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sábado, 24 de fevereiro de 2018

“É preciso mostrar que para resolver problemas, a gente precisa de capital humano bem preparado”, afirma coordenadora da Febrace

Segundo Roseli de Deus Lopes, as feiras de ciências são uma grande oportunidade de apresentar à comunidade o que as escolas têm feito e que, com investimentos adequados em educação, ciência e tecnologia, podemos resolver nossos problemas de maneira eficiente
Roseli de Deus Lopes, coordenadora geral da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), que este ano completa 16 anos, falou ao Jornal da Ciência sobre a importância do evento para o desenvolvimento dos alunos nas áreas de ciência e tecnologia. O evento, que será realizado em março na Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP), reúne projetos de quase mil alunos de escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio de todo o País.
Segundo ela, muitas vezes os melhores projetos surgem de estudantes que buscam soluções para problemas do seu dia-a-dia. Ela, que também é diretora da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), afirma que os professores fazem a diferença quando se envolvem com as ideias das crianças e valoriza a investigação e a autoria do aluno. “Observamos na Febrace que o aluno que tem o melhor desempenho é aquele que teve liberdade”, diz.
Na entrevista abaixo, ela fala sobre a responsabilidade de criar uma cultura de valorização da educação, da ciência e da tecnologia entre as novas gerações e diz ainda que este evento mostra que temos condições de ser protagonistas, se tivermos os investimentos adequados. “É preciso mostrar que para resolver problemas, a gente precisa de capital humano bem preparado”, ressalta.
Jornal da Ciência – Neste ano será realizada a 16ª edição da Febrace: quais são as expectativas e as novidades para esta edição?
Roseli de Deus Lopes – A gente vem num processo contínuo de aprimoramento. Usamos o método da pesquisa científica na Febrace, porque a cada ano refinamos nossas hipóteses, nossas estratégias, de acordo com os resultados. Ou seja, a cada ano a gente verifica o que precisamos mudar e trabalhamos na campanha. Como, por exemplo, se temos poucos jovens de cada região; se há mais meninos e meninas em determinadas áreas. Usamos os resultados para seguir na direção que pretendemos.
Uma das coisas que conquistamos para este ano é que na última semana de fevereiro vamos fazer um evento na USP focado em gestores de secretarias de educação do Brasil inteiro. Com a parceria com a Embaixada Americana, vamos trazer 27 gestores indicados pelas secretarias estaduais e também do Distrito Federal, professores de todo o País que são ativos nessa área de desenvolver estratégias interessantes de aprendizagem voltada para ciência, tecnologia e a matemática. Queremos professores que não só estivessem trabalhando em feiras de ciência, desenvolvendo pesquisa na escola, mas que tivessem outros tipos de iniciativa com o intuito de melhorar o ensino de ciência na educação básica. Dessa forma, vamos juntar estes grupos para que juntos façamos uma série de dinâmicas para encontrarmos soluções de como melhorar o ensino de ciência e tecnologia no País. Vamos também fazer dinâmicas focadas na Febrace para mostrarmos como usar essas feiras de ciência – que têm visibilidade – como indutoras de mudança na escola. Porque quando a gente dá visibilidade às feiras de ciência, todos se encantam. Essas feiras mostram que estamos conseguindo resolver problemas da comunidade e que os alunos estão descobrindo coisas diferentes. E eles, na verdade, estão gerando conhecimento cientifico. Ou seja, precisamos saber como combinar essas diferentes estratégicas considerando o avanço das tecnologias. Claro que temos alguns desafios no País, mas mesmo as pessoas de baixa renda têm acesso à internet, e precisamos usar as tecnologias a favor da construção do conhecimento, desse empreendedorismo em ciência e tecnologia, para que o aluno busque as melhores oportunidades de carreira.
Neste evento, vamos ter a presença de alguns profissionais de um grupo chamado “Mais unidos”, que é um grupo de empresas americanas estabelecidas no Brasil. Eles vão trazer temas de interesse para discutirmos em uma mesa-redonda. Ou seja, vamos discutir temas de como está o mercado de trabalho, a questão da flexibilidade, da necessidade de estar aprendendo sempre. Isso sempre foi importante, mas está cada vez mais em foco. A ideia é fazer com que esses professores e gestores de secretarias tenham a oportunidade de conversar com pessoas que estão em empresas e que patrocinam programas voltados para educação. Não só para eles trocarem informações, mas para, quem sabe, viabilizarem algum projeto. Dessa forma, os professores e gestores vão conhecer o tipo de linguagem e aprender o que é necessário para conseguir o apoio de uma empresa, e assim, direcionar o aluno.
