Entrevista concedida pela cientista brasileira Duilia de Mello à jornalista Leila Sterenberg, para o Milênio — programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura GloboNews às 23h30 de segunda-feira, com reprises às terças-feiras (17h30), quartas-feiras (15h30), quintas-feiras (6h30) e domingos (14h05).
Não são muitas as mulheres astrônomas que vão longe na carreira e também não são muitos os cientistas brasileiros que trabalham em projetos ligados à Agência Espacial Americana (Nasa). E a Duilia de Mello conseguiu as duas coisas. Ela é uma cientista premiada, vice-reitora da Universidade Católica de Washington e então, uma cientista muito importante que eu tenho o prazer de entrevistar aqui para esse Milênio, a gente veio gravar no Museu do Amanhã. Só que a Duilia, ela entre outras coisas é uma comunicadora e traz a ciência um pouco assim para a luz do dia. Com vídeos na internet, com palestras que faz e lotam, e tem uma coisa muito bonita que ela fala que é o seguinte: “O ar que a gente respira, o oxigênio que a gente respira, o ferro do nosso sangue, o cálcio dos nossos ossos, tudo isso um dia veio das estrelas”.
Leila Sterenberg — Você poderia explicar essa frase.
Duilia de Mello — Eu falo mesmo que nós somos feitos das estrelas, o ar que a gente respira, os nossos componentes químicos do universo inteiro nasceram de dentro das estrelas. As estrelas são fornalhas de elementos químicos, elas produzem elementos químicos, e elas passam por um processo de explosão no final da vida delas e nessa explosão, elas mandam todos esses elementos químicos para o universo novamente. E aí formam novas estrelas, novos planetas, e forma até a vida, por isso a gente fala que a gente é feito de poeira de estrelas. Então é assim muito inspirador a gente lembrar disso, porque a gente na nossa vidinha do dia a dia a gente esquece também que a gente faz parte de um universo que é muito maior do que esse da nossa vidinha do dia a dia.
Leila Sterenberg — Entre as descobertas que você fez tem a Supernova em 1997.
Duilia de Mello — Eu estava observando uma galáxia que está a 53.8 milhões de anos luz de distância e eu tive assim a curiosidade de verificar o campo que eu estava observando com o telescópio lá no Chile e eu percebi que tinha uma estrela intrusa que não estava no meu mapa. Então quando eu vi isso eu passei um instrumento em cima dessa estrela e vi que essa estrela tinha a composição química de uma estrela que tinha acabado de explodir. E foi assim então que morreu a estrela e nasceu a Supernova 1997D.
Leila Sterenberg — Como é que você foi parar nos Estados Unidos e como virou uma cientista que faz projetos em colaboração com a Nasa?
Duilia de Mello — Foi em 1997 também que eu saí do Brasil. E eu saí com um pouquinho de desilusão que eu tive com o Brasil, com um investimento que o Brasil estava fazendo na ocasião na área de ciências, eu tinha investido muito na minha vida, no meu doutorado, eu já era doutora, eu tinha uma bolsa de recém-doutora no Observatório Nacional aqui no Rio de Janeiro, e decidi que como havia uns cortes muito altos, que ia tentar então fazer a minha carreira lá fora. Já tinha conhecido algumas pessoas antes, passado um tempo nos Estados Unidos inclusive, e fiz um contato por e-mail com um dos astrônomos do Hubble, perguntando se ele tinha vaga. Ele me respondeu imediatamente e pediu meu número de telefone e me contratou. Isso foi em janeiro, e em abril eu já estava nos Estados Unidos. Então não voltei mais para trabalhar no Brasil. Comecei toda uma história de networking dentro da Nasa também, porque eu fui originalmente para o Instituto do Hubble, do telescópio espacial, que é um instituto de pesquisas que fica dentro da Universidade de Johns Hopkins, ele não é dentro do campus da Nasa. Mas conheci as pessoas da Nasa também, principalmente porque eu fiz parte de uma das missões do Hubble que era a do campo profundo do hemisfério sul. Lá conheci vários astrônomos que trabalhavam full time na NASA Goddard Space Flight Center. O Hubble é daqueles assim que continua a nos surpreender. E agora estão falando que ele vai durar mais sete anos, e nós estamos muito emocionados com isso, porque a gente achava que ano que vem já não teria mais Hubble porque vai ser lançado em 2018 o próximo telescópio. Todos os planos eram que assim que fosse lançado o novo telescópio, que o Hubble parasse. Mas aí a Nasa parece que está revendo isso e existe uma possibilidade boa de o Hubble ficar observando por mais sete anos, então ele vai ser contemporâneo do novo telescópio, o que é muito bom, porque eles são complementares. O novo telescópio tem 6,5 metros de diâmetro e ele não é um substituto do Hubble, ele é um outro telescópio. Ele vai observar na faixa do infravermelho, ele vai ver o universo bem no comecinho, quando o universo estava começando a formar as galáxias, isso o Hubble não faz. Como ele vai observar no infravermelho, o infravermelho vai mostrar isso, vai mostrar as galáxias quando elas já eram bebezinhas, como a gente nunca viu. Então é super emocionante fazer parte disso e tentar entender tudo isso.
