Imaginativas, engenhosas, ardilosas, originais e absolutamente aterrorizantes: elas sempre estiveram lá, desde os primórdios
20/02/2017 / POR OSCAR NESTAREZ*
Embora as origens da ficção de horror sejam atribuídas a um autor — o britânico Horace Walpole e seu O Castelo de Otranto (1764) —, sem as mulheres, o gênero que era então conhecido como gótico jamais teria conquistado tantos corações e mentes, e jamais teria roubado o sono de tantos leitores incautos.
20/02/2017 / POR OSCAR NESTAREZ*
Embora as origens da ficção de horror sejam atribuídas a um autor — o britânico Horace Walpole e seu O Castelo de Otranto (1764) —, sem as mulheres, o gênero que era então conhecido como gótico jamais teria conquistado tantos corações e mentes, e jamais teria roubado o sono de tantos leitores incautos.
Sem elas, um cientista jamais teria insuflado a vida em um corpo composto por partes de cadáveres. Sem elas, alguns dos vampiros mais interessantes e enigmáticos de nossa tradição jamais teriam ganhado vida (eterna). Enfim, sem as escritoras, a ficção de horror — de anteontem, de ontem e de hoje — perderia uma parte inestimável de seu encanto, de sua força e, claro, de sua inspiração.
Para homenagear as grandes escritoras do gênero, elaboramos uma linha do tempo com alguns nomes importantes de cada época:
Clara Reeve (1729 - 1807)
A britânica figura entre as responsáveis por tornarem o “recém-nascido” gótico um gênero de imenso sucesso comercial. Nascida em 1729 em Ispwich, na Inglaterra, tem em O velho barão inglês (1778) seu maior sucesso.
A britânica figura entre as responsáveis por tornarem o “recém-nascido” gótico um gênero de imenso sucesso comercial. Nascida em 1729 em Ispwich, na Inglaterra, tem em O velho barão inglês (1778) seu maior sucesso.
O êxito se deve principalmente à engenhosidade da autora, que utilizou o enredo de O Castelo de Otranto, de Walpole (publicado quatorze anos antes), adaptando-o e temperando com mais elementos fantásticos e do realismo do século XVIII, muitas vezes buscando explicar o inexplicável. Com isso, o alcance dessas histórias se ampliou significativamente.
Ann Radcliffe (1764 - 1823)
Uma incontestável gigante do gótico, Radcliffe também foi pioneira. É atribuído a ela o aperfeiçoamento de um recurso narrativo conhecido como “sobrenatural explicado”, já utilizado por Clara Reeve. Nele, cada evento supostamente inexplicável em uma história depois é desmistificado por meio da lógica e da ciência.
Uma incontestável gigante do gótico, Radcliffe também foi pioneira. É atribuído a ela o aperfeiçoamento de um recurso narrativo conhecido como “sobrenatural explicado”, já utilizado por Clara Reeve. Nele, cada evento supostamente inexplicável em uma história depois é desmistificado por meio da lógica e da ciência.
Radcliffe também foi uma das primeiras a explorarem a terrível figura do vilão gótico, tão demoníaco quanto sedutor — influenciando, aliás, outra autora de enorme importância: Emily Brontë e seu Morro dos Ventos Uivantes (quem leu dificilmente se esquecerá do assombroso e assombrado Heathcliff).
Foi autora de diversos best-sellers da época, mas seu grande sucesso é, sem dúvida, Os mistérios de Udolpho (1794). O livro relata a trágica história da jovem Emily St. Aubert, que, após a morte da mãe, parte em viagem com o pai pelo sul da França. É um prato cheio para nós, aficionados pelo horror gótico: repleto de incidentes e reviravoltas, passagens de profundo horror físico e psicológico, cenários desoladores, castelos remotos e arruinados e, claro, um vilão impenetrável e intrigante.
Mary Shelley (1797 - 1851)
Sem dúvida, a mais famosa de nossa pequena lista. Uma autora que não apenas atualizou a tradição gótica até então, mas que praticamente fundou novo um gênero literário. Mary Wollstonecraft Godwin nasceu em 1797, filha do filósofo William Godwin e da também escritora Mary Wollstonecraft (aliás, ferrenha defensora dos direitos das mulheres). O “Shelley” vem do amante (e depois marido) de Mary, Percy Bysshe Shelley, aclamado poeta romântico de sua época.
