IstoÉ
Antonio Carlos Prado
17/ago/18Há quem seja a favor, há quem seja contra, e dificilmente os dois lados mudam de opinião. Temos, democraticamente, de respeitá-los: acolher os posicionamentos mantendo o diálogo. Estamos falando da interrupção voluntária da gravidez, por livre manifestação de vontade da gestante ou, na hipótese de seu impedimento, por intermédio de quem legalmente a represente (não nos referimos à gravidez advinda de estupro ou que coloque em risco a vida da mãe). Assim, foi democrática a iniciativa da ministra do STF Rosa Weber ao abrir o debate sobre a questão por meio de audiências públicas, reunindo entidades religiosas, comunidades científicas e o Ministério da Saúde.
É preciso, no entanto, atentarmos para um ponto: ainda que o STF tenha a sensibilidade social de promover tais audiências, não cabe a ele decidir sobre a descriminalização do aborto voluntário no Brasil. A condição de inviolabidade do direito à vida está no artigo 5º da Constituição. Mais: integra o Código Civil, que salvaguarda a vida intrauterina. Fica claro, assim, que o repeito aos princípios republicanos impõe que somente o Poder Legislativo pode alterar a situação jurídica em que o aborto se encontra no Brasil. É impossível um poder invadir o outro sem ferir a tripartição dos poderes. E, mesmo no campo Legislativo, a questão não se resolve por meio de Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Por ser cláusula pétrea da Constituição, é necessária a formação de uma assembleia constituinte.
Eu não estou endossando nesse artigo posicionamento favorável ou contrário ao aborto voluntário. Proponho, isso sim, que o assunto seja melhor debatido para que se alcance o estágio ideal de cuidados clínicos com a mulher e de cuidados éticos no sentido de ela ter maior conhecimento do próprio corpo e autonomia em suas escolhas. Claro que abortos ocorrem diuturnamente sem a menor assepsia. Mas, ainda que caiam todas as restrições legais, restam algumas reflexões. Onde essa mulher, pobre, que hoje se infecta, iria abortar? No SUS? Francamente, o bebê nasceria, cresceria e se tornaria gente grande até a fila do SUS andar. Há quem assegure que ela seria atendida imediatamente para evitar que se contaminasse em procedimentos clandestinos e implicasse mais despesas à saúde pública. Pode até ser verdade, mas, sempre que se fala em SUS, é bom ter cautela. Sem um sistema público de saúde ágil e eficaz, a mulher seguiria abortando em lugares imundos. Cabe então ao Estado, à comunidade científica, às entidades representativas dos legítimos direitos da mulher (a todos nós, enfim) encontrar respostas para tais questões. Detalhe: sem ar de nonchalance, sem resvalar no moralismo, mas também sem resvalar em abstratos ideais.
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