponto de vista puramente psicológico torna-se sem dúvida mais grave o adultério da mulher, pois a infidelidade do homem é fruto de um capricho passageiro ou de um desejo momentâneo, e seu deslize não afeta de modo algum o amor pela mulher, já o adultério feminino vem demonstrar que se acham definitivamente rotos os laços afetivos que a prendiam ao marido e irremediavelmente comprometida a estabilidade do lar, é demonstração inequívoca e pura de anacronismo[8].
Abolido o direito de vida e morte do marido sobre a mulher, o adultério, então, passa a ser tipificado como crime.
Com a forte influência da Igreja Católica e do Direito Canônico, para quem o adultério de marido e mulher são igualmente graves, o adultério masculino também passa a ser punido. O artigo 250 do Código Criminal do Império do Brasil (de 1830) determina que “a mulher casada, que commetter adulterio, será punida com a pena de prisão com trabalho por um a tres annos. A mesma pena se imporá neste caso ao adultero”.
Também o artigo 279 do Código Penal de 1890 prevê que “a mulher casada que commetter adulterio será punida com a pena de prisão cellular por um a tres annos. Em igual pena incorrerá o marido que tiver concubina teuda e manteuda; a concubina e o co-réo adultero”.
Em termos históricos, Clóvis Beviláqua ensina que fidelidade “é o primeiro e o mais importante dos deveres recíprocos dos cônjuges, é a expressão natural da monogamia e não constitui simplesmente um dever moral. O direito exige tal dever em nome dos interesses superiores da sociedade”[9].
E quais são os interesses superiores da sociedade?
Efetivamente, se o dever de fidelidade não existisse, o problema na identificação da paternidade dos filhos, pelo menos em termos biológicos, seria algo problemático para as famílias. A questão biológica é relevante no mínimo para se evitar futuros incestos.
Ademais, a monogamia como valor jurídico seria posta em xeque. Relações plurais não são admitidas pelo Código Civil, quer por meio da nulidade do casamento (artigo 1.521, VI do CC), quer por meio de seu afastamento do Direito de Família (artigo 1.727 do CC), precisariam ser aceitas.
2. Demais países — poucos exemplos.
A segunda pergunta que se faz é se o dever de fidelidade está presente em outros países de tradição romano-germânica.
Na legislação comparada, o Código Civil francês expressamente menciona o dever de fidelidade para os cônjuges. Mesmo após a mudança ocorrida em razão da Lei 399 de 2006, que inclui a palavra “respeito”, o dever de fidelidade prossegue:
“Artigo 212. Os cônjuges devem-se mutuamente respeito, fidelidade, colaboração e assistência”[10].
Não é outra a redação do Código Civil português:
“Artigo 1.672. Deveres dos cônjuges. Os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência”.
O Código Civil espanhol determina no artigo 68:
“Os cônjuges estão obrigados a viver juntos, guardar fidelidade e se auxiliar mutuamente. Deverão, ainda, dividir as responsabilidades domésticas e o cuidado e a atenção com descendentes, ascendentes e outras pessoas dependentes que estejam sob seu encargo”[11].
Os poucos exemplos indicam que a fidelidade está presente nos demais ordenamentos de matriz mRNA.
3. Fidelidade: dever jurídico ou moral?
Pelo que explicamos, a fidelidade se encontra na tradição histórica do Direito brasileiro e de vários outros países. É verdade que no passado a questão era tida como socialmente reprovável e tão grave a ponto de gerar pena de morte.
O tempo passa, e a sociedade muda. Se o sistema se alterou para não mais tipificar o adultério nas leis penais, há uma compreensão de que a regra era vestusta e não consentânea com os tempos atuais. O Direito Penal, com última ratio, assume que o problema da infidelidade não interessa ao Estado repressor. Há questões outras, efetivamente sérias, que merecem penas restritivas de liberdade.