Numa história já conhecida, no verão de 1816, Mary e Percy partem para Genebra para conhecer Lord Byron, a mais famosa figura romântica de seu tempo. O casal foi acompanhado pelo médico e também escritor John Polidori e por Claire Clairmont, meia-irmã de Mary. A trupe passou aquele verão alugando mansões às margens do rio Genebra. E foi em frente à lareira de um desses casarões — a Villa Diodati — que Byron, durante uma noite tempestuosa em que estavam a contar histórias de fantasmas uns para os outros, sugeriu que cada um criasse a sua própria narrativa.
Na ocasião, Mary Shelley concebeu a ideia inicial de Frankenstein - O Prometeu Moderno. A história do cientista que dá vida a um corpo reconstituído foi completada e publicada dois anos depois, em 1818. Mary Shelley tinha apenas 19 anos. Desde então, aquela que é considerada a primeira obra de ficção científica da história jamais saiu de catálogo. E olha que lá se vão quase duzentos anos.
Sem dúvida, a mais famosa de nossa pequena lista. Uma autora que não apenas atualizou a tradição gótica até então, mas que praticamente fundou novo um gênero literário. Mary Wollstonecraft Godwin nasceu em 1797, filha do filósofo William Godwin e da também escritora Mary Wollstonecraft (aliás, ferrenha defensora dos direitos das mulheres). O “Shelley” vem do amante (e depois marido) de Mary, Percy Bysshe Shelley, aclamado poeta romântico de sua época.
Numa história já conhecida, no verão de 1816, Mary e Percy partem para Genebra para conhecer Lord Byron, a mais famosa figura romântica de seu tempo. O casal foi acompanhado pelo médico e também escritor John Polidori e por Claire Clairmont, meia-irmã de Mary. A trupe passou aquele verão alugando mansões às margens do rio Genebra. E foi em frente à lareira de um desses casarões — a Villa Diodati — que Byron, durante uma noite tempestuosa em que estavam a contar histórias de fantasmas uns para os outros, sugeriu que cada um criasse a sua própria narrativa.
Na ocasião, Mary Shelley concebeu a ideia inicial de Frankenstein - O Prometeu Moderno. A história do cientista que dá vida a um corpo reconstituído foi completada e publicada dois anos depois, em 1818. Mary Shelley tinha apenas 19 anos. Desde então, aquela que é considerada a primeira obra de ficção científica da história jamais saiu de catálogo. E olha que lá se vão quase duzentos anos.
Flannery O’Connor (1925 - 1964)
A primeira autora de nossa lista vinda de outro continente, a América do Norte. E, se você a conhece, talvez até se pergunte: “Flannery O’Connor, escritora de horror?!” É fato que, hoje, ela é reconhecida como uma das mais importantes figuras literárias do modernismo nos Estados Unidos, ao lado de William Faulkner e Ezra Pound. Mas fato é também que as veias do gótico, do grotesco e do horror sempre correram caudalosas pela obra de O’Connor. Sobretudo na forma de um humor para lá de negro e na construção de personagens um tanto... estranhos (quem leu alguns de seus Contos sabe do que falamos).
A escritora também era católica convicta, de forma que a religião marca intensa presença em suas histórias. Nascida na Geórgia, ela via o sul dos EUA como um lugar “assombrado por Cristo”. Acredite: a forma como Deus e seus anjos costumam se manifestar nas tramas de O’Connor é aterrorizante. Há algo de quase elemental, absolutamente inumano e remoto nas deidades de Flannery O’Connor; e o nosso mundo surge como caprichoso e absurdo. Ou seja, embora não se trate de uma autora específica de horror, sua contribuição — temática e formal — para o gênero é, sem dúvida, tremenda.
