Por que mais homens ainda não lutam por uma licença paternidade maior? Conversamos com empresas que admiramos para nos ajudar a investigar a questão e como transformar essa realidade
Redação PdH
07 de Agosto de 2018
Poucos momentos são tão importantes na vida de um homem como o dia no qual ele se torna pai.
De acordo com a pesquisa "Precisamos falar com os homens? Uma jornada pela igualdade de gênero", realizada pelo Papo de Homem e pela ONU Mulheres, a paternidade é um dos sete principais gatilhos de transformação dos homens.
O Instituto Promundo afirma em pesquisa sobre a Situação da Paternidade e Cuidado no Brasil que 80% dos homens no mundo serão pais biológicos em algum momento de suas vidas. E 100% deles terão alguma ligação com a vida de crianças, seja como pais, professores, técnicos, tios, padrastos, irmãos ou avós.
O Guilherme Valadares, nosso editor chefe, roda o Brasil visitando empresas e falando com homens de todas as idades sobre como, por meio da equidade de gênero, podemos transformar os homens e gerar masculinidades mais saudáveis. E um dos pontos que, não raro surge nas rodas, é como os homens possuem menos suporte para se dedicarem à família e aos filhos recém-nascidos.
Ainda segundo o Instituto Promundo, as mulheres representam 40% da força de trabalho pago no mundo, além de serem responsáveis por 50% da produção global de alimentos. No entanto, os homens realizam somente 20% do trabalho em casa, não pago.
Apesar de reconhecermos que muitos homens sequer têm a proatividade de participar, como apontado nos relatos de mulheres feitos pela hashtag #porramaridos, a realização de afazeres domésticos e cuidados de pessoas cresce entre os homens.
Ouvimos bastante em nossos cursos e palestras que vários homens sentem que é também preciso dar condições, ou os pais podem se ver obrigados a decidir entre manter o convívio com a família e os filhos ou trazer o sustento do lar. Um dilema bem complicado.
Para a pauta da equidade de gênero, então, o surgimento dessas condições teria o potencial de favorecer uma melhor divisão do cuidado e do trabalho no lar.
A licença paternidade padrão no Brasil é de apenas 5 dias, exceto para empresas que façam parte do Programa Empresa Cidadã. No caso de empresas que aderiram ao programa, a lei permite que os recém-pais possam estender o benefício por mais 15 dias, totalizando até 20 dias de licença remunerada, por meio de concessão de incentivo fiscal. Ou seja, a empresa consegue deduzir do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) o valor integral pago aos funcionários em licença-paternidade.
Além disso, requisita-se que o benefício venha acompanhado de participação em programa ou atividade de orientação sobre a paternidade oferecido pela empresa.
O Papo de Homem tem um curso com o tema da paternidade para empresas, o que consideramos parte das nossas ações para contribuir para uma masculinidade mais lúcida (e, se você, como empresa, tiver interesse, pode entrar em contato como o Felipe Ramos, nosso Diretor de Negócios, pelo email felipe@papodehomem.com.br).
Sem dúvidas, já é alguma melhora em relação ao que era antes, mas o contraste com a licença maternidade precisa ser feito. A Constituição garante um período de 120 dias, podendo ser estendido até 180 dias – ou seja, de 4 a 6 meses -, de afastamento para as mulheres que derem à luz ou adotarem uma criança.
Ou seja, apesar dos avanços, permanece uma grande disparidade no que diz respeito à distribuição desses direitos, o que denota uma compreensão de que o cuidado com os filhos ainda é essencialmente uma obrigação feminina.
É preciso reconhecer que não ter tempo para os filhos não é apenas uma questão de exercer obrigações, mas que também é uma privação. Os homens deveriam lutar para obter esse espaço e poderem participar da educação dos filhos.
Mas será que conceder alguns dias de licença é o suficiente? Só isso já melhora a relação dos pais com seus filhos?
Segundo a pesquisa IMAGES (2009), meninos criados por pais equitativos, que dividem o trabalho no lar e de cuidado, tendem a repetir o comportamento na vida adulta. Aqueles que testemunharam violência cometida contra suas mães ou cuidadoras na infância apresentam alguma disposição para reproduzir tal comportamento na vida adulta.
O relatório "A situação da paternidade no Brasil", publicado pelo Instituto Promundo em 2017, sugere que "o envolvimento dos homens no cuidado diário das crianças deve ser uma prioridade no país. Quando os homens e os meninos são envolvidos na divisão igualitária do trabalho de cuidado há benefícios diretos para suas vidas, que podem ser mais saudáveis e menos violentas. Quanto à influência na vida de mulheres e meninas, abre-se a possibilidade de que tenham maior participação na vida política, na comunidade e no mundo de trabalho."
