Projeto Caretas usa personagem ficcional para um debate muito real: como educar e informar sobre as consequências de compartilhar imagens íntimas
São Paulo – Em nosso primeiro contato, Fabi Grossi, de 21 anos, disse que precisava desabafar. Ela conta, no Facebook Messenger, que seu ex-namorado divulgou um vídeo íntimo dos dois para “uma galera” e que ela não sabe o que fazer. “Será q eu tenho q falar com os meus pais já?”
Ela diz que por conta disso dormiu pouco no dia anterior e teve que usar bastante maquiagem para disfarçar. Em nossos primeiros minutos de conversa, ela usa alguns emojis, além de gírias. Veja algumas passagens da conversa abaixo.
Mas Fabi Grossi não existe.
A garota, que não passa de um personagem de ficção, é parte do novo projeto da Unicef para debater as consequências do compartilhamento de imagens íntimas sem consentimento. “Esse projeto oscila entre a ficção e a realidade”, explica Florence Bauer, representante no Brasil da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), em uma coletiva realizada na sede do Facebook em São Paulo.
Ficção porque a história de Fabi é apenas uma invenção em forma de roteiro. Realidade porque a história de Fabi se assemelha a muitas outras que aconteceram para valer na internet.
A narrativa usa princípios de inteligência artificial para construir e desenvolver a história de Fabi. Por meio de texto, fotos e até mensagens de áudio, Fabi compartilha o seu drama pessoal e faz perguntas a quem conversa com ela. “vc conhece alguém q tbm tá nessa bad?”
A história muda e se adapta às respostas de quem interage com a robô. “Não é simplesmente Netflix. Aqui você pode ter e emitir uma opinião”, diz Nicolas Ferrario, co-fundador da Sherpas, empresa argentina que trabalhou na criação de Fabi.
Durante a conversa, a personagem comenta sobre como fazer denúncias desse tipo de situação, sugerindo a linha de ajuda online, a helpline, da organização Safernet como uma possibilidade.
Ao final da conversa, o usuário pode optar por responder a algumas perguntas. Esses dados e outros da conversa são coletados de forma completamente anônima. Eles serão usados pela Unicef para entender melhor quais são os pontos relevantes dessa conversa e como trabalhar melhor assuntos como esse com adolescentes.
Para iniciar uma conversa com a Fabi, aliás, basta visitar a página do Projeto Caretas e iniciar um chat.
Canal de comunicação
O projeto é o primeiro da Unicef no mundo a usar essa estratégia no Facebook Messenger. A organização afirma que já pensa em traduzir e adaptar o material para que ele chegue a outros países. O Messenger acaba sendo um canal relevante de comunicação com jovens e adolescentes. O foco no Caretas é em adolescentes a partir de 13 anos.
Um levantamento compartilhado pela Unicef mostra que 1 em cada 3 usuários da internet tem menos de 18 anos. “Esse é um contexto de aumento exponencial no acesso”, diz Florence Bauer.
A representante da Unicef ainda ressalta a importância de que esse tipo de ação seja feito em um ambiente familiar e em linguagem próxima à do público alvo. Uma versão preliminar do roteiro e de falas de Fabi foi categorizada como coisa de “tiozão” por adolescentes que tiveram contato com a robô antes de que estivesse pronta.
A Unicef já vislumbra o uso dessa ferramenta na discussão e no debate sobre outros assuntos relevantes à criança e ao adolescente.
Primeiras impressões
O projeto foi testado com 7,4 mil adolescentes de todo o país entre junho e novembro do ano passado. Algumas dessas primeiras avaliações podem ser vistas na página do Projeto Careta.
Adolescentes compartilham a experiência de conversar com Fabi. Os comentários são majoritariamente positivos e falam sobre o quão convincente a personagem é.
Os usuários de testes trocaram 1,6 milhão de mensagens com Fabi. Pouco mais de 40% chegou até o final da história. A conversa toda leva cerca de 48 horas para ser concluída, se o grau de interação com a personagem for alto—pode levar mais tempo caso o usuário demore a responder.
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