por Tory Oliveira — publicado 27/10/2017
Produzido por Antonia Pellegrino e Isabel Nascimento Silva, documentário Primavera Das Mulheres faz historiografia a quente de protestos feministas
Tomaz Silva/Agência Brasil
Mulheres protestam contra a cultura do estupro em 2016
Com foco nas manifestações de mulheres organizadas nos últimos dois anos no Brasil e nos protestos virtuais de viés feminista como o #MeuPrimeiroAssédio, o documentário Primavera Das Mulheres é um esforço didático para, ao mesmo tempo, realizar uma historiografia a quente desta nova onda feminista e furar a bolha, levando a luta e as reivindicações das mulheres para um público mais abrangente.
Produzido pela roteirista Antonia Pellegrino e pela diretora Isabel Nascimento Silva, o documentário estreou na quinta 19 no canal GNT e está disponível na plataforma online GlobosatPlay.
Para compor o diverso quadro dos feminismos no Brasil, o documentário elenca ativistas, acadêmicas, estudantes, atrizes e youtubers.
Por meio de entrevistas com a filósofa Djamila Ribeiro, a cineasta Anna Muylaert, a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), e muitas outras, o documentário perpassa os diversos temas centrais ao feminismo contemporâneo, como o o assédio, o estupro e o aborto.
"É um filme com o desejo de narrar as hashtags, as manifestações de rua e também de marcar esse momento como de inflexão na trajetória do movimento feminista", explica a roteirista Antonia Pellegrino.
Confira a entrevista:
CartaCapital: No Brasil e no mundo, estamos vivendo um momento de ascensão das forças conservadoras, também refratárias ao feminismo e aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Qual é a importância de fazer o documentário, neste momento, sobre essa nova geração do feminismo brasileiro?
Antonia Pellegrino: Essas reações conservadoras não são por acaso. A Primavera das Mulheres, que eclodiu há dois anos, eclodiu com muita força e as mulheres colocaram muita gente nas ruas. Essa força vai no sentido de alterar o que é profundamente injusto, do ponto de vista de gênero, nessa representatividade no Brasil.
Retaliar essa força, tentar fazê-la retroceder, portanto, é vital para quem ocupa hoje o poder ou para manter as estruturas patriarcais tais quais são há milênios. Para falar de sociedade, crimes como o estupro coletivo no Rio de Janeiro ou o feminicídio de Campinas são parte do que se chama, nos Estados Unidos, de "backlash", expressão que pode ser traduzida como refluxo ou retrocesso.
Essa onda é para calar a nossa. É uma disputa de forças e de poder que está em jogo. E uma disputa desigual, visto que não temos a mesma representatividade. Quem está hoje em Brasília tentando avançar as nossas pautas de direitos femininos?
A interlocução que os movimentos sociais feministas tinham com o Executivo, que existiu durante os últimos cinco governos e, mais radicalmente, a partir do momento em que você tem um ministério das Mulheres, foi completamente desarticulada a partir do momento em que a Secretaria Especial para Mulheres foi fechada.
Os movimentos, de certo modo, estavam acostumados a incidir no poder público através do Executivo que, por sua vez, levava aos demandas ao Legislativo. Esse caminho também foi desarticulado, então é uma outra camada de problema e de reação ao que é reconhecido como nossa força.
CC: Você afirmou que o filme pretende levar o debate feminista para além da bolha. Por que é necessário fazer esse diálogo com a sociedade em geral?
AP: Necessário é, sem dúvida. Eu também sou do coletivo #AgoraÉQueSãoElas e temos no nosso DNA a missão de levar os debates feministas ao mainstream. Eu e as minhas companheiras acreditamos que isso é fundamental, já que o mainstream é muito ocupado por vozes masculinas, e faz esses debates não a nossa maneira, evidentemente, pois não estamos tanto lá quanto gostaríamos.
Agora, estar em um canal como o GNT, que é feminino e dialoga com homens e mulheres que não necessariamente estão nas bolhas da internet e nos debates feministas, para mim, é muito importante. Agora, é possível mesurar o efeito que aquilo vai ter na vida das pessoas? Não sei dizer, espero que o retorno seja benéfico.
CC: Na feitura do documentário, quais foram as estratégias para tentar ser didática?
AP: Por exemplo, eu não fiz nenhum debate sobre as diversas linhas dos feminismos. Esse tipo de debate, mais interessante para o movimento do que para quem está de fora, não está ali. Focamos no que tem apelo. Mas só o básico 1 já é muita coisa, e, no filme, é dito de muitas formas por mulheres muito diferentes. Então, você ouve o que é o novo feminismo de múltiplas maneiras, todas muito encantadoras. Tem muitas portas e janelas ali para serem abertas e muita coisa para ser discutida.
CC: O filme foca-se principalmente nos protestos de mulheres realizados em 2015 e 2016. Como foi essa seleção?
AP: O desejo do filme era fazer uma historiografia a quente deste período. Então não é um filme só sobre a questão do assédio, por exemplo. É um filme com o desejo de narrar as hashtags, as manifestações de rua e também de marcar esse momento como de inflexão na trajetória do movimento feminista. Isso não quer dizer que este é o momento mais importante ou que ele vai mudar tudo, mas certamente o final de 2015 foi um ponto de inflexão.
CC: Você esteve nesses protestos como manifestante? Qual foi a sensação? AP: Em 2013, que foi o grande momento em que as pessoas voltaram para as ruas, eu estava grávida, com uma barriga enorme, e não pude ir aos protestos. E eu não vivi esse momento. Então, quando eu fui para a rua em 2015, fui com essa sede de 2013.
Foi muito mágico poder estar nos protestos e acreditar que aquilo era uma forma de realmente transformar a sociedade e ver o quanto de utopia, de pragmatismo e de outras possibilidades havia ali, por serem protestos feministas.
CC: No Brasil, só 10% dos assentos do Congresso são ocupados por mulheres, o que nos deixa em um patamar muito baixo de representatividade. No entanto, nas eleições municipais de 2016, foram eleitas algumas vereadoras feministas. Na sua opinião, qual é a importância e os impactos de mulheres feministas ocuparem a política?
AP: O que aconteceu ano passado já é um fruto da Primavera Feminista. Não foram candidaturas isoladas. O coletivo de Belo Horizonte Muitas - Pela Cidade Que Queremos(que elegeu a vereadora Áurea Carolina pelo PSOL) representou isso melhor do que todo mundo. Acho isso muito potente e uma nova forma de fazer política.
Para 2018, a gente fica sonhando que o grande lance sejam as mulheres. É uma pauta muito importante e precisamos começar a entender melhor o que está em jogo.
O sistema é patriarcal e machista, então, há sub-representatividade. Existe uma lei de cotas que garante que 30% das candidaturas sejam femininas, mas você não tem essas mulheres e também alguns partidos usam candidaturas-laranjas, de fachada. Nem vou entrar no mérito do quanto o partido reproduz a lógica do machismo.
A questão é que você não tem essas mulheres, porque o sistema é profundamente violento com aquelas que ousam entrar ali. O que elas passam é assustador, horrendo. Ter a força de enfrentar isso é preciso, necessário e a "gabinetona" [experiência das vereadoras feministas em Belo Horizonte], com o coletivo ocupando esses espaços, é a grande experiência que responde a isso. Não é uma pessoa sozinha sendo massacrada. Com um coletivo ocupando, dá para vocalizar nossas pautas com mais força.
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