Leila Sterenberg — Queria falar dessa importância que você dá para a comunicação com o público leigo, porque você volta e meia tem vídeo na internet, você já teve blog, e por aí vai, suas palestras lotam, e é importante a gente aproximar a ciência de quem não é cientista, como eu e como quem está vendo a gente em casa, pelo menos a maioria do público.
Duilia de Mello — É muito difícil você pegar um conceito muito complexo e traduzi-lo para uma linguagem simples, esquecer todos os detalhes que levam aquele conceito complexo a ser entendido para os cientistas. Como que você traduz isso em linguagem simples? É muito difícil. Então, um jovem que começa a fazer divulgação de ciência, ele está mais é passando uma informação para frente, porque ele não tem ainda aquela experiência necessária para o entendimento global, entendimento geral da ciência para fazer essa divulgação. Então, eu dou a maior força para cientistas bem experientes aí começarem a abrir mais, vamos dizer assim o verbo para o público. Não é fácil, toma tempo, mas é importante, principalmente porque motiva o jovem depois a seguir carreiras correlatas.
Leila Sterenberg — A gente tende a associar a astronomia à profissão de menino. E sei que você luta arduamente contra isso, luta contra as princesinhas vestidas de rosa, e defende a mulher na academia pesquisando sem medo de matemática e etc. e tal. Estava lendo uma entrevista sua em que você dizia que quando você começa na Ciência até tem um bocado de mulher, mas à medida em que você vai avançando na carreira, elas vão ficando cada vez mais rarefeitas.
Duilia de Mello — É incrível isso. Atualmente, até bem diferente de quando eu era estudante. Atualmente existem mais mulheres na carreira científica do que quando eu comecei, e elas estão progredindo também, mas ainda é um passo muito lento. Você não pode ser aquilo que você não vê. Se você não vê uma pessoa de êxito, de sucesso, você não consegue se espelhar naquele posto, naquela profissão. Acho importante mostrar para as meninas que elas podem tudo, desde que elas queiram.
Leila Sterenberg — A gente está conversando em um momento bem interessante, porque está fazendo muito sucesso, nos Estados Unidos, mas no mundo, o filme “Estrelas Além do Tempo”, sobre três mulheres negras que foram fundamentais na Nasa para que houvesse o avanço científico nos Estados Unidos que houve ali na segunda metade do século XX. Então a gente teve a Katherine, Dorothy e Mary que foram figuras que ficaram apagadas na história e agora estão tendo o devido destaque.
Duilia de Mello — O nosso administrador da Nasa é um astronauta negro e ele aprovou o apoio da Nasa a esse filme, documentário até que a gente chama, apesar de que é um filme mesmo. Mas é muito baseado na história delas, uma história bonita, mas triste. Muita gente chora no filme, uma estudande minha foi assistir e falou: “professora, a senhora já foi ver?”, eu falei: “não, não tinha mais ticket”. Aí ela me falou, ela me contou algumas passagens que ela ficou tão assim, preocupada, que “será que era assim mesmo”, ela foi perguntar para o diretor.
Leila Sterenberg — Claro, porque além do sexismo tem o racismo evidente da época.
