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terça-feira, 14 de agosto de 2018

Ei, ser um homem feminino não fere o seu lado masculino

Justificando
Fábio Mariano da Silva
24 de agosto de 2017
Escrevi recentemente para este portal um artigo bem abrangente sobre temas que se relacionam com a masculinidade e de como o tema precisa ser enfrentado sob várias perspectivas. Destaquei especialmente a necessidade de mudarmos o olhar sobre as nossas práticas cotidianas e perceber o quanto é necessário quebrar a androcentria, já que nós, homens, não somos o centro do mundo. Como resposta, alguns leitores foram elogiosos, enquanto outros questionaram a necessidade de que o tema fosse abordado sob a perspectiva da biologia e que abandonasse essa história de feminismo.

Podemos olhar sob várias perspectivas o que somos. Mas talvez a pergunta mais necessária seja: “O que é um homem?” ou “O que somos nós homens?” Considerada a visão amparada pela biologia, podemos dizer que somos definidos por um grupo de cromossomos, logo, o 23º par de cromossomos define sexualmente as mulheres por XX e, homens, por XY. 
A genitália é nosso órgão de poder e aquele indivíduo cujos os cromossomos são XY deve expressar um comportamento viril, forte, objetivo, impávido, colosso. Mas não acaba aí. Quando o falo foge das calças, pode ser percebido pela arquitetura dos monumentos existentes nas ruas, nas praças. Heróis em seus cavalos com suas armas em riste são sempre homens.
Vale destacar que nesse processo de masculinidade e de formação, a psicologia já afirmava que muitas vezes ao se definir pelo outro, meninos aprendem desde cedo o que não ser. Ou seja, num processo inverso de aprendizagem do que podem ser, já começam negativamente pela regra que não devem ser femininos, como se a primeira lição a ser aprendida é a de não ser uma mulher.
E a música Masculino e Feminino (1983), de Pepeu Gomes, já dizia “ser um homem feminino, não fere o meu lado masculino”. É um processo em que busca se convencer a todos sobre sua masculinidade tóxica. Não fosse, não seria preciso se convencer e aos demais sobre não ser feminino ou homossexual e assim por diante.
Isso diz respeito ao binarismo criado pela biologia, que estipula como as pessoas são classificadas em acordo com suas características físicas e anatômicas e que, em última instância, há uma essência do que é masculino e do que é feminino. É como se estivéssemos dizendo que todas as diferenças que reconhecemos como únicas começassem e terminassem nos ovários e nos testículos – uma sentença. Se qualquer um, seja homem ou mulher, transgride essas regras ou entende de maneira diferente essa questão colocada, certamente será tratado como abjeção. 
O homem criado a partir do Iluminismo, apesar de toda teoria apresentada pelo francês Poulin de La Barre, naturalizou com o patriarcado a diferença de papeis sociais e sexuais que foram colocadas num pedestal de tal forma que mulheres foram vistas com determinadas características que as definiam como sensíveis e frágeis, isso fez com que concordássemos que era essa docilidade que nos salvaria da barbárie do dia a dia. Destaca-se também o fato de que, com o Patriarcado, o homem sempre se sentiu um ser privilegiado e cheio de poderes, entendo-se como um ser universal.
Mais do que isso, criou um homem cujo o parâmetro é ser o contrário de toda e qualquer mulher ou de todo e qualquer homem que apresente características diversas daquelas dominantes.
O berço
O bebê nasce, ao se ter a notícia sobre a identidade sexual, automaticamente se atribui características, desejos, expectativas em relação aquela criança. Os pais têm quase que uma obsessão em estereotipar o bebê, mais do que isso, ao contrário das mães, pais tendem a adjetivar crianças nascidas XY como “grande” e com “feições marcantes”, enquanto as meninas são tratadas como “bonitinhas”, “tranquilas” e de “traços finos”.  A criança XY ao crescer irá ouvir repetidas vezes “Seja homem!”.
Evocamos uma responsabilidade das mulheres em ser mães, pois concordamos que, do ponto de vista biológico, elas estão mais preparadas para a função de cuidado de crianças, e nos eximimos das nossas responsabilidades enquanto pais. A paternidade responsável vai para além da primeira semana de licença e do trabalho incansável para manter a família.
Precisamos ir além se quisermos entender e mudar nossa sociedade. Vejam, homens não saem do mercado de trabalho para ser pais e, ainda que se dediquem com algum tempo a mais em relação à família, isso não diminui o trabalho de mulheres que acumulam funções.
Nossos corpos, são uma fonte de identidade primária e o sexo uma zona de investimento desde cedo privilegiada. Ambