Ela começou a nadar aos 14 e, aos 17, já colecionava medalhas no Mundial para deficientes intelectuais
El País
DIOGO MAGRI
São Paulo
Em qualquer esporte de alto nível, anos de treinos e aperfeiçoamentos são necessários para o sucesso. Ganhar uma medalha de ouro e quebrar recordes são feitos para uma parcela mínima de atletas que dedicaram boa parte de suas vidas à prática esportiva. Stephanie Ariodante, 17 anos, contradiz um pouco as regras. Ela foi recordista mundial em três provas no Mundial de Natação da Federação Internacional de Esportes para Pessoas com Deficiência Intelectual (INAS, em inglês) do ano passado, competição na qual o Brasil saiu como campeão geral. Stephanie é deficiente intelectual, não tem a visão do olho esquerdo e começou a praticar natação aos 14 anos de idade.
“Minha mãe diz que comecei a nadar como um peixe”, conta Stephanie, se referindo à primeira vez que competiu no esporte, em uma seletiva estadual para as Paralimpíadas Escolares em São Paulo, já com 14 anos. “Desde criança, eu pedia para me levarem na piscina. Queria ficar na água, mas não nadava tanto [quanto hoje]. Acho que é um dom”. A ideia para começar no esporte veio da mãe, que, depois de sofrer vendo a filha com receio de sair de casa, viu um anúncio em um jornal de mercado: “esportes para crianças com deficiências”. A partir daí, a colocou em contato com treinadores que dariam uma nova perspectiva de vida para Stephanie.
Antes da natação, a infância, rodeada de preconceitos, foi difícil. “Sofri muito bullying na escola e, por isso, não queria mais estudar”, diz a atleta. Os problemas com o pai, que não aceitava sua condição, pioravam. “Uma vez, quando eu era criança, escutei ele falar para a minha mãe: ‘Que merda que Deus deu uma filha doente mental’. Hoje nós nem nos falamos mais”. E o amadurecimento que hoje permite Stephanie falar sobre o assunto veio do apoio materno e da relação com o esporte. “Minha mãe sempre me ajudou. E a natação mudou a minha vida. Hoje eu lido de uma forma diferente com a deficiência por causa do esporte”.
Inserida no meio da natação, a agora esportista não demorou a embarcar na rotina de treinos, seletivas e campeonatos. O auge foi em dezembro passado, no Mundial da INAS, no México. Individualmente, Stephanie foi quinta colocada no 50m livre e quarta no 100m livre, obtendo seu melhor tempo pessoal nas duas provas. Mas o ouro brilhou no revezamento. Ao lado das irmãs Beatriz e Débora Carneiro e de Ana Soares, a nadadora quebrou os recordes mundiais no 4x50m livre, 4x50m medley e 4x100m livre, além de uma prata no 4x200m livre e bronze no 4x100m medley, nestas ao lado de Kelly da Silva. “Foi emocionante subir no pódio, nunca vou me esquecer”. O Brasil acabou campeão geral do Mundial, com 30 ouros, 11 pratas e 6 bronzes.
Roberto di Cunto, coordenador técnico da equipe de natação no Mundial através da Confederação Brasileira de Desportos para Deficientes Intelectuais (CBDI) e treinador de Stephanie por meio da Associação Paradesportiva JR, comenta a importância do resultado para o esporte paralímpico brasileiro. “Foi muito expressivo. Disputamos mundiais desde 2004 e nunca tínhamos chegados nem perto [do primeiro lugar]”. Roberto explica que os esportes para deficientes intelectuais ficaram fora das Paralimpíadas por 12 anos (de 2000 a 2012) e, por isso, poucos recursos eram voltados à categoria; a consequência foi um período difícil. “Agora, nosso ciclo é totalmente novo; temos só dois atletas com mais de 20 anos. O mais bacana foi que o resultado nos fez ganhar respeito nacional e internacional. Claro que a responsabilidade aumenta, mas não tem mais desconfiança”, comemora.
"Tem que ganhar e perder. Se não, não é vida”
Ao falar do trabalho da CBDI, Roberto di Cunto reforça a ideia do esporte usado como agente de inclusão social para pessoas com deficiências. “Nós nunca pensamos só no rendimento, apesar de sermos cobrados por isso. Nosso intuito sempre foi abrir as portas para mais pessoas”, explica o coordenador. Ele também comenta que a confederação foi a primeira a fazer uma categoria específica na natação para atletas com síndrome de down; nas competições oficiais, estes atletas precisam disputar com outros tipos de condição especial intelectual, mesmo apresentando mais limitações físicas. “A oportunidade que damos para eles é tão importante quanto o resultado. A inclusão é um dos nossos pilares”, afirma Roberto. “O mais bacana é ver essa valorização deles. Ver o aumento da independência e da autoestima”.
Stephanie conta que tem como objetivo as Paralimpíadas de Tóquio, em 2020, quando terá 20 anos. Depois, já terminado o ensino médio, quer entrar em uma faculdade. “Educação física, claro”, diz, rindo. Mas, quando perguntada sobre o maior sonho, ela não fala em glórias no esporte. “Quero montar uma associação voltada para crianças com deficiência intelectual. Fazer um clube para nós”. Tem medo que algo atrapalhe seus planos? “Posso cair mil vezes que eu vou me levantar as mil vezes. A graça da vida não é só ganhar. Tem que ganhar e perder. Se não, não é vida”.
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