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“Em terra de egos, quem vê o outro é rei”, leio em um cartaz postado no perfil Cidade Falante. Acho genial. Fala-se muito em ética. Fala-se muito no outro (ou, o mais comum, mais confortável e fácil, do outro). “Alteridade”, então, é palavra linda, chique, que cai muito bem em teses, artigos, textões. Por isso gostei do verbo ver usado no cartaz. Não se trata de falar, a gente (eu inclusive) costuma falar demais. A frase nos lembra de ver. E por que é tão fundamental ver o outro? Porque é no outro que habitam os fundamentos da ética. Não adianta falar de ética, empatia, compaixão, se estivermos distantes de onde tudo isso mora. O outro: a morada da ética. Sem vê-lo, não passamos de tratores egoicos em seu jardim.
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Fabricantes famosos de tratores egoicos: xenofobia, racismo, misoginia, fanatismo religioso, fanatismo moral, fanatismo político, fanatismo.
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Lembrete: fascismo: o fim do outro.
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O narcisismo, a vaidade, nossas bobagens mais tolas e necessidades mais patéticas, tudo isso faz parte da condição humana. Esse bolo risível sempre vai estar no nosso cardápio interno. Temos um ego inseguro que fica atrás de aprovação (amor?), todos nós. Queremos ser respeitados, não gostamos de ser contrariados, esses (também) somos nós. Mas nossa subjetividade não se reduz ao ego. Somos muito mais vastos do que isso. Quando substituímos a riqueza da nossa subjetividade por um ego que grita, ficamos surdos demais para ouvir o outro. Só nos tocamos de que há um outro ali quando não nos curvamos vinte e quatro horas por dia à gritaria ensurdecedora do nosso ego. E, de novo, o outro importa. De novo, a base da ética consiste na existência do outro. O outro só existe (para nós) quando nosso ego deixa de existir por alguns instantes.
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Ver o outro exige exige a suspensão, sempre difícil e ainda que momentânea, do ego.
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O outro pode ser irritante. O outro pode ser terrível. O outro é terrivelmente capaz de falar, gesticular, caminhar e até mesmo dançar de um jeito que nos irrita. O outro tem uma capacidade imensa de falar com um tom de voz diferente do nosso. Se reduzirmos nossa subjetividade a um ego que grita, nossa paciência será mínima.
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Não estou usando a palavra “ego” no sentido freudiano. Estou definindo ego assim: alguém dentro de nós que nunca cresce. E que grita. Nosso ego é um bebê Trump interior que, quando contrariado pelo judiciário, começa a berrar.
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Todos temos um bebê Trump dentro de nós. Aceitar esse fato é melhor do que virar um Trump quando crescer. Com muito menos poder e dinheiro, mas, de resto, igualzinho. Aqui, nossas convicções não farão diferença. Um governante que se reduz ao seu ego gritalhão será autoritário e nocivo, não importa em que extremo do espectro ideológico-político ele se situe. Só mudam as vítimas. Ele vai fazer mal a quem o contrariar.
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Se matarmos todos os assassinos do mundo, quem vai sobrar? Assassinos. Li isso em algum lugar e nunca esqueci.
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O outro não é um legume com algumas partes boas e algumas partes estragadas. O outro é um todo amorfo onde partes boas e más se misturam; onde as partes boas e más, sobretudo, existem anteriormente ao nosso olhar que as classifica como boas e más. Aceitar o outro em sua inteireza em vez de vê-lo como uma ferramenta ou um obstáculo é, talvez, o primeiro modo de começar a enxergá-lo.
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Quando conseguimos ver o outro, precisamos nos lembrar: ele é diferente de nós e, por isso, é outro.
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Quando de fato aceitamos o item acima é que, com muita dificuldade, começamos a aceitar que nós e o outro somos muito parecidos e que a palavra outro não serve para muita coisa além de designar corpos que habitam lugares aparentemente separados neste espaço comum que, com enorme desconforto e, na melhor das hipóteses, alguma esperança, habitamos.
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