Pesquisas realizadas entre jovens indicam que a cultura do machismo e a violência contra a mulher no Brasil podem ser diminuídas por meio de processos educativos
Lu Sudré
A cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgados em 2015. A violência de gênero atinge centenas de mulheres diariamente de diversas formas: assédio, violência doméstica, feminicídio, cultura do estupro, machismo, entre outros. Ela perpetua-se na sociedade e constroi um mundo cada vez mais perigoso para o gênero feminino.
“Podemos identificar a violência de gênero desde suas expressões mais sutis no cotidiano, como as 'cantadas' ouvidas pelas mulheres nos espaços públicos, a objetificação de seus corpos, a ausência de mulheres ocupando espaços de poder até ações de extrema violência como nos casos de violência sexual, física e nos casos de feminicídios”, afirma Marina Milhassi Vedovato, psicóloga e mestra em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Saúde na Infância e Adolescência da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp).
Marina define a violência de gênero como a expressão de uma sociedade regida pela ordem patriarcal, ou seja, regida pela dominância masculina. A psicóloga menciona Heleieth Saffioti, socióloga marxista brasileira e estudiosa da violência de gênero. “Para Heleieth, a violência de gênero é uma forma específica de violência que atua no propósito da preservação da organização social de gênero que se fundamenta na hierarquia, nas desigualdades sociais e sexuais”, explica.
Em sua pesquisa de mestrado, intitulada Um Olhar sobre a Violência Sexual nas Práticas Educativas Escolares: Prevenção da Violência de Gênero e da Violação do Corpo Feminino e orientada pela professora Maria Sylvia de Souza Vitalle, a psicóloga aplicou ações educativas a 72 alunos de ambos os sexos, da 6ª e 7ª série do ensino fundamental de uma escola localizada no distrito de Guaianases, extremo leste do município de São Paulo.
A ideia principal do estudo foi incentivar o protagonismo juvenil para que os adolescentes pudessem atuar no enfrentamento da violência de gênero dentro e fora da escola, promovendo um processo de desnaturalização da desigualdade de gênero. A pesquisa foi baseada em metodologia participativa fundamentada em vivências, técnicas lúdicas, dinâmicas de grupos e recursos audiovisuais que fomentaram a discussão de gênero sob a forma de oficinas.
A fim de avaliar o impacto da intervenção na construção de um processo de desnaturalização da desigualdade de gênero, foi aplicado, antes e após as ações educativas, o questionário Gender Stereotyping, que continha perguntas como: “A maioria das mulheres gosta de ser maltratada por homens?”, “Às vezes está certo um homem bater em uma mulher?”, “Homens e mulheres deveriam ter igual responsabilidade pela criação de filhos?”, entre outras.
As respostas dos estudantes após serem submetidos às ações educativas evidenciaram uma diminuição significativa na desconstrução de estereótipos de gênero. “A pesquisa mostra que falar de gênero na escola é uma ferramenta valiosa para a prevenção da violação do corpo feminino. Além disso, desconstruir paradigmas que mantém os estereótipos de gênero é também uma ferramenta importante para prevenir a homofobia, a lesbofobia, a transfobia, o racismo e tantas outras formas de opressão”, endossa a psicóloga.
Marina Milhassi Vedovato, autora da pesquisa
A pesquisadora explica que a cultura do estupro consiste em um imaginário construído desde a infância, moldado por comportamentos sociais e sexuais em que os meninos são socializados para exercer uma sexualidade quase incontrolável e as meninas para se submeterem aos desejos masculinos. “Nessa lógica a mulher será sempre culpabilizada pelo ato de violência que vivenciou. Ora culpabilizada pela roupa que usava no momento da violência, ora por andar em via pública à noite sozinha, dentre tantos outros argumentos misóginos”, comenta Marina.
As estatísticas confirmam a análise da psicóloga. Uma a cada três pessoas ainda acredita que a vítima é culpada por ter sido estuprada. Os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, foram divulgados em setembro de 2016. O levantamento escutou a opinião de 3.625 pessoas em 217 cidades de todas as regiões do país.
Cerca de 37% dos entrevistados concordam com a afirmação de que “mulheres que se dão ao respeito não são estupradas”. Entre os homens, a opinião é defendida por 42%. A ideia de que “a mulher que usa roupas ‘provocantes’ não pode reclamar se for estuprada” foi reverenciada por 30% dos entrevistados. Para as mulheres, principais vítimas dessa violência, a história é outra: 85% delas disseram temer a violência sexual.
"Inserir a discussão de gênero nas políticas públicas educacionais, como parte integrante do currículo nacional, é uma tarefa urgente e para isso devemos enfrentar as forças conservadoras e neoliberais presentes na sociedade brasileira, principalmente as instaladas no congresso nacional", finaliza a pesquisadora.
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