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terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Por que precisamos falar sobre 3,5 milhões de crianças fora das creches?

Investir nos primeiros anos de vida traz benefícios à sociedade, ajudando o país a investir em seu desenvolvimento humano, político, social e econômico de maneira íntegra e sustentável. Se não estamos dando a devida prioridade para a primeira infância, estamos falhando como sociedade
(Nexo, 22/02/2017)
O Brasil tem avançado na atenção às suas crianças. A aprovação do Marco Legal da Primeira Infância, em março de 2016, por exemplo, foi um dos resultados práticos do crescente entendimento de que investir nessa fase da vida, do nascimento aos seis anos, pode realmente mudar o destino das pessoas e do próprio país.
Entretanto, dados alarmantes nos lembram que ainda existe muito a avançar: segundo o IBGE e a ONG Todos pela Educação, 3,5 milhões de crianças de zero a três anos estão fora das creches. E a ciência nos alerta que esse número é extremamente significativo para a perspectiva de desenvolvimento futuro de uma nação. James Heckman, vencedor do Nobel de Economia, protagonizou um estudo* que ressaltou a importância do investimento na primeira infância: cada US$ 1 empregado nos primeiros anos de vida produz um retorno de pelo menos US$ 7 no cidadão adulto (veja o infográfico). De acordo com Heckman, esse resultado não se compara sequer ao melhor desempenho registrado na bolsa de valores.
Somadas à pesquisa do economista norte-americano, descobertas conjuntas de áreas como economia, psicologia, neurociência, e outras, apontam para a forte correlação entre os comportamentos e valores do indivíduo adulto e aquilo que se plantou no início da vida. Uma boa analogia para compreender esses conceitos é comparar o desenvolvimento do ser humano com a construção de uma casa. Sua fundação e seus pilares precisam estar bem construídos. Caso essas estruturas não recebam os devidos cuidados, poderão ficar sujeitas a problemas futuros. A ciência demonstra que uma infância de muitas carências tende a levar a uma adolescência e uma vida adulta com possíveis dificuldades que poderiam ser evitadas, como obesidade, abandono da escola, dependência química, aumento de índices de violência e até o encarceramento.
Tudo começa na formação do cérebro humano. Só nos dois primeiros anos de vida, essa “máquina” maravilhosa realiza cerca de 700 conexões neurais a cada segundo**. Até os quatro anos de idade o cérebro já desenvolveu praticamente 90% de sua estrutura. Um processo que acontece tanto pela influência genética como também pelos estímulos externos que os bebês recebem dos pais e adultos a sua volta (avós, tios, educadores etc.) e do meio onde vivem.
Entornos conturbados, nutrição inadequada, falta de estímulos, violência e negligência constantes causam aquilo que os especialistas chamam de “estresse tóxico”, prejudicando o desenvolvimento cerebral, que, como a ciência nos diz, tem o poder de impactar enormemente a fase adulta. O infográfico apresenta temas como parto normal, incentivo à amamentação exclusiva até os seis meses, ampliação das licenças-maternidade e paternidade, creches e pré-escolas de qualidade — alguns dos pontos que devem pautar iniciativas focadas nos primeiros anos de vida. Programas de primeira infância de qualidade consideram o desenvolvimento integral da criança e isso demanda políticas públicas que envolvam Educação, Saúde e Desenvolvimento Social, acompanhando as necessidades atuais de uma sociedade em evolução, enxergando o longo prazo com um olhar integrado.
Iniciativas alinhadas com esses fundamentos já têm surgido nos governos municipais, estaduais e federal. Para garantir o nível e a eficiência de tais programas, serviços e políticas, estes precisam estar respaldados por monitoramentos e avaliações efetivas, que tragam aos seus gestores dados que orientem ajustes progressivos e o aperfeiçoamento de estratégias. Só assim é possível assegurar que as intervenções não se percam em meio a burocracia, interesses individuais, políticos e em metas inalcançáveis. Caso contrário, mais desperdício dos recursos públicos e falta de perspectivas de bem-estar serão contabilizados na história das novas gerações, comprometendo a qualidade de nosso capital humano.
Precisamos falar sobre as crianças fora das creches, bem como das demais necessidades que não estão sendo supridas para cada uma delas. Investir nos primeiros anos de vida traz benefícios à sociedade, ajudando o país a investir em seu desenvolvimento humano, político, social e econômico de maneira íntegra e sustentável. Se não estamos dando a devida prioridade para a primeira infância, estamos falhando como sociedade.
* Heckman, James J. (2008). “Schools, Skills and Synapses”, Economic Inquiry, 46(3): 289-324.
** Center on the Developing Child (2009). Five Numbers to Remember About Early Childhood Development (Brief).
Eduardo de C. Queiroz é formado em Administração de Empresas com especialização pela Fundação Getúlio Vargas e mestrado em Administração Pública pela Harvard Kennedy School of Government (Mason e Lemann fellow). Desde fevereiro de 2011 é diretor-presidente da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. É membro voluntário dos Conselhos das ONGs Espro, United Way Brasil e Outward Bound Brasil.

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