Como se constrói a distância e o silêncio entre pai e filho?
Frederico Mattos
16 de Agosto de 2018
Eu sempre brinquei que os dias dos pais, se comparado ao das mães, parecia um dia mais amargurado. Começando pelo índice de ausência de homens nas comemorações escolares, em que as crianças pequenas parecem sempre contar com um vô querido ou um tio mais participativo.
Mesmo tirando a questão dos pais desaparecidos, foragidos, negadores de pensão alimentar, até mesmo os pais presentes, de uma grande geração de pessoas parece ser aquela figura que causa emoções ambivalentes. Por um lado, algo parecido com "é, parece que ele trabalhou muito e trouxe dinheiro para casa” e, por outro, um tipo de estranhamento como quem não se conhece muito bem.
O trisavô passou para o bisavô que passou para o avô que passou para o pai aquele tipo de afeto descolado de afetuosidade, de quem fala que ama agindo, mas que em última instância não compensa as necessidades de quem não se sente amado de verdade.
Pensem numa criança. Como ela vai reconhecer o amor em forma de trabalho, dinheiro ou casa? Essas são coisas muito abstratas para alguém que só entende toque, beijo, abraço e estar lado a lado de verdade. Esse laço se contrói muito cedo, e a maiorida dos pais parece que olha para crianças recém-nascidas com tamanha confusão que, no coração deles, fica aguardando a fase que elas "vão entender melhor as coisas" para começar a participar.
Esperam, esperam, esperam, a criança já está andando, falando, pulando, interagindo como um mini adulto e o pai segue não achando o suficiente.
Algo se revela nesse adiamento infinito: a maioria dos homens de uma antiga geração parece lidar muito mal com a dimensão lúdica da vida. Muitos se enterraram na filosofia de que trabalho é trabalho e prazer só quando era criança. Romperam o vínculo com a criança interior que anseia leveza, descontração e fluidez. Quando se tornam pais sentem-se forçados a sentar no chão, falar com o corpo, sem palavras, só com cafuné e eles não sabem mais, se esqueceram do código do afeto olho no olho.
Esse abismo que se cria aumenta um outro conflito. Quanto mais longe ficam mais difícil fica a integração, o pai que já não tem muita facilidade em se relacionar, projeta o sentimento de impotência em uma fantasia de rejeição.
Já ouvi muitos pais dizerem "meu filho não quer saber de mim, o que vou fazer por lá sem a mãe dele por perto?". Mal sabem que os filhos estão morrendo de medo da mesma coisa, ávidos por qualquer meia expressão de afeto para se atirarem no colo do pai.
Nesse cabo de guerra afetivo, as crianças que tem menos recursos, ficam mais no escuro do que o adulto (que deveria romper o jogo de fantasias) e por isso se afastam.
A profecia se cumpre, não porque era inevitável, mas porque foi um bate e rebate de medos entre duas crianças, uma já maculada pelos anos e outra que ficará trancada pela vida se achando menos amada pelo pai.
Quando chega o dia dos pais, o que acaba aparecendo são falas engessadas, tentativas de expressar uma idealização, muito mais do que poderia ser sentido, um fundinho de ressentimento por todas as possibilidades de amor irrealizadas. É a vida que podia ter sido e não foi.
O pai acaba sendo um rascunho de uma história nunca contada.
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