Envergonhados com a canalhice, os estupros, a matança, 6 em cada 10 desejam tratar melhor a mulher. Renato Meirelles se joga em uma cruzada pró-mudança
Renato Meirelles é um cara que adora estatísticas. Tem bom traquejo no palco para explanar pesquisas – desde as que assinava no Data Popular e, agora, as apresentadas pelo Instituto Locomotiva, criado e presidido por ele.
Entre os temas desse pesquisador que ajudou a definir a nova classe média brasileira, a mulher é o mais recorrente. O que ela representa na economia; seus desejos para a carreira e os filhos; os projetos de futuro; como ela é representada nas propagandas da TV etc. A violência doméstica está permanentemente no escopo do seu trabalho, sob encomenda dos institutos Avon e Patrícia Galvão, que combatem esse flagelo.
Renato é um profissional que responde tudo com números. Mas eu o tenho visto um tanto diferente ultimamente. Ele deu cara aos dígitos na quarta-feira (7/12) ao apresentar, no evento do Avon, seu último levantamento intitulado O Papel do Homem na Desconstrução do Machismo. Ele próprio se colocou na roda. À plateia, majoritariamente feminista, reunida no Masp, Renato pediu desculpas pelo seu comportamento que naturaliza a tirania masculina. Disse se envergonhar das vezes em que corroborou com a violência ao se calar. Para ele, um homem é cúmplice da barbárie doméstica toda vez que consente com piadas que menosprezam a mulher, ridicularizam a loira, reduzem ao tamanho da piranha uma cidadã que decide transar livremente – como o homem transa (veja abaixo o depoimento dele).
Os gráficos que rotineiramente projeta no Powerpoint acabaram convencendo o técnico: ou o homem assume a sua parte e entra na luta para mudar o comportamento do outro macho ou a guerra não acabará jamais. Dez anos depois da criação da Lei Maria da Penha, quase 5 brasileiras são assassinadas, diariamente, pelo parceiro ou ex. Milhares ainda saem esfoladas das relações afetivas, e na elite acadêmica, estudantes estupram suas colegas de aula. A iniciativa de revisar o masculino não deve envolver apenas réus em dívida com a Justiça, mas todos aqueles que se acham o máximo por “participar” das tarefas domésticas apenas tirando o lixo da pia. Ou os homens mudam ou…
Na semana anterior ao evento do Masp, o pesquisador havia revelado o levantamento Brasileiras, em parceria com El País, e se apresentou ao público assim: “Meu nome é Renato Meirelles, sou homem, branco, paulistano, com curso superior e tenho 39 anos. E pelo simples fato de ser homem, ganho 69% mais que uma branca, paulistana, de 39 anos, com curso superior como o meu. Se o salário feminino se equiparasse ao masculino, juntaríamos R$ 461 bilhões a mais na economia do país”.
Ele lembrou que a brasileira conseguiu diminuir a família. Nos anos 1960, ela paria, em média, mais de 6 filhos; hoje tem menos de 2. Muita gente fia perplexa, porque a mulher fez tudo sozinha. Sem uma política pública sequer, tratou de planejar o tamanho da prole – o que significa melhores condições de criá-la.
As mulheres bancam 40% dos lares, como chefe, e, mesmo assim, segundo a pesquisa de Renato, 3 em cada 10 homens continuam achando justo elas assumirem menos cargos de chefia, já que engravidam e saem de licença. Disse Renato: “15,4 milhões de machos concordam que o marido sempre deve ganhar mais que a esposa; 2 em cada 10 consideram constrangedor sua mulher ter holerite maior”. Olha aí mais uma forma de naturalizar a violência. Se ela ganha mais, está feita a afronta, o ringue para a pancadaria se arma.
Palmeirense, autor do livro Um País Chamado Favela, colunista de Exame, Renato revelou no Masp que o machismo recuou um tantinho. Seus dados: 87% dos brasileiros consideram que boa parte da nossa população é bem machista. Reconhecer é o primeiro passo para tratar. Há mais um soprinho de esperança, já que 8% dos homens deixaram de chamar a mulher de vagabunda; 18% desistiram de cantá-la na rua; 11% abandonaram a crítica à saia curta e ao decotão e míseros 2% não tentam mais se aproveitar de uma mulher embriagada. Mas, observem, 44% afirmaram que ser chamado de machista não cativa o homem para a luta. A maioria dos que pararam de desrespeitar os direitos da mulher o fizeram depois de conversas com amigos ou mulheres próximas.
Para mim, a principal descoberta da pesquisa é esta: 31% dos homens gostariam de não ser machistas, mas não sabem como agir para mudar os velhos hábitos. Isso significa que mais de 30 milhões de brasileiros estão abertos à uma vida de igualdade e de respeito. Basta encontrar referências de como ser esse novo cidadão. Se Renato não está posando de bom moço, temos aí o grande começo: um homem avaliando sua estúpida amizade com a barbárie e querendo virar o jogo. Se muitos fizerem caminho parecido…
O depoimento de Renato Meirelles, conforme prometi:
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