Duas experiências que nos fazem repensar a nossa política em relação às drogas
João Marcelo Meira
João Marcelo Meira
Os movimentos de contracultura da década de 60 não estimularam apenas o lifestyle sexo, drogas e rock n roll. Foi nesse período que aconteceram as principais pesquisas científicas que, até hoje, inspiram as leis que proíbem o consumo de substâncias viciantes.
Há décadas, ratos brancos são usados em experimentos por serem pequenos, baratos, dóceis, geneticamente similares entre si (o que permite avaliar mudanças em padrões) e, principalmente, porque são biologicamente e comportamentalmente parecidos conosco.
Nesse tipo de pesquisa, os bichinhos eram enfurnados em pequenas gaiolas com dois bebedouros. Um soltando água. O outro, morfina.
Com o tempo, eles ficavam alucinados pela segunda bebida. Alguns esqueciam de comer, beber água e chegavam a morrer pelo consumo da substância.
A conclusão era óbvia.
O que descobrimos?
Pulamos para o final da década de 70.
É aí que entra o psicólogo canadense Bruce Alexander. Ele pensou: se ratos são parecidos com o homem, é possível imaginar que, qualquer ser humano colocado nas condições da pesquisa, optaria por beber morfina. Ninguém conseguiria viver sóbrio, isolado e enjaulado em um cubículo. A morfina seria uma válvula de escape mais do que natural.
Foi então que ele resolveu repetir a pesquisa. Mas, ao invés do confinamento, ele criou o Rat Park: 16 ratinhos em uma gaiola bem maior, com brinquedos, cores, decoração e todos os elementos perfeitos para a socialização, além dos dois bebedouros.
Outros 16 ratinhos foram colocados nas mesmas condições das pesquisas anteriores.
O resultado provou as suspeitas de Bruce. A turma do Rat Park preferiu curtir a boa vida. A maioria chegou a consumir a morfina, mas, com o tempo, o foco virou a água e os outros prazeres da vida.
Os demais, enjaulados fora do Rat Park, tiveram um triste fim no mundo das drogas: consumiram morfina 19 vezes mais.
O que nosso psicólogo canadense mostrou é que o problema não era a droga. Era a gaiola.
Como funciona?
O carro-chefe da dependência é a dopamina, o principal neurotransmissor do nosso sistema de recompensa. Um sujeito que se isola ou tem ausência de estímulos, corre o risco de zerar a dopamina do seu cérebro. E as drogas têm o poder de aumentar os níveis desse neurotransmissor.
A grande questão é que, principalmente no Brasil, as políticas contra dependentes são todas voltadas para o encarceramento. Discutir o tema além das propostas farmacológicas é difícil. É um universo que fomenta toda uma indústria milionária e que carrega um preconceito secular relacionado às drogas.
Johann Hari, jornalista britânico do The Independent, deu uma palestra interessante no TED cujo tema é “Tudo o que você pensa sobre o vício está errado”. Ele passou três anos pesquisando a guerra contra as drogas, vivenciando relatos pessoais e de desconhecidos.
Além de falar do Rat Park, Hari cita um professor holandês chamado Peter Cohen que diz que, talvez, não devêssemos sequer chamar isso de vício. Mas de vínculos. Porque o ser humano tem uma necessidade natural e inata de criá-los.
Saudáveis e felizes, criamos vínculos uns com os outros. Se estivermos tristes, isolados ou traumatizados por fatos da vida, criaremos vínculos com algo que nos dê uma sensação de alívio – e nos traga dopamina.
Hoje, muitos países procuram entender o problema mais a fundo e acabou optando por políticas públicas de cuidado e acolhimento aos dependentes químicos. Eles acreditaram no experimento – mais recente – de Bruce Alexander e passaram a tratar a gaiola como o problema, não as drogas.
O que fazer?
Como exemplo natural temos Portugal.
O país atravessava um surto de dependência de heroína há pouco mais de dez anos e hoje é considerado inspiração em termos de políticas de drogas. Eles abriram consultórios na cracolândia de lá, com um bom atendimento, que trata os dependentes com respeito, tenta oferecer oportunidades de vida, estimular o convívio social e dá espaço para que os dependentes procurem ajuda antes de recorrer às drogas novamente. Os resultados foram muito positivos.
Na cabeça de um dependente, é importante estar bem claro que existem outras alternativas. A gente não precisa ir até a cracolândia para pensar sobre isso.
Imagine uma mulher na TPM que se entope de chocolate porque está triste. Ou um pai de família que cheira carreiras de cocaína porque foi demitido. A tristeza e o desemprego são as suas “gaiolas”, as substâncias são os vínculos que eles encontraram para recuperar a dose de dopamina que precisam.
Ratos ensinam: conhecimento também é um vício. Você não acha?
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Nota do Editor: este texto é uma edição revisada e levemente ampliada pelo autor de um texto originalmente publicado no Update or Die.
publicado em 19 de Fevereiro de 2016
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