Duilia de Mello — É. Ela foi perguntar para o chefe de departamento lá da física: “professor, mas era assim mesmo?” Ele falou assim, na opinião dele, de homem branco, era um pouco assim, mas que ele achava um pouco exagerado. Imagino que não seja exagerado não, imagino que é até um... eles custam a acreditar que tenha sido tão ruim, mas elas penaram. Penaram muito para poder desbravar e quebrar umas barreiras, e até hoje penam, e a Nasa ainda é predominantemente branca.
Leila Sterenberg — Como é que você acha que vai ficar a ciência nos Estados Unidos agora na era Trump?
Duilia de Mello — Estamos esperando um pouquinho, porque faz pouco tempo que ele entrou, mas a coisa não está muito boa não.
Leila Sterenberg — Porque os estrangeiros são fundamentais, você é estrangeira. E aí, como é que fica?
Duilia de Mello — É complicado. Vai ter uma marcha, a marcha dos cientistas em 22 de abril, em Washington, onde a gente vai tentar motivar o congresso, o senado, a pensar em ciência um pouco mais sério e não se deixar levar pela moda do governo Trump.
Leila Sterenberg — A Duilia faz umas listas muito boas, e ela fez uma lista dos cinco grandes eventos da astronomia de 2016 e o mais importante deles foi um negócio complicado de a gente entender, que é a detecção...
Duilia de Mello — É a detecção de ondas gravitacionais, que é um evento incrível, uma coisa que a gente estava esperando. Há 50 anos que a gente está tentando detectar isso e finalmente nós detectamos e foi um dia memorável, o dia que a gente viu a detecção eu nunca vou esquecer. Esses buracos negros que colidiram ali, que fizeram a marola, são por volta de 20 a 30 vezes a massa do Sol. Aí, tem que ser massudo assim, bem grandão, para poder fazer uma marola boa para a gente poder detectar, entendeu? Rs.
Leila Sterenberg — E teve outro evento importante que foi a observação, você me corrige se eu estiver errada, do Proxima b, que é um planeta que fica na órbita da Proxima Centauri. Por que isso é importante?
Duilia de Mello — Isso é muito importante, porque a gente está tentando detectar planetas ao redor de outras estrelas há muito tempo. E a gente já tem mais de mil detectados aí com um satélite especial dedicado para isso, que é o Kepler, que é um satélite da Nasa que faz uma varredura de uma área do céu para tentar achar esses planetas ao redor de outras estrelas, mas é tudo medida indireta, a gente nunca viu um planetinha lindo... o que a gente vê é, a luminosidade, o brilho da estrela diminui quando o planeta passa na frente, como se fosse um eclipse. Então a gente tem equipamentos bem precisos para medir essa diminuição da luz da estrela quando o planeta está passando na frente, então a gente tem mais de mil candidatos assim. Aí, a Proxima b é diferente porque ela está aqui na esquina. É a estrela mais próxima do Sistema Solar. Podemos até sonhar um pouquinho de um dia ir lá. Se a gente conseguisse viajar na velocidade da luz, o que a gente não consegue, a gente chegaria lá em 4,2 anos assim. Mas já tem planos de mandar umas coisas robóticas para a próxima geração aí que vai ver, nós não vamos ver, mas deixar... É importante fazer isso, essas coisas a longo prazo, para isso que a gente está aqui nesse planeta, para explorar. Explorar o Sistema Solar, explorar o Universo, explorar a nossa galáxia, então acho muito importante já começar a pensar aí em uma missão para mandar lá na Proxima b. Mas sempre falo para as pessoas, mas não fica pensando que a gente vai mudar para lá não, porque não, tem que cuidar desse planeta aqui mesmo porque essa aqui que é a nossa casa.
Leila Sterenberg — A Duilia conta que nos anos 70 ela ficava encantada com as viagens das sondas espaciais e muito curiosa para saber como é que aquelas imagens que chegavam à Terra vinham parar aqui. Eu queria saber se você tem algum herói, algum cientista que tenha sido assim o seu modelo, “olha, esse cara, ou essa mulher me inspirou e contribuiu para o meu desejo de virar cientista, de virar astrônoma.”
