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segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Não fique feliz por mim

O que a gente sente pelas pessoas que passaram pela nossa vida é mais complicado do que as nossas palavras sugerem

IVAN MARTINS
18/10/2017

Era uma noite de sábado. Sozinho, e me sentindo solitário, liguei para a moça que sempre aceitava os meus convites, mas desta vez ela recusou. “Estou namorando”, me disse, com um tom de triunfo na voz. Em vez de demonstrar contrariedade, como achei que ela desejava, resolvi magoá-la. “Estou muito feliz por você”, disse, com falso entusiasmo. “Espero que dê muito certo. Você merece.”

Nunca mais nos falamos. Acho que se eu tivesse me comportado com afeto, mostrando que me incomodava por deixar de vê-la, haveria chance de que ela voltasse a me procurar ou atendesse minhas ligações. Mas, ao agir como agi, eu sugeri nas entrelinhas que não ligava a mínima para a companhia dela, e que tê-la ou perdê-la não fazia a menor diferença. Não era verdade, mas, por alguma razão sádica, foi a impressão que eu escolhi passar.


Com base nessa experiência e em algumas outras, nas quais fui a parte esnobada, cheguei à seguinte conclusão: não deseje felicidades conjugais a quem gostou de você, ainda que o sentimento pareça verdadeiro e que suas palavras carreguem a melhor das intenções. Diante da novidade, tente dizer algo que não reflita alívio ou alegria. Nesse momento bonito da vida do outro, seu desapego pode não ser bem recebido.

Quer dizer, então, que a gente tem de fingir que está chateada porque alguém que a gente não ama está namorando ou casando, para que a pessoa se sinta valorizada?

Não, não precisa fingir chateação, mas é desnecessário dizer “estou muito feliz por você”, pela simples razão de que não costuma ser verdade. Ao ouvir que seu ex estava namorando você ficou tão feliz que teve vontade de sair dando a notícia para todo mundo? Tão feliz que aumentou a música do telefone e dançou cinco minutos de meia, no meio na sala? Tão contente que passou o resto da tarde sorrindo, enquanto trabalhava? Acho que não.

O que a gente sente pelas pessoas que estiveram em nossa vida raramente é simples. Por trás de toda raiva costuma haver um resto de desejo, e amizades desinteressadas entre ex-parceiros também revelam marcas de atração. Mesmo a indiferença, aquela que se apresenta como o contrário do amor, raramente é pura: a gente diz que não liga, que nem lembra mais, mas, na verdade, um pedaço de nós continua ligado àquela antiga pessoa. Tão ligado que é preciso dizer a ela que a sua nova felicidade não nos incomoda, muito pelo contrário, imagine, estou muito contente, torcendo por você.

Ahã.

Se fôssemos sinceros, talvez nossa resposta à mudança de status amoroso dos outros soasse menos efusiva. A gente talvez dissesse: “Você está feliz? Que bom”. E ponto final, porque, nessas horas, o que circula dentro de nós não é genuína alegria, não é exatamente contentamento. É uma sensação estranha em que a melancolia se mistura com o alívio por ver o outro recomeçar. Sim, porque a gente sente culpa quando faz os outros sofrer. Ao mesmo tempo, temos algum prazer com o seu desejo por nós, e com a sua sujeição emocional. É complicado.

Há diferença entre desejar o bem das pessoas e ficar feliz com a felicidade delas, mas a nossa maneira de falar mistura as coisas. A gente diz “estou feliz por você” quando talvez quisesse dizer “desejo que você seja feliz”. São coisas distintas, não? Às vezes, a felicidade do outro pode nos deixar tristes, invejosos ou enciumados, mas a gente sabe (ou deveria saber...) que não tem direitos nessa situação. Se a gente não tem para dar o carinho que a pessoa deseja, se a gente não quer partilhar a vida com ela, que bom que ela se apaixonou por alguém que pode oferecer isso tudo – mesmo que a nova situação acabe com o nosso prazer e feche aquela porta que parecia sempre aberta.

Quando alguém que nos amava anuncia que está namorando ou vai se casar, portanto, não é o caso de soltar rojões ou sair dando saltos na rua. É melhor abaixar a cabeça, meter as mãos no bolso e caminhar pela rua em silêncio, com um sorriso de autocomiseração nos lábios.

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