Com a Emenda 66/2010, que alterou o artigo 226, parágrafo 6º da CF, fazendo com que o instituto da culpa desaparecesse do Direito de Família no tocante ao fim da conjugalidade, a questão que surge é a seguinte: qual é a o efeito jurídico do descumprimento dos deveres conjugais (artigo 1.566 do CC)?
No passado, a quebra dos deveres era causa de separação-sanção com penas imputadas ao culpado. A separação de direito (judicial ou extrajudicial) desaparece do sistema brasileiro em 2010, e com ela desaparecem as punições decorrentes da culpa (perda de direito do uso de sobrenome do outro, por exemplo).
Logo, o próprio dever de fidelidade fica enfraquecido em termos jurídicos, já que, as únicas “punições” ao infiel serão responder por danos morais se estes foram efetivamente causados, bem como a redução no valor dos alimentos que receberá do inocente (artigo 1.704, p. único do CC), seguindo-se o binômio possibilidade/necessidade.
Porém, esse “enfraquecimento” eficacial (para o Direito Civil), e não tipificação (para o Direito Penal), implica dizer que o dever de fidelidade deve ser retirado do Código Civil como pretende a Itália?
De início, cabem duas ponderações quanto aos efeitos de sua supressão:
A supressão da fidelidade deve gerar necessariamente a supressão da presunção de paternidade pater is est. O marido da mulher casada é presumidamente pai do filho desta em razão da fidelidade. Sem tal dever, a presunção perde a razão de existir. A relação paterno-filial passará a independer do vínculo consanguíneo.
A supressão da fidelidade exigirá uma revisão da monogamia como princípios. Se a liberdade sexual do casado não sofre restrição, por que a família teria de ser ainda monogâmica? Da supressão do dever de fidelidade decorreria naturalmente a supressão do impedimento matrimonial que se refere à bigamia.
Como linha final, penso que efetivamente, se o Congresso Nacional cogitasse abolir a fidelidade, o tema deveria passar por uma ampla reflexão social, pois, afinal, não haveria simples ampliação da liberdade sexual, mas uma efetiva e inovadora mudança na concepção de família:
as uniões plurais (eufemismo para poligâmicas) passariam a ser possíveis tanto no casamento quanto na união estável;
os filhos seriam aqueles que a pessoa cria como tal. Do fim da fidelidade nasceria, como regra, a prevalência da parentalidade socioafetiva. Seria o fim da tirania do exame de DNA e da consanguinidade.
[2]Dal matrimonio deriva l'obbligo reciproco alla fedeltà, all'assistenza morale e materiale, alla collaborazione nell'interesse della famiglia e alla coabitazione (Cod. Pen. 570).
[7]Nota de Cândido Mendes ao Título XXV do Livro V dasOrdenações, p. 1773.
[8]Curso de Direito Civil: Direito de Família. V. 2. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 10.
[9]Código Civil comentado, Francisco Alves, 1956, São Paulo, v. 2, p. 87 (comentário ao artigo 231 do CC/1916).
[10]“Les époux se doivent mutuellement respect, fidélité, secours, assistance”.
[11] “Los cónyuges están obligados a vivir juntos, guardarse fidelidad y socorrerse mutuamente. Deberán, además, compartir las responsabilidades domésticas y el cuidado y atención de ascendientes y descendientes y otras personas dependientes a su cargo”.
José Fernando Simão é advogado, diretor do conselho consultivo do IBDFAM e professor da Universidade de São Paulo e da Escola Paulista de Direito.
No Velho Oeste, ao que nos contam os bangue-bangues, o uso de armas era um “privilégio” de adultos. O mais novo, entre os famosos, foi Billy the Kid, que começou a usar armas aos 17 e morreu aos 21. Com o tempo, alguns estados americanos mudaram esse cenário. Passaram a autorizar adolescentes, com mais de 14 anos, a usar armas. Iowa foi um deles. Mas essa não foi sua última medida legislativa. Mais algum tempo e o estado aprovou o uso de “armas longas”, como espingardas de caça, por crianças.
