Ex-parceiro e cogenitor do feto se opôs à decisão da gestante e entrou na Justiça, e juíza de Mercedes lhe deu razão indicando posição contrária ao estabelecido na lei de aborto do país; defesa da gestante apelou da decisão
Segundo a imprensa uruguaia, esta é uma situação inédita no país, onde a interrupção voluntária da gravidez é permitida até a 12ª semana de gestação. O aborto foi legalizado no Uruguai em 2012, durante o governo do ex-presidente José Mujica.
No fim de janeiro, a mulher, que está na 10ª semana de gestação, informou ao ex-parceiro que havia iniciado os trâmites previstos na legislação uruguaia para realizar o aborto. Ele se opôs à decisão e entrou na Justiça, e a juíza Pura Book Silva decidiu, no último dia 21 de fevereiro, a favor do recurso apresentado pelo cogenitor do feto.
Em sua decisão, a magistrada afirmou que a lei de aborto “não pode ser entendida e interpretada como uma operação matemática” que resulte necessariamente na interrupção da gravidez caso a solicitação esteja dentro do estabelecido no regulamento. Ela questionou as razões apresentadas pela gestante para não prosseguir com a gravidez e disse que tais motivações não constam no processo iniciado por ela para realizar o aborto, como estabelece a lei que regula o procedimento no país.
Indicando uma posição contrária ao estabelecido na lei de aborto uruguaia, a juíza afirma que “toda pessoa tem direito a que se respeite sua vida. Este direito está protegido pela lei e, em geral, a partir do momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”. Segundo a magistrada, a interrupção da gravidez da mulher em questão “significa um dano violador aos direitos da pessoa, consagrados nos artigos 72 e 332 da Constituição Nacional, dado que lesa o direito à vida do concebido”.
A magistrada também remeteu à Suprema Corte de Justiça uruguaia um recurso de inconstitucionalidade da lei de aborto, apresentado pelo advogado do homem que apresentou a ação.
O advogado de defesa da gestante, Daniel Benavidez, disse nesta sexta-feira (24/02) que entrou com um recurso de apelação à sentença da juíza. Em entrevista à rádio Océano FM, ele afirmou que sente “indignação pessoal e profissional” pela sentença, e que está “certo da violação do direito” de sua cliente, já que “há uma lei vigente que não se pode ignorar”.
O departamento jurídico do Ministério de Saúde Pública do Uruguai pediu mais informações sobre o caso à corte para elaborar um pronunciamento oficial, informou o jornal uruguaio El Pais. De acordo com os últimos dados da pasta, em 2015 foram realizados 9.362 abortos legais no Uruguai, dos quais 82% (7.665) foram de mulheres acima de 20 anos.
O militante antiaborto Carlos Iafigliola, da Organização Pró-Vida, disse ao El Pais que a sentença é “uma grata supresa” que “nos enche de esperança”. Ele reivindicou o direito do homem cogenitor do feto e disse que a organização prepara uma manifestação no dia 25 de março no país contra o direito das mulheres ao aborto.
Lilián Abracinskas, diretora da organização Mulher e Saúde Uruguai (MySU), disse que a interpretação da juíza é “restritiva” e classificou a decisão como “um horror”. Em entrevista ao El Pais, ela afirmou que a intenção do ex-parceiro é que se esgote o prazo para a realização legal do aborto, limitada no Uruguai à 12ª semana de gestação.
“A lei é muito clara [e estabelece] que quem decide é a mulher, dentro das 12 semanas. A juíza está abrindo novamente o debate sobre a lei, algo que não é de sua competência”, afirmou, lembrando que a lei de aborto no Uruguai sempre se refere à mulher gestante, sem nunca nomear o homem cogenitor do feto.
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