Duilia de Mello — Eu era menina nerd, adorava ficção científica. Tinha toda uma história para mim dessa fascinação com o universo, com a ficção científica que trazia isso para a tela da televisão. E além da ficção científica tinha uma série na televisão que passava que era o Cosmos, e que era com o falecido Carl Sagan, que foi um dos maiores astrônomos de todos os tempos e um grande popularizador da ciência, então ele foi assim uma das inspirações, um dos motivos de eu ter seguido a carreira de astronomia. A gente tenta agora fazer novamente isso com a nova geração, o Neil de Grasse Tyson que é um astrônomo americano do Museu de História Natural e do planetário Hayden em Nova York, ele tem a série nova do Cosmos aonde ele também está tentando inspirar o jovem, a jovem, as minorias também, sendo minoria ele mesmo, e ele foi pupilo do Carl Sagan. Tem uma geração toda. Nossa geração, a minha, a dele, nós fomos filhos aí do Carl Sagan que fez a gente fazer perguntas e querer respostas sobre o universo, então se eu tivesse que nomear um herói, seria o Carl Sagan.
Leila Sterenberg — Você gosta de ser chamada de “a mulher das estrelas”, você tem uma ONG, Associação Mulher das Estrelas...
Duilia de Mello — Geralmente visito escolas que me chamam, às vezes vou em empresas também, essas empresas patrocinam a minha ida às escolas até para poder me trazer para o Brasil para poder fazer isso. E tem sido muito legal fazer isso, eu fiz isso ano passado. Em maio eu fui a doze escolas no Brasil, desde escola pública até colégio militar. Foi ótimo, adorei. Escrevi um livro “Vivendo com as estrelas”, elas começam a ler o livro, o Pedro que é um PDF gratuito que eu tenho de livro infantil.
Leila Sterenberg — Pedro, uma pedra espacial.
Duilia de Mello — Isso.
Leila Sterenberg — Eu imprimi para a minha filha de 8 anos idade, ela já leu hoje de manhã.
Duilia de Mello — As aventuras de Pedro, uma pedra espacial, está disponível na internet. O Pedro é um meteorito, um meteorito brasileiro, que eu comprei o Pedro e eu tenho uma coleçãozinha modesta de meteoritos na minha estante e a estória é que eles ficam batendo papo, conversando na minha estante.
Leila Sterenberg — As grandes religiões monoteístas elas falam do céu. A gente morre e vai para o céu, Deus está no céu, e eu queria saber como é que é a sua relação com isso, com essas religiões, ou se você tem fé, e se você vê aí talvez uma compatibilidade ou incompatibilidade entre Deus e a tal da singularidade que é tão fundamental na astronomia.
Duilia de Mello — Eu trabalho em uma universidade católica, uma universidade religiosa e tenho grandes amigos que são padres, alguns cientistas, vários deles são padres do observatório do Vaticano, e a gente conversa muito sobre isso, que existe uma ideia de que a fé e a ciência estão em conflito, e elas não estão, elas andam em paralelo. A ciência não tenta explicar a fé e a fé não deve tentar explicar a ciência. São coisas diferentes, dois lados do cérebro, não precisa ter conflito nisso, você pode ter sua fé, seja ela qual seja, e você pode acreditar no trabalho do cientista, você pode ser um cientista. Veja, os padres jesuítas são astrônomos. Não tem conflito. É preciso conversar sobre o assunto e não achar que todo cientista é agnóstico, não é verdade. Então, as pessoas podem ter fé e ser cientista também.
Leila Sterenberg — Você tem fé?
Duilia de Mello — Eu tenho, acredito em Deus, acho que Deus estava lá direitinho naquele Big Bang quando aconteceu, ele está aí visitando, ele está aí mostrando para a gente o nosso destino o tempo inteiro.
Leila Sterenberg — Dias depois da nossa entrevista com a Duilia a Nasa fez um anúncio histórico: foram descobertos sete planetas de tamanhos parecidos com o da Terra, em um sistema há 40 anos luz de distância. Três desses planetas podem possuir água no estado líquido, uma das condições básicas para a existência de vida. Nós então voltamos a falar com a Duilia para saber um pouco mais dessa descoberta.