A primeira autora de nossa lista vinda de outro continente, a América do Norte. E, se você a conhece, talvez até se pergunte: “Flannery O’Connor, escritora de horror?!” É fato que, hoje, ela é reconhecida como uma das mais importantes figuras literárias do modernismo nos Estados Unidos, ao lado de William Faulkner e Ezra Pound. Mas fato é também que as veias do gótico, do grotesco e do horror sempre correram caudalosas pela obra de O’Connor. Sobretudo na forma de um humor para lá de negro e na construção de personagens um tanto... estranhos (quem leu alguns de seus Contos sabe do que falamos).
A escritora também era católica convicta, de forma que a religião marca intensa presença em suas histórias. Nascida na Geórgia, ela via o sul dos EUA como um lugar “assombrado por Cristo”. Acredite: a forma como Deus e seus anjos costumam se manifestar nas tramas de O’Connor é aterrorizante. Há algo de quase elemental, absolutamente inumano e remoto nas deidades de Flannery O’Connor; e o nosso mundo surge como caprichoso e absurdo. Ou seja, embora não se trate de uma autora específica de horror, sua contribuição — temática e formal — para o gênero é, sem dúvida, tremenda.
Anne Rice (1941)
A mais importante criadora da ficção de horror dos tempos atuais. Também nascida e criada no sul dos EUA, em Nova Orleans, Rice publicou mais de 30 romances. O primeiro deles, Entrevista com o Vampiro (1976), tornou-se um dos maiores best-sellers de todos os tempos — e teve uma adaptação bem sucedida para o cinema, com Brad Pitt, e Tom Cruise no papel de Lestat, o principal personagem de Rice.
Para se ter uma ideia da importância da autora, basta olhar a interminável fila de obras que se filiam à estética de vampirismo romântico-moderno. Stephanie Meyer, com sua série Crepúsculo, que o diga. Mas não se engane: a grande responsável por isso, no melhor dos sentidos, é Anne Rice. Porque, nas mãos dela, os vampiros — que até então eram personagens relativamente bidimensionais — tornam-se complexos e sedutores. Hoje, Rice já passou da impressionante marca de 100 milhões de livros vendidos.
Mas a importância vai muito além dos números, porque Anne Rice atualizou aquele que talvez seja o personagem mais querido de toda a ficção literária de horror. E o melhor: sem desrespeitar a tradição a que os vampiros pertencem, como muitas vezes acontece em histórias de valor artístico no mínimo… questionável.
A mais importante criadora da ficção de horror dos tempos atuais. Também nascida e criada no sul dos EUA, em Nova Orleans, Rice publicou mais de 30 romances. O primeiro deles, Entrevista com o Vampiro (1976), tornou-se um dos maiores best-sellers de todos os tempos — e teve uma adaptação bem sucedida para o cinema, com Brad Pitt, e Tom Cruise no papel de Lestat, o principal personagem de Rice.
Para se ter uma ideia da importância da autora, basta olhar a interminável fila de obras que se filiam à estética de vampirismo romântico-moderno. Stephanie Meyer, com sua série Crepúsculo, que o diga. Mas não se engane: a grande responsável por isso, no melhor dos sentidos, é Anne Rice. Porque, nas mãos dela, os vampiros — que até então eram personagens relativamente bidimensionais — tornam-se complexos e sedutores. Hoje, Rice já passou da impressionante marca de 100 milhões de livros vendidos.
Mas a importância vai muito além dos números, porque Anne Rice atualizou aquele que talvez seja o personagem mais querido de toda a ficção literária de horror. E o melhor: sem desrespeitar a tradição a que os vampiros pertencem, como muitas vezes acontece em histórias de valor artístico no mínimo… questionável.
Levantemos, então, as nossas taças (com vinho ou sangue, como você preferir) e façamos um brinde: a todas as autoras que, com tanto talento, dedicaram-se e dedicam-se a nos roubar horas de sono e paz.
*Oscar Nestarez é ficcionista de horror e mestre em literatura e crítica literária. Publicou Poe e Lovecraft: um ensaio sobre o medo na literatura (2013, Livrus) e as antologias Sexorcista e outros relatos insólitos (2014, Livrus) e Horror Adentro (2016, Kazuá).
Galileu
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