Nesta semana, os deputados estaduais aprovaram o uso de revólveres, pistolas e munições por crianças de qualquer idade. As crianças, de uma maneira geral, poderão colocar de lado seus revólveres de plástico. Isto é, um bebê pode ser presenteado com uma arma e aprender a manuseá-la assim que seus dedos conseguirem puxar o gatilho. O projeto de lei será submetido, agora, à aprovação do Senado estadual.
A justificativa dos deputados republicanos, que aprovaram o projeto de lei por 62 votos a 36, é a de que a nova lei abre caminho para os pais educarem seus filhos sobre o uso de armas. “Atualmente, uma pessoa começa a usar armas quando completa 18 anos e, portanto, sem nenhuma experiência”, disse o deputado republicano Jake Highfill ao jornal The Washington Post e outras publicações.
O deputado, que foi o proponente do projeto de lei, acrescentou: “A lei irá permitir a qualquer criança aprender a respeitar os comandos de uma arma, sempre sob a supervisão direta, visual e verbal de seus pais ou guardiões”. A lei não autorizará crianças a comprar armas. Isso também deverá ser feito por pais e guardiões.
A deputada democrata Kirsten Running-Marquardt criticou a futura lei: “Não precisamos de uma milícia de criancinhas”, ela disse no plenário da Câmara. O termo “milícia” está na Segunda Emenda da Constituição, aprovada em 1791, que autoriza os americanos a possuir e usar armas. O texto diz que a população pode ser organizar em milícias para participar da execução da lei, deter governos tirânicos, repelir invasões, suprimir insurreições, incluindo revoltas de escravos, e facilitar o direito à legítima defesa.
Cerca de um terço dos americanos possuem armas de fogo e a Segunda Emenda é muito popular entre conservadores filiados ao Partido Republicano. Na campanha presidencial deste ano, os candidatos republicanos têm repetido a cada oportunidade: “Nós amamos a Segunda Emenda”, garantindo um retumbante aplauso da audiência. E atacam as propostas do presidente Obama, que é democrata, de instituir algum controle de armas no país.
As notícias sobre a nova lei de Iowa provocaram uma enxurrada de comentários nos sites dos jornais. Em cerca de duas horas, havia 755 comentários no site do Washington Post e 559 no site do Huffington Post.
Inicialmente, a maioria dos comentários criticava a aprovação do projeto de lei de forma irada ou irônica. Alguns ridiculizavam a medida legislativa. Mas, em pouco tempo, os defensores da Segunda Emenda entraram no debate, que se tornou apaixonado — e que dá uma ideia da controvérsia sobre o uso legal de armas no país. Apenas criminosos são proibidos de comprar armas — uma proibição irrelevante, porque o porte de armas só vai adicionar uma pena menor de prisão a, por exemplo, uma prisão perpétua.
Alguns comentaristas tentaram avaliar o que realmente estava por trás da aprovação dessa lei — e não era a boa intenção de educar as crianças. Para eles, a medida é fruto do lobby da National Rifle Association (NRA), instituição que representa as fabricantes de armas e defende a Segunda Emenda. A NRA já conseguiu, por exemplo, a aprovação da lei “Stand your Ground” em vários estados americanos. Essa lei permite que um cidadão atire em outro para matar, em qualquer lugar, se se sentir ameaçado. Em cada estado no qual essa lei é aprovada, aumenta a venda de armas. Para o comentarista com a alcunha de 4mohabbatt, por exemplo, a NRA está criando um ISIS americano.
A ideia de que a NRA busca o aumento de vendas de armas foi contestada com o argumento de que crianças não podem comprá-las. Mas o comentarista Gary Sanchez argumentou que isso vai acontecer de qualquer forma, porque a nova lei irá impedir que os pais sejam responsabilizados, caso seus filhos se envolvam em situações de mau uso de armas, porque a lei (e não os pais) autoriza as crianças a usarem revólveres e pistolas.
A comentarista Shirl Hopkins respondeu ironicamente, dizendo que não se pode responsabilizar unicamente a NRA pelo lobby a favor dessa lei. Existem outras empresas que fazem lobby pela liberação geral das armas, como, por exemplo, as agências funerárias. Afinal, já se tornou comum no país casos de tiroteios em escolas, cinemas e shoppings, com muitos mortos.