Duilia de Mello — Encontrar esses planetas é muito importante para a gente aqui da Terra, para a gente ver que provavelmente não estamos sozinhos. E também para lembrar que existe uma distância boa entre esse outro sistema estelar, vamos dizer, e o nosso, que é o fato do sol deles, da estrela, ser muito diferente do nosso Sol, uma estrela fria, uma estrela anã, vermelha fria, isso significa outras condições de meio ambiente ali para os planetas. É muito interessante tudo isso e o que mais me interessou em toda essa descoberta aí foi o fato deles terem feito isso com o velho satélite Spitzer que é um satélite que já está capengando, tem uns quatorze anos, descobriu aí a família ao redor dessa estrelinha aí longe, a 40 anos luz de distância. A perspectiva aí é grande para a gente fazer um monte de pesquisa tentando entender esse sistema solar aí e deve haver muitos outros como esse que a gente não consegue descobrir facilmente.
Revista Consultor Jurídico
Leila Sterenberg — Você poderia explicar essa frase.
Duilia de Mello — Eu falo mesmo que nós somos feitos das estrelas, o ar que a gente respira, os nossos componentes químicos do universo inteiro nasceram de dentro das estrelas. As estrelas são fornalhas de elementos químicos, elas produzem elementos químicos, e elas passam por um processo de explosão no final da vida delas e nessa explosão, elas mandam todos esses elementos químicos para o universo novamente. E aí formam novas estrelas, novos planetas, e forma até a vida, por isso a gente fala que a gente é feito de poeira de estrelas. Então é assim muito inspirador a gente lembrar disso, porque a gente na nossa vidinha do dia a dia a gente esquece também que a gente faz parte de um universo que é muito maior do que esse da nossa vidinha do dia a dia.
Leila Sterenberg — Entre as descobertas que você fez tem a Supernova em 1997.
Duilia de Mello — Eu estava observando uma galáxia que está a 53.8 milhões de anos luz de distância e eu tive assim a curiosidade de verificar o campo que eu estava observando com o telescópio lá no Chile e eu percebi que tinha uma estrela intrusa que não estava no meu mapa. Então quando eu vi isso eu passei um instrumento em cima dessa estrela e vi que essa estrela tinha a composição química de uma estrela que tinha acabado de explodir. E foi assim então que morreu a estrela e nasceu a Supernova 1997D.
Leila Sterenberg — Como é que você foi parar nos Estados Unidos e como virou uma cientista que faz projetos em colaboração com a Nasa?
Duilia de Mello — Foi em 1997 também que eu saí do Brasil. E eu saí com um pouquinho de desilusão que eu tive com o Brasil, com um investimento que o Brasil estava fazendo na ocasião na área de ciências, eu tinha investido muito na minha vida, no meu doutorado, eu já era doutora, eu tinha uma bolsa de recém-doutora no Observatório Nacional aqui no Rio de Janeiro, e decidi que como havia uns cortes muito altos, que ia tentar então fazer a minha carreira lá fora. Já tinha conhecido algumas pessoas antes, passado um tempo nos Estados Unidos inclusive, e fiz um contato por e-mail com um dos astrônomos do Hubble, perguntando se ele tinha vaga. Ele me respondeu imediatamente e pediu meu número de telefone e me contratou. Isso foi em janeiro, e em abril eu já estava nos Estados Unidos. Então não voltei mais para trabalhar no Brasil. Comecei toda uma história de networking dentro da Nasa também, porque eu fui originalmente para o Instituto do Hubble, do telescópio espacial, que é um instituto de pesquisas que fica dentro da Universidade de Johns Hopkins, ele não é dentro do campus da Nasa. Mas conheci as pessoas da Nasa também, principalmente porque eu fiz parte de uma das missões do Hubble que era a do campo profundo do hemisfério sul. Lá conheci vários astrônomos que trabalhavam full time na NASA Goddard Space Flight Center. O Hubble é daqueles assim que continua a nos surpreender. E agora estão falando que ele vai durar mais sete anos, e nós estamos muito emocionados com isso, porque a gente achava que ano que vem já não teria mais Hubble porque vai ser lançado em 2018 o próximo telescópio. Todos os planos eram que assim que fosse lançado o novo telescópio, que o Hubble parasse. Mas aí a Nasa parece que está revendo isso e existe uma possibilidade boa de o Hubble ficar observando por mais sete anos, então ele vai ser contemporâneo do novo telescópio, o que é muito bom, porque eles são complementares. O novo telescópio tem 6,5 metros de diâmetro e ele não é um substituto do Hubble, ele é um outro telescópio. Ele vai observar na faixa do infravermelho, ele vai ver o universo bem no comecinho, quando o universo estava começando a formar as galáxias, isso o Hubble não faz. Como ele vai observar no infravermelho, o infravermelho vai mostrar isso, vai mostrar as galáxias quando elas já eram bebezinhas, como a gente nunca viu. Então é super emocionante fazer parte disso e tentar entender tudo isso.