JC – A Febrace atinge o País todo ou há regiões que participam mais?
RDL – Ainda temos um número pequeno de submissões de estados no Norte e Nordeste. Mas temos mudado as estratégias para fortalecer algumas unidades da federação para que haja um equilíbrio.
JC –     Desde a sua criação, a Febrace estimulou novas feiras de ciência pelo País e tem influenciado o interesse das crianças pela carreira científica. Como a senhora avalia o impacto desse evento ao longo desses anos? Como ele cresceu e qual a dimensão dele hoje?
 RDL – Num primeiro momento queríamos fazer a feira itinerante. Mas depois decidimos, como estratégia, fazer na cidade universitária, da USP, onde temos mais oportunidade de contato com os meios de comunicação e assim atingir um número maior de pessoas. Aqui em São Paulo temos acesso há vários canais de comunicação e conseguimos divulgar mais nosso trabalho, além de criar uma rede de feiras. Hoje temos 130 feiras credenciadas, avaliadas todos os anos. Mas entendemos que a gente precisa ter esse tipo de trabalho em todos os estados. Por isso, precisamos fortalecer as feiras, principalmente as estaduais. As feiras de ciência são uma grande oportunidade de mostrar para a comunidade o que a escola tem feito. Temos um número limitado de feiras credenciadas porque decidimos que metade das vagas da Febrace é para alunos que vêm dessas feiras afiliadas. E a outra metade a gente deixa para quem se inscreve pelo sistema aberto online, assim, qualquer um tem a oportunidade de participar, porque temos lugares que não há feiras estaduais. Temos registrado um aumento no número de feiras que querem ser credenciadas.
O papel do professor é fundamental, mas, às vezes, ele não está preparado para esse tipo de trabalho, então quem leva a provocação para dentro da sala de aula são os próprios alunos. Muitas vezes o estudante ouviu falar sobre alguma feira e fala que quer participar. Temos no nosso site um curso online voltado para aquele estudante e professor, explicando o que é orientar um projeto de pesquisa cientifica e tecnológica na escola, como que se começa um projeto. Há também outro curso online (na www.febrace.org.br/apice) que é voltado para os professores explicando o porquê de fazer uma feira de ciência na escola e como fazer; o que é essa abordagem investigativa; por onde começar. Damos dicas, e uma delas é que o professor pode começar no tamanho que é possível. O mais importante é que ele consiga fazer com os valores adequados. Que valorize aquilo que é investigativo. Que valorize a autoria do estudante. O professor deve ser provocador, mas o aluno é que deve ser o autor. Queremos desenvolver o potencial do aluno.
A gente percebe que com esses canais, muitos estudantes tomam a iniciativa. E percebemos também que estamos contribuindo para uma mudança de cultura. Quando conseguimos atingir, por meio da mídia, outros públicos, como, por exemplo, as empresas, ficamos felizes. Colecionamos diversas histórias nesses 16 anos, como um aluno que tinha a vontade de participar da Febrace e não tinha idade para isso. Quando pode, ele participou de três edições. Ganhou prêmio em feira internacional nos Estados Unidos, ficando em primeiro e segundo lugar. Quando um jornal importante vem e mostra isso, desperta a vontade de outros estudantes a participarem.
JC-      Uma questão bastante discutida hoje em dia é a importância de estimular as meninas a se interessarem pela ciência. Como a Febrace tem contribuído nesse sentido?
RDL – A gente tem desequilíbrio em várias carreiras. Há algumas profissões de humanas e saúde em que os meninos não aparecem. E tem áreas de exatas, que o número de meninas é menor.  E isso não existe só no Brasil. Isso envolve questões culturais, desde os brinquedos infantis. Há uma ideia de que profissões que são para cuidar de pessoas são para as meninas. Eu acho que as escolhas no ensino médio são colocadas na cabeça das crianças. Para tentar estimular mudanças, temos prêmios especiais, como a mulher na tecnologia. Mas, acho que deveríamos ter prêmios para meninos em algumas áreas onde eles são minoria. A diversidade em todos os aspectos é extremamente importante em todas as profissões.
