As relações estão mudando rápido demais, e nossos sentimentos têm dificuldade em acompanhá-las
IVAN MARTINS
21/02/2018
Um cara me contou, faz uns dias, que desistiu de transar com uma moça que conhecera no aplicativo porque ela era “muito cabeça”, quer dizer, não tinha 30 anos, mas já acumulava um monte de títulos universitários. Ele ficou intimidado com a conversa erudita e com o currículo da garota.
Outro conhecido, menos jovem, perdeu a namorada no Carnaval porque não conteve o ciúme diante dos trajes e da alegria dela. Ele reclamou tanto, fez tanta cara feia, portou-se tão mal que ela perdeu a paciência e mandou ele passear antes da Quarta-Feira de Cinzas, deixando claro que a liberdade dela vinha antes do resto.
Eu escuto essas coisas, penso nas minhas próprias experiências e sinto um frio na barriga. Concluo que vivemos tempos difíceis. As relações estão mudando muito rápido, e nossos sentimentos têm dificuldade em acompanhá-las.
O rapaz que se assustou com o intelecto da moça é um entre os milhões que vão passando pela mesma situação. Em toda parte, no Brasil como no Irã, mulheres vão se educando mais e melhor do que os homens, fazendo com que eles percam aquela segurança antiga (e frequentemente falsa) de saber do que estavam falando. Agora, elas também sabem, por isso respondem, contestam, explicam. O sujeito que antes se sentia poderoso e falava sozinho vai se encolhendo e ficando menor à medida que escuta. Muitas vezes, vai embora para evitar sentir-se humilhado.
Basta olhar na rua para perceber, também, que o conflito de Carnaval enfrentado pelo meu outro conhecido é parte da rotina contemporânea.
Nós, homens, estávamos acostumados a uma certa docilidade feminina. Não precisava ser escancarada, mas estava implícito que a mulher adequaria o seu comportamento ao temperamento e às vontades do parceiro: jeito de se vestir, forma de se portar, maneira de se conduzir em relação aos outros homens. O importante era evitar que o homem se sentisse inseguro ou ameaçado, antes ou depois do Carnaval.
Agora não é mais assim.
Garotas instruídas e poderosas estão fazendo as coisas do jeito delas e bancando os conflitos que isso possa provocar na relação com maridos e namorados. Mandando-os passear, se for o caso, como aconteceu com o meu conhecido.
Eu não imagino, nem por um minuto, que esse comportamento das mulheres seja livre de conflitos. Deve haver uma parte da mente feminina que diz que elas têm de aquiescer, que têm de aceitar, que têm de se subordinar para não perder o cara. Esse pedaço da alma feminina é do tamanho da porção masculina que exige respeito, obediência e fidelidade em todos os sentidos possíveis e imagináveis. Para acontecer um encontro moderno, a parte ancestral dos homens e das mulheres tem de ser posta de lado – exceto nas ocasiões em que ela possa ser consensualmente convocada, como na intimidade sexual.
Se alguém me disser que a moça que mandou o cara embora para pular o Carnaval não gostava dele, eu digo que talvez gostasse, mas que há coisas mais importantes do que gostar, como os homens sabem há séculos. Quantas vezes você não ouviu a história do cara que estava caído pela mulher, mas desistiu dela quando percebeu que se tratava de uma controladora vocacional, daquelas que não se contentam enquanto não escravizar o sujeito às vontades dela? Essa é uma história comum porque os homens sempre recusaram a sujeição afetiva. Agora, as meninas estão fazendo o mesmo.
O bom senso recomenda que, diante dessa situação, nós, homens, simplesmente abaixemos a cabeça e aceitemos os fatos como são: as mulheres querem liberdade e têm direito a ela; as mulheres querem igualdade de tratamento e têm direito a ela. Nós, homens, temos de aprender a lidar com a nossa insegurança. Quando isso não for possível, devemos renunciar a quem exige mais do que podemos oferecer ou tolerar.
Se isso é racionalmente óbvio, emocionalmente, não é. A alma humana vacila.
É difícil aceitar aquilo que nos relacionamentos assusta ou faz sofrer. Involuntariamente, a gente resiste. Silenciosamente, a gente contesta. Quietamente, sabotamos aquilo que no outro incomoda ou ameaça. Não basta uma decisão da vontade para mudar esse comportamento. Se não houver algum tipo de transformação, algum processo de alteração de sentimentos, as relações dolorosas se tornarão gradualmente insustentáveis. Ou a mulher cede ao controle do sujeito, e adoece de humilhação e de raiva, ou o macho amedrontado põe o rabo entre as pernas e vai embora, atrás de convivência mais fácil. Afeto e afinidades são deixados para trás.
São tempos difíceis, como eu disse. Na fronteira dos tempos e das transformações, onde nos encontramos, as subjetividades se tornam vulneráveis. Já não basta viver um dia depois do outro. É preciso encontrar novos caminhos, conviver com a dúvida, tolerar o sofrimento, suportar a angústia, insistir naquilo que é certo, livre e belo. Sobretudo, é necessário amar sem ter certeza – mas, ainda assim, amar.
Da minha parte, vivo imerso nas experiências do meu tempo e agradeço todos os dias por estar vivo, duvidando e aprendendo. Talvez não haja outra forma de existir nos tempos que nos cabem. São tempos de duvidar. Tempo de estar alerta e apaixonado. Tempo de acreditar na própria liberdade e na liberdade do outro, como um voto de cumplicidade inviolável.
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