Leila Sterenberg — Queria falar dessa importância que você dá para a comunicação com o público leigo, porque você volta e meia tem vídeo na internet, você já teve blog, e por aí vai, suas palestras lotam, e é importante a gente aproximar a ciência de quem não é cientista, como eu e como quem está vendo a gente em casa, pelo menos a maioria do público.
Duilia de Mello — É muito difícil você pegar um conceito muito complexo e traduzi-lo para uma linguagem simples, esquecer todos os detalhes que levam aquele conceito complexo a ser entendido para os cientistas. Como que você traduz isso em linguagem simples? É muito difícil. Então, um jovem que começa a fazer divulgação de ciência, ele está mais é passando uma informação para frente, porque ele não tem ainda aquela experiência necessária para o entendimento global, entendimento geral da ciência para fazer essa divulgação. Então, eu dou a maior força para cientistas bem experientes aí começarem a abrir mais, vamos dizer assim o verbo para o público. Não é fácil, toma tempo, mas é importante, principalmente porque motiva o jovem depois a seguir carreiras correlatas.
Leila Sterenberg — A gente tende a associar a astronomia à profissão de menino. E sei que você luta arduamente contra isso, luta contra as princesinhas vestidas de rosa, e defende a mulher na academia pesquisando sem medo de matemática e etc. e tal. Estava lendo uma entrevista sua em que você dizia que quando você começa na Ciência até tem um bocado de mulher, mas à medida em que você vai avançando na carreira, elas vão ficando cada vez mais rarefeitas.
Duilia de Mello — É incrível isso. Atualmente, até bem diferente de quando eu era estudante. Atualmente existem mais mulheres na carreira científica do que quando eu comecei, e elas estão progredindo também, mas ainda é um passo muito lento. Você não pode ser aquilo que você não vê. Se você não vê uma pessoa de êxito, de sucesso, você não consegue se espelhar naquele posto, naquela profissão. Acho importante mostrar para as meninas que elas podem tudo, desde que elas queiram.
Leila Sterenberg — A gente está conversando em um momento bem interessante, porque está fazendo muito sucesso, nos Estados Unidos, mas no mundo, o filme “Estrelas Além do Tempo”, sobre três mulheres negras que foram fundamentais na Nasa para que houvesse o avanço científico nos Estados Unidos que houve ali na segunda metade do século XX. Então a gente teve a Katherine, Dorothy e Mary que foram figuras que ficaram apagadas na história e agora estão tendo o devido destaque.
Duilia de Mello — O nosso administrador da Nasa é um astronauta negro e ele aprovou o apoio da Nasa a esse filme, documentário até que a gente chama, apesar de que é um filme mesmo. Mas é muito baseado na história delas, uma história bonita, mas triste. Muita gente chora no filme, uma estudande minha foi assistir e falou: “professora, a senhora já foi ver?”, eu falei: “não, não tinha mais ticket”. Aí ela me falou, ela me contou algumas passagens que ela ficou tão assim, preocupada, que “será que era assim mesmo”, ela foi perguntar para o diretor.
Leila Sterenberg — Claro, porque além do sexismo tem o racismo evidente da época.
Duilia de Mello — É. Ela foi perguntar para o chefe de departamento lá da física: “professor, mas era assim mesmo?” Ele falou assim, na opinião dele, de homem branco, era um pouco assim, mas que ele achava um pouco exagerado. Imagino que não seja exagerado não, imagino que é até um... eles custam a acreditar que tenha sido tão ruim, mas elas penaram. Penaram muito para poder desbravar e quebrar umas barreiras, e até hoje penam, e a Nasa ainda é predominantemente branca.
Leila Sterenberg — Como é que você acha que vai ficar a ciência nos Estados Unidos agora na era Trump?
Duilia de Mello — Estamos esperando um pouquinho, porque faz pouco tempo que ele entrou, mas a coisa não está muito boa não.