No começo a grande parte das submissões era de meninos, mas isso vem mudando. Porém, ainda hoje o número de professores orientadores é maior do que de professoras orientadoras. Ainda temos uma diferença quando os projetos são mais voltados para exatas e engenharia, mas as meninas estão aparecendo cada vez mais. O número de meninas vem subindo e não é por acaso. Além de prêmios de tecnologias, temos divulgados nas mídias casos que queremos chamar a atenção, para assim estimular. Então, se tenho um projeto na área de engenharia feito por meninas, a gente tenta divulgar isso. Nas campanhas, tentamos dar visibilidade para aquilo que queremos chamar a atenção. Tem uma professora do estado de São Paulo, uma mulher negra, que se dedica à educação básica e consegue fazer com que os jovens cresçam. E para a gente isso é importante porque ela é um exemplo para outras mulheres. Tem um grupo de meninas que estudam engenharia no Sul e que nunca acharam que iriam seguir na área de exatas. E se enveredaram após uma delas tentar resolver um problema de saúde que tinha na infância. Como na época era difícil encontrar a veia para fazer exames de sangue, ela acabou desenvolvendo um aparato tecnológico para ver a imagem da corrente sanguínea.
JC –     A feira também tem impactos nos professores, estimulando novas práticas pedagógicas. O que os professores podem aprender com essas experiências? Como um professor pode despertar a paixão por ser cientista nos alunos?
RDL – A gente tem casos de professores que não tiveram a oportunidade de carreira muito grande. Mas com o instrumental que damos, mostramos que eles são capazes para desenvolver a curiosidade dos alunos, de estimular o estudante a ter autoconfiança, a formular boas perguntas e criar autonomia para buscar informações e assim fortalecer a sua base de confiança e articulação. Mostramos que o estudante é capaz de ir mais longe do que você (professor) foi. A maioria dos professores que consegue credenciar projeto para a Febrace está aprendendo e crescendo junto com os seus alunos. A gente fala para o professor que ele precisa garantir a segurança de seu aluno em todos os aspectos (físico e emocional), além de desenvolver um projeto respeitando os princípios éticos. O professor precisa orientar porque os alunos são muitos jovens e podem fazer algo inadequado. Nós da Febrace defendemos que o professor deve usar a abordagem investigativa em tudo que ele faz na sala de aula. Ao invés dele falar de um tema como uma verdade absoluta, ele pode fazer um experimento. É muito mais interessante. Estimula. Há vários projetos, como, por exemplo, o “Mão na massa”, que segue essa linha. A proposta da Febrace é dar um passo adiante. É preciso perguntar ao aluno o que ele quer descobrir. Há muitos professores que vêm para a feira e dizem que muitos alunos têm ideias complicadas e que eles não vão dar conta de orientar. A gente orienta esse professor e deixamos claro que esse é o maior desafio. Deixar que o aluno busque o que o interessa, porque ele aprenderá com o próprio estudante. Porque ao tentar ir para um objetivo ousado, ambos vão observar coisas na prática. Vão entender que é preciso ter metas intermediárias. Ele vai observar os resultados.  O aluno vai aprender que é preciso seguir o método da pesquisa científica, para, assim, ir se aprimorando. Essa etapa inicial é a mais importante. Quando o professor não deixa o aluno seguir no caminho que ele queria, a motivação não é a mesma. Observamos na Febrace que o aluno que tem o melhor desempenho é aquele que teve liberdade.
JC –      Como é proporção de alunos de escolas públicas e privadas?
RDL – Uma das metas desde o início é que nunca deixaríamos que o número de escolas públicas fosse menor que 50% dos participantes. Mas, a gente nunca precisou forçar a barra para isso. No Brasil, mais de 80% das escolas são publicas. Como a nossa iniciativa é de abrangência nacional, sempre valorizamos a questão da autoria do aluno. E temos recebido submissões bem interessantes que são daqueles alunos que não vivem numa ‘bolha’ e que precisam solucionar problemas reais.
JC –   No atual ambiente de cortes orçamentários, qual a importância de um evento como a Febrace para o fortalecimento da ciência no Brasil?
 RDL – Vivemos num momento de absurdo. Em momento de crise não podemos reduzir investimentos. Os investimentos são importantes para resolver os problemas de educação, ciência e tecnologia. Por isso, esse evento é muito importante, porque mostramos que podemos ser protagonistas e que podemos resolver nossos problemas de maneira eficiente. E tenho certeza de que alguns desses jovens serão gestores, empresários e temos a responsabilidade de ensinar essa cultura de valorização da educação, da ciência e da tecnologia. É preciso mostrar que para resolver problemas, a gente precisa de capital humano bem preparado.
Vivian Costa – Jornal da Ciência

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