O Departamento de Educação deveria ter sido ouvido, dizem. Afinal, o que irão fazer os professores para obrigar alunos a fazerem tarefas de casa sob a mira de um revólver? O comentarista Tom Loomis respondeu: “Simples, o professor se abaixa, saca sua própria arma e atira”. A comentarista Shane Cheung acrescentou: “Isso pode ser favorável aos professores, porque eles poderão receber um adicional por combate no campo de batalha escolar”.
A justificativa de que as crianças poderão chegar aos 18 anos já experientes no uso de armas foi uma das mais ironizadas. A comentarista Kirby Galveston previu um equilíbrio no estado de coisas: as crianças de famílias ajustadas, aprenderão a usar armas com responsabilidade; as crianças de famílias desajustadas, aprenderão a usar armas para suas futuras atividades de tráfico de drogas, assaltos, etc.
Nessa mesma linha, vários comentaristas sugeriram o que uma criança deve aprender já o que os adultos fazem, para ter experiência aos 18 anos, como fumar, beber bebidas alcoólicas, usar maconha, fazer sexo, dirigir carros, pilotar aviões, ingressar nas forças armadas, trabalhar em minas de carvão, votar, assinar contratos, usar cartões de crédito e todas essas coisas que, hoje, não são permitidas às crianças, porque elas não são maduras o suficiente para praticá-las.
O comentarista Eric Remarque disse que agora já sabe o que vai dar de presente a seus netos: o de 6 anos vai ganhar uma pistola 9mm semiautomática, o de 8 anos uma Uzi, a metralhadora automática fabricada em Israel, e o de 12 anos provavelmente ficará feliz com um lançador de granadas.
O comentarista Michael Pittman argumentou que as crianças de Iowa deveriam aprender a manusear venenos, material radioativo e explosivos. “Imagina quantas vidas poderiam ser salvas”, escreveu. O comentarista Dan Sorger disse que as crianças do estado deveriam ter acesso a metralhadoras, tanques e aviões de guerra e armas nucleares. Afinal, a Segunda Emenda fala em direito a possuir e usar armas, não específica que armas.
Entre os comentários irados, o mais eloquente foi o do ex-sargento do Exército dos EUA David Starzyk. Aproveitando as declarações do candidato republicano à Presidência Donald Trump, de que, se eleito, vai bloquear a entrada de mexicanos e muçulmanos no país, ele escreveu: “A direita está enlouquecendo. Deixem os mexicanos e muçulmanos em paz e deportem os republicanos, imediatamente. Eles são as maiores ameaças a nossa democracia”.
O comentarista Camasca escreveu: “Os contribuintes pagam centenas de bilhões de dólares para manter os inimigos longe do país e nos proteger contra o terrorismo e, então, nós somos aterrorizados dentro do país graças à liberação do uso de armas. O comentarista Dee Rochester ironizou: “Não se esqueçam de filiar as nossas crianças na milícia local”.
João Ozorio de Melo é correspondente da revistaConsultor Jurídiconos Estados Unidos.
É romântico ou provoca arrepios? O debate ataca uma das cenas mais lembradas de 'Simplesmente Amor'.
Contratar um detetive particular para que siga os seus passos? Que lindo! Persegui-lo até o seu trabalho, aparecer no serviço sem que você peça ou pendurar cartazes com o seu rosto para que lhe digam onde você está e o que faz com a sua vida? Amor verdadeiro! E se não for? Isso é o que nos vêm dizer filmes como Quem vai ficar com Mary?ou O Amor Pede Passagem, dois exemplos que ajudaram a confundir-nos com o mito do amor romântico, fazendo-nos acreditar que “o que a segue a consegue” ou o cortejo a qualquer preço não é um comportamento patológico de manual e seria uma estratégia mais do que válida para chegar a essa cena de beijo de língua sob a chuva com canção pop pegajosa prévia ao escurecimento da tela e o “foram felizes para sempre” de praxe.