Leila Sterenberg — Porque os estrangeiros são fundamentais, você é estrangeira. E aí, como é que fica?
Duilia de Mello — É complicado. Vai ter uma marcha, a marcha dos cientistas em 22 de abril, em Washington, onde a gente vai tentar motivar o congresso, o senado, a pensar em ciência um pouco mais sério e não se deixar levar pela moda do governo Trump.
Leila Sterenberg — A Duilia faz umas listas muito boas, e ela fez uma lista dos cinco grandes eventos da astronomia de 2016 e o mais importante deles foi um negócio complicado de a gente entender, que é a detecção...
Duilia de Mello — É a detecção de ondas gravitacionais, que é um evento incrível, uma coisa que a gente estava esperando. Há 50 anos que a gente está tentando detectar isso e finalmente nós detectamos e foi um dia memorável, o dia que a gente viu a detecção eu nunca vou esquecer. Esses buracos negros que colidiram ali, que fizeram a marola, são por volta de 20 a 30 vezes a massa do Sol. Aí, tem que ser massudo assim, bem grandão, para poder fazer uma marola boa para a gente poder detectar, entendeu? Rs.
Leila Sterenberg — E teve outro evento importante que foi a observação, você me corrige se eu estiver errada, do Proxima b, que é um planeta que fica na órbita da Proxima Centauri. Por que isso é importante?
Duilia de Mello — Isso é muito importante, porque a gente está tentando detectar planetas ao redor de outras estrelas há muito tempo. E a gente já tem mais de mil detectados aí com um satélite especial dedicado para isso, que é o Kepler, que é um satélite da Nasa que faz uma varredura de uma área do céu para tentar achar esses planetas ao redor de outras estrelas, mas é tudo medida indireta, a gente nunca viu um planetinha lindo... o que a gente vê é, a luminosidade, o brilho da estrela diminui quando o planeta passa na frente, como se fosse um eclipse. Então a gente tem equipamentos bem precisos para medir essa diminuição da luz da estrela quando o planeta está passando na frente, então a gente tem mais de mil candidatos assim. Aí, a Proxima b é diferente porque ela está aqui na esquina. É a estrela mais próxima do Sistema Solar. Podemos até sonhar um pouquinho de um dia ir lá. Se a gente conseguisse viajar na velocidade da luz, o que a gente não consegue, a gente chegaria lá em 4,2 anos assim. Mas já tem planos de mandar umas coisas robóticas para a próxima geração aí que vai ver, nós não vamos ver, mas deixar... É importante fazer isso, essas coisas a longo prazo, para isso que a gente está aqui nesse planeta, para explorar. Explorar o Sistema Solar, explorar o Universo, explorar a nossa galáxia, então acho muito importante já começar a pensar aí em uma missão para mandar lá na Proxima b. Mas sempre falo para as pessoas, mas não fica pensando que a gente vai mudar para lá não, porque não, tem que cuidar desse planeta aqui mesmo porque essa aqui que é a nossa casa.
Leila Sterenberg — A Duilia conta que nos anos 70 ela ficava encantada com as viagens das sondas espaciais e muito curiosa para saber como é que aquelas imagens que chegavam à Terra vinham parar aqui. Eu queria saber se você tem algum herói, algum cientista que tenha sido assim o seu modelo, “olha, esse cara, ou essa mulher me inspirou e contribuiu para o meu desejo de virar cientista, de virar astrônoma.”
Duilia de Mello — Eu era menina nerd, adorava ficção científica. Tinha toda uma história para mim dessa fascinação com o universo, com a ficção científica que trazia isso para a tela da televisão. E além da ficção científica tinha uma série na televisão que passava que era o Cosmos, e que era com o falecido Carl Sagan, que foi um dos maiores astrônomos de todos os tempos e um grande popularizador da ciência, então ele foi assim uma das inspirações, um dos motivos de eu ter seguido a carreira de astronomia. A gente tenta agora fazer novamente isso com a nova geração, o Neil de Grasse Tyson que é um astrônomo americano do Museu de História Natural e do planetário Hayden em Nova York, ele tem a série nova do Cosmos aonde ele também está tentando inspirar o jovem, a jovem, as minorias também, sendo minoria ele mesmo, e ele foi pupilo do Carl Sagan. Tem uma geração toda. Nossa geração, a minha, a dele, nós fomos filhos aí do Carl Sagan que fez a gente fazer perguntas e querer respostas sobre o universo, então se eu tivesse que nomear um herói, seria o Carl Sagan.
