Filósofa estadunidense faz palestra no Sesc em São Paulo no próximo dia 7 de novembro
Mª ÁNGELES CABRÉ
27 OUT 2017
El País
Judith Butler, teórica do movimento queer e antes de tudo uma feminista de pensamento global, talvez seja a feminista com mais gabarito internacional e a que está prestes a deixar um rastro maior. Em uma de suas passagens por Barcelona, ela falou sobre a violência de Estado e insistia em que pertencer ao movimento queer implicava uma defesa da aliança entre diversas minorias “por meio da diferença”, ou seja, que conseguir “uma aliança forte da esquerda” passava por combater políticas favoráveis à discriminação, citando sobretudo as minorias sexuais, raciais, religiosas e as mulheres.
Em 2015 ela voltou a Barcelona e foi prolixa mais uma vez sobre essas questões e outras de igual calado. Além de uma conferência dada perante uma numerosa multidão _Butler tem um grande poder de convocatória_, ela deu ainda uma entrevista pública, também diante de um enorme público. Nós tivemos à época, portanto, dupla ração de Judith Butler, uma pensadora nem sempre fácil de se ler, mas que, no entanto, é enormemente inteligível quando a escutamos. Ela mesma alude à “clareza incomunicável” da filosofia em Undoing Gender(desfazendo o gênero), apesar de nesse mesmo livro se confessar uma pensadora que escreve em contextos interdisciplinares em um tempo em que a filosofia se encontra a si mesma fora de si mesma (Hegel).
O pensamento de Butler, atualmente professora da Universidade da Califórnia, Berkeley, nos Estados Unidos, foi evoluindo desde a publicação de sua primeira obra, Problemas de Gênero – Feminismo e Subversão da Identidade, um arrazoado fundacional do gênero entendido como uma construção cultural que conduz à asfixiante normatividade. É sabido que esses títulos e outros trabalhos a consagraram como a grande teórica do movimento queer, o que não é pouco. Mas Butler é muito mais. E partindo dessa base, a do ativismo em favor da plena liberdade sexual –que vai muito além da luta contra a heteronormatividade–, a filósofa norte-americana caminha com grande aprumo até rotas muito menos foucaultianas e mais arendtianas, assim dizendo com uma simplicidade que os especialistas saberão desculpar.
Na linha de pensadores como Martha Nussbaum, que transita também por várias disciplinas, a filosofia política e a ética se constituíram nestes últimos anos nas areias movediças particulares de Judith Butler, com títulos como The Psychic Life of Power: Theories in Subjection (mecanismos psíquicos do poder: teorias sobre a sujeição) que evidenciam que uma de suas principais preocupações se acha nas múltiplas variantes do poder como garantidor da impossibilidade de ser livremente, sem excluir, claro, o poder sobre os corpos, mas incluindo outros como o que condena grupos imensos à precariedade. Uma resistência política em frentes díspares à qual parece querer consagrar-se.
Nesta passagem em Barcelona em 2015, sua palestra se intitulou “Corpos que Ainda Importam”, em referência a seu livro Bodies That Matter: On the Discursive Limits of "Sex" (corpos que importam: sobre os limites discursivos do “sexo”), e nela fez eco da mais raivosa atualidade internacional, que nos leva a falar de refugiados, corpos afogados nas águas mediterrâneas e fronteiras não solidárias de arame farpado. Quanto à entrevista pública, ao mesmo tempo em que percorria os males que nos assolam e alguns de seus mecanismos de perpetuação, Butler quis recordar alto e claramente sua condição de feminista, afirmando que continuaria sendo assim até que fosse necessário. É importante destacar que ela defendeu Estados pouco invasivos e respeitosos com as diferenças, e a necessidade da convivência como único caminho, para o qual se impõe a aceitação da diversidade e o rechaço à atual tendência direitista que paira sobre a Europa e os Estados Unidos.
Diante deste cenário, o espaço de pensamento que Butler está tecendo se erige como uma grande esperança, pois tem como ambicioso objetivo convidar a uma verdadeira transformação política e social que implica “aprender a viver e a abraçar a destruição e a rearticulação do humano em prol de um mundo mais amplo e, em última instância, menos violento, sem saber de antemão qual será a forma precisa que toma e tomará nossa humanidade”, tal como afirma em Undoing Gender.
Se não se desviar desse rumo, no final a consequência será que a política queerterá servido para formular de maneira inclusiva um pacto que dinamita a subordinação de todos os grupos desfavorecidos, sejam mulheres, imigrantes ou minorias sexuais. E isso, queiram ou não, seria um motivo de grande alegria para nós que entendemos o feminismo como peça imprescindível para a construção de um mundo mais justo.
Mª Ángeles Cabré, escritora e crítica literária, dirige em Barcelona o Observatório Cultural de Gênero (OCG). É autora de A Contracorriente. Escritoras a la Intemperie del Siglo XX (Editorial Elba).
JUDITH BUTLER FARÁ PALESTRA EM SÃO PAULO
Judith Butler fará palestra no Sesc Pompeia em São Paulo em 7 de novembro como parte do seminário "Os Fins da Democracia / The Ends Of Democracy", organizado pelo Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, em colaboração com a Universidade da Califórnia, Berkeley. A conferência vai debater a onda de movimentos populistas pelo mundo e os desafios que isso representa para a democracia liberal.
O evento, gratuito, já tem entradas esgotadas e provocou um movimento de protesto de grupos conservadores, que rejeitam Butler atribuindo a ela difusão da "ideologia de gênero". Em reação, centenas de pessoas começaram a postar mensagens de avaliação positiva na página do Sesc Pompeia, que, questionado, decidiu não se pronunciar sobre a controvérsia.ntes desafios políticos. Organizado pelo Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, em colaboração com a Universidade da Califórnia, Berkeley, é o segundo encontro do ciclo de conferências do Convênio Internacional de Programas de Teoria Crítica.
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