Estamos tão cheios de ver cenas como essas, elas estão tão interiorizadas em nós que chegamos a confundir assédio com o romanticismo. A ciência acaba de confirmar isso. O estudo I did it Because I Never Stopped Loving You (Fiz isso por que nunca deixei de amar você), uma pesquisa de Julia R. Lippman para a Universidade de Michigan, demonstra que as comédias românticas que mostram homens acossando fêmeas podem fazer com que as mulheres tolerem em maior medida os comportamentos obsessivos, a partir de uma perspectiva romântica. Assim comprovaram as 426 mulheres que se submeteram a seu experimento: foram divididas em grupos que viram três tipos de filmes, editados de forma conjunta e sem superar uma hora e meia. Por um lado, comédias românticas nas quais um homem perseguia uma mulher, mas com uma narração de forma positiva (Quem Vai Ficar com Mary?, O Amor Pede Passagem); por outro, filmes em que um homem assedia uma mulher de um ponto de vista do terror (Dormindo com o Inimigo, Nunca Mais) e, por último, documentários de natureza (Marcha dos Pinguins e Migração Alada). Depois da exibição, as mulheres deviam responder uma pesquisa na qual diziam se estavam de acordo ou não com vários mitos sobre o assédio. Quem estava mais de acordo com as afirmações “muitas vítimas de assédio são na realidade pessoas difíceis de conquistar que depois mudaram de opinião” ou “os indivíduos que recorrem ao assédio sentem muita paixão pelas suas vítimas”? Pois foi o grupo que havia visto comédias românticas o que considerou “mais normal” esse tipo de comportamento e o levou menos a sério.
Para Lippman, esse tipo de ação na ficção deformou nossa visão sobre uma relação saudável, como explicou a The Atlantic: “Querem se fixar como signos inequívocos de amor verdadeiro e, de fato, querem ser vistos como o reflexo de um dos mitos culturais do amor romântico: não importa quão alto seja o obstáculo, o amor vencerá tudo”. Uma normalização do assédio que pode fazer com que as afetadas reconsiderem seu espírito de sobrevivência, como confirma a pesquisadora: “Pode-se levar as mulheres a acreditarem que não devem crer em seus instintos, o que é um problema porque a ciência provou que os instintos podem ser poderosos sinais para nos mantermos a salvo”.
Para aqueles que estejam ponderando que tudo isso são filmes de ficção e têm pouca repercussão na vida real por aquilo de que somos seres sensatos e razoáveis capazes de discernir e de saber que as comédias românticas não são mais do que uma bobagem de puro entretenimento, uma observação: na Austrália, um segurança indiano de 32 anos se livrou de ir para a cadeia porque seu advogado alegou em um julgamento por assédio a uma mulher que tudo se devia a seu fanatismo pelas comédias românticas de Bollywood. Desse jeito mesmo. Seu advogado afirmou que era um comportamento “padrão” entre os homens indianos.
E não só é coisa de Hollywood (ou Bollywood). Na Europa, isso se passou com o El Corte Inglés, a loja de departamentos mais conhecida na Espanha. A empresa teve que deixar de fazer promoção de um de seus curtas do Dia dos Namorados pela enxurrada de críticas recebida por X o un Corazón (X ou um Coração). No vídeo, um sujeito acreditava que o mais romântico do mundo era exigir de seu par, que havia conhecido pelo Tinder, “que se controlasse” com as curtidas que dava a outros rapazes nas redes sociais, confundindo o ciúme e a posse com o amor. “Escreveram pra você em particular?”, “Por que você dá curtidas a fotos de homens?”, “por que você não apagou o seu perfil no Tinder?”, lhe diz em uma cena com mais jeito de acabar no sangue de um thriller de perseguição do que com o batido beijo sob a chuva. Não esqueçamos que 73,3% dos adolescentes da Espanha acreditam que o ciúme é uma expressão de amor e que um de cada três jovens considera aceitável que sua namorada o controle. De onde será que tiraram isso.