Leila Sterenberg — Você gosta de ser chamada de “a mulher das estrelas”, você tem uma ONG, Associação Mulher das Estrelas...
Duilia de Mello — Geralmente visito escolas que me chamam, às vezes vou em empresas também, essas empresas patrocinam a minha ida às escolas até para poder me trazer para o Brasil para poder fazer isso. E tem sido muito legal fazer isso, eu fiz isso ano passado. Em maio eu fui a doze escolas no Brasil, desde escola pública até colégio militar. Foi ótimo, adorei. Escrevi um livro “Vivendo com as estrelas”, elas começam a ler o livro, o Pedro que é um PDF gratuito que eu tenho de livro infantil.
Leila Sterenberg — Pedro, uma pedra espacial.
Duilia de Mello — Isso.
Leila Sterenberg — Eu imprimi para a minha filha de 8 anos idade, ela já leu hoje de manhã.
Duilia de Mello — As aventuras de Pedro, uma pedra espacial, está disponível na internet. O Pedro é um meteorito, um meteorito brasileiro, que eu comprei o Pedro e eu tenho uma coleçãozinha modesta de meteoritos na minha estante e a estória é que eles ficam batendo papo, conversando na minha estante.
Leila Sterenberg — As grandes religiões monoteístas elas falam do céu. A gente morre e vai para o céu, Deus está no céu, e eu queria saber como é que é a sua relação com isso, com essas religiões, ou se você tem fé, e se você vê aí talvez uma compatibilidade ou incompatibilidade entre Deus e a tal da singularidade que é tão fundamental na astronomia.
Duilia de Mello — Eu trabalho em uma universidade católica, uma universidade religiosa e tenho grandes amigos que são padres, alguns cientistas, vários deles são padres do observatório do Vaticano, e a gente conversa muito sobre isso, que existe uma ideia de que a fé e a ciência estão em conflito, e elas não estão, elas andam em paralelo. A ciência não tenta explicar a fé e a fé não deve tentar explicar a ciência. São coisas diferentes, dois lados do cérebro, não precisa ter conflito nisso, você pode ter sua fé, seja ela qual seja, e você pode acreditar no trabalho do cientista, você pode ser um cientista. Veja, os padres jesuítas são astrônomos. Não tem conflito. É preciso conversar sobre o assunto e não achar que todo cientista é agnóstico, não é verdade. Então, as pessoas podem ter fé e ser cientista também.
Leila Sterenberg — Você tem fé?
Duilia de Mello — Eu tenho, acredito em Deus, acho que Deus estava lá direitinho naquele Big Bang quando aconteceu, ele está aí visitando, ele está aí mostrando para a gente o nosso destino o tempo inteiro.
Leila Sterenberg — Dias depois da nossa entrevista com a Duilia a Nasa fez um anúncio histórico: foram descobertos sete planetas de tamanhos parecidos com o da Terra, em um sistema há 40 anos luz de distância. Três desses planetas podem possuir água no estado líquido, uma das condições básicas para a existência de vida. Nós então voltamos a falar com a Duilia para saber um pouco mais dessa descoberta.
Duilia de Mello — Encontrar esses planetas é muito importante para a gente aqui da Terra, para a gente ver que provavelmente não estamos sozinhos. E também para lembrar que existe uma distância boa entre esse outro sistema estelar, vamos dizer, e o nosso, que é o fato do sol deles, da estrela, ser muito diferente do nosso Sol, uma estrela fria, uma estrela anã, vermelha fria, isso significa outras condições de meio ambiente ali para os planetas. É muito interessante tudo isso e o que mais me interessou em toda essa descoberta aí foi o fato deles terem feito isso com o velho satélite Spitzer que é um satélite que já está capengando, tem uns quatorze anos, descobriu aí a família ao redor dessa estrelinha aí longe, a 40 anos luz de distância. A perspectiva aí é grande para a gente fazer um monte de pesquisa tentando entender esse sistema solar aí e deve haver muitos outros como esse que a gente não consegue descobrir facilmente.
Revista Consultor Jurídico
Nenhum comentário:
Postar um comentário