Já há empresas no Brasil que concedem bem mais do que apenas o período padrão de licença paternidade de 20 dias.
"Desde 2016, a Natura oferece 40 dias de licença-paternidade remunerada a todos os funcionários, inclusive a casais do mesmo sexo e em casos de adoção", explica o diretor de Benefícios e Remuneração, Marcos Milazzo. "Esse período cobre os 5 dias previstos em lei e contempla os 20 dias que já eram oferecidos por fazermos parte do Programa Empresa Cidadã. Decidimos estender o benefício porque os 40 dias após o parto fazem parte do puerpério, período em que a mulher se recupera da gestação e enfrenta intensas alterações físicas e psicológicas. O período de licença para o pai pode chegar a até 70 dias, caso o colaborador decida emendar com as férias."
João Teixeira é coordenador de Sustentabilidade – pai de Bernardo, de 2 meses e 20 dias – e conta a importância de ter usufruído do benefício. "Ter escolhido a licença-paternidade me deu a oportunidade de acompanhar os primeiros dias de vida do meu filho e estar próximo da rotina da casa nesse período. Ao mesmo tempo que ele me reconhece mais, também conheço mais o perfil dele nessas primeiras etapas da vida: o que cada choro representa, quando ele está mais calmo, quando está mais irritado."
A Johnson & Johnson oferece, além de 40 dias úteis que podem ser tiradas ao longo do primeiro ano da criança – válida tanto para nascimento ou adoção e também contempla casais heterossexuais e homoafetivos –, uma série de benefícios, como a prática de home office e horário flexível, curso para gestantes e papais e cupons para a loja da marca.
Daniel Yasutomi, Gerente na área de Finanças da Johnson & Johnson Vision Care, conta como utilizou o benefício de maneira combinada com o que a esposa também poderia usufruir. “Meu primeiro filho nasceu agora em maio e escolhi tirar minha licença em dois períodos: 1 mês logo após o nascimento e 1 mês mais para frente para ficar com ele quando minha esposa voltar ao trabalho dela. Foi uma decisão em família para que o Thomas possa completar os 6 meses em casa. A licença da JnJ serviu de complemento à licença da empresa de minha esposa, que dá 4 meses de licença maternidade, que no final são 5 meses com as férias."
Karina Leal, do RH de Reserva, ou melhor, Fontes Humanas, como eles chamam o departamento, conta que eles dão o nome de “Família Êh, Família Ah, Família!” para o programa que inclui tanto a licença paternidade quando a licença paternidade.
A preocupação em oferecer uma licença-paternidade maior começou quando o CEO do Grupo Reserva, Rony Meisler passou um mês em casa após o nascimento do seu segundo filho, em 2016. Ele pôde ter toda a experiência de estar perto do bebê logo nos seus primeiros momentos de vida e ainda dar todo suporte à sua esposa. “Sou a prova viva de que a licença paterna nos primeiros dias de vida do seu filho é fundamental para criar vínculos.”
Assim, desde 2016 eles já oferecem uma licença paternidade de 30 dias que foi estendida a partir de 2017, como uma comemoração para o Dia dos Pais, para 45 dias.
Pedro Horta, pai de um menino e de uma menina, conta os benefícios que viu ao usufruir da licença oferecida por Reserva: "Durante esse período os dois deram bastante trabalho, acordaram bastante a noite, ficaram doentes e tudo mais, então não tivemos vida fácil, mas por termos passado por isso juntos nossa relação quanto família se fortaleceu ainda mais."
A ThoughtWorks oferece a licença padrão do Programa Empresa Cidadã, de 20 dias, mas estende o benefício a casais homoafetivos. Biharck Araujo, desenvolvedor e pai da Liz, de 2 meses, ressalta o fato da carga sobre a mulher ser muito grande e a importância do homem se prestar ao apoio. "A carga sobre a mulher é muito grande, de 3 em 3 horas amamentando, o bebê está conhecendo o mundo, chora o tempo todo. Estamos sempre em sinal de alerta. O pai estando em casa para apoiar a mãe nesse momento de transição é fundamental. O companheirismo vai além apenas de bater no peito e se dizer pai."
A 3M, apesar de ainda constar na sua Convenção Coletiva a licença de 5 dias, já segue o que é estipulado pelo Programa Empresa Cidadã. Karen Amorim, coordenadora de RH, diz que o feedback positivo foi rápido. "Logo após a implantação dos 20 dias, recebemos comentários dos funcionários que usaram a licença expressando grande satisfação com este benefício, porque conseguiram dar um suporte maior à família e estruturar melhor a nova rotina."
Danilo Rodrigues da Silva, Engenheiro elétrico na 3M há mais de 12 anos teve sua primeira filha em junho de 2018 e conta como foi a experiência: “Achei este período de 20 dias de licença paternidade muito importante, fez toda a diferença, principalmente para pai de primeira viagem, como eu. Foi essencial para a adaptação à nova rotina e para apoiar minha esposa. Ser pai é muito bom, mas os primeiros dias de cuidados de um bebê são bem trabalhosos, para a mãe e o pai, e provocam uma grande mudança, com a criação de uma nova rotina. A chegada da minha filha mudou muito a nossa vida.”
A Itaipu já aplica a licença paternidade estendida de maneira semelhante à do Programa Empresa Cidadã desde 2016, cedendo 20 dias para o empregado poder se dedicar à família. Em dois anos, 115 empregados se tornaram pais e somente 6 não usufruíram da licença estendida por motivos particulares, não divulgados para a área de RH da Itaipu. É uma adesão bem significativa, o que mostra como o benefício é bem visto entre os funcionários.
Lucas Lucietto, pai da Luiza e Administrador da Área de RH, também menciona como isso ajuda a conectar com o filho recém nascido. "Nos primeiros dias após aquela nova vida vir ao mundo uma avalanche de mudanças acontece e estar presente nesta fase faz um bem que não consigo mensurar, além de auxiliar a mãe com os cuidados iniciais é a oportunidade perfeita para se conectar com o bebê, que agora não está mais em seu mundo de segurança dentro do ventre materno."
(Acima, Guilherme Valadares apresentando nosso workshop de paternidade ativa para o Banco do Brasil)
No Banco do Brasil a licença pode chegar a até 30 dias. Por ocasião do nascimento de filho, o funcionário tem direito de ausentar-se dos serviços por 5 dias consecutivos, inclusive em caso de natimorto.
José Caetano Minchillo, diretor de gestão de pessoas do BB reconhece o papel da paternidade na sociedade: "Um pai ativo e presente começa no planejamento da paternidade, no companheirismo na hora da notícia da gravidez, e depois nas consultas médicas da gestante e na adaptação da rotina com o bebê recém-nascido ou da criança adotada. Nós temos o compromisso de cuidar do que é valioso para as pessoas e acreditamos que a paternidade responsável é fundamental para uma sociedade melhor".
Adriel Amaral, assessor na divisão de educação continuada da Universidade Corporativa do BB fala sobre o desgaste psicológico desses primeiros dias, "Apesar de extremamente prazerosa e transformadora, a dinâmica que se estabelece entre o casal e o novo membro da família é desgastante física e psicologicamente." E também conta sobre como utilizou o benefício de forma a promover encontros importantes para a família, "Felizmente, não precisei lançar mão de minhas férias para dedicar à minha mulher, meu filho e meu enteado a atenção e carinho que eles tanto mereciam. Tirei as férias dois meses mais tarde, quando o Bruno já era forte o suficiente para viajar e conhecer meus pais, que vivem em outro estado."
O Google oferece 12 semanas de licença (até 84 dias) com remuneração integral para os pais passarem com a criança recém-chegada que não precisa ser usufruído de forma contínua e nem imediata. A empresa dá o prazo de até um ano para fazer uso do direito, dessa forma cada um pode escolher a solução que mais faz sentido para a sua vida, assim como o Adriel Amaral aqui em cima fez. A política também é válida para pais não-biológicos.
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Sabemos que essas empresas não representam a totalidade do mercado e que há muito chão a ser percorrido para que haja verdadeira igualdade de gênero no que diz respeito às obrigações mas também aos benefícios para o cuidado parental.
Ainda assim, acreditamos que, no mínimo, expor como essas empresas lidam com a questão da paternidade é algo que pode servir de exemplo e ajudar a abrir terreno para outras empresas seguirem por caminhos semelhantes, facilitando e gerando oportunidades para que os pais possam exercer seus papéis de maneira tão desimpedida quanto for possível.
Claro que precisamos reconhecer também que parte da disparidade quanto aos direitos obtidos entre homens e mulheres é por causa do aparente silêncio dos homens a respeito da questão. E, assim, fica a pergunta: por que os homens ainda não lutam por uma licença maior?
A paternidade não é apenas um conjunto de obrigações que os homens precisam dividir com as mulheres. É um dos maiores eventos na vida também dos homens e tem um potencial imenso de gerar conexões humanas raríssimas na vida. É uma fonte de prazer e de florescimento também. Não é algo a se deixar apenas para os intervalos do trabalho.
O que você pode fazer para a sua empresa ampliar a licença paternidade? Uma dica: compartilhar esse artigo internamente e abrir um diálogo construtivo sobre ele pode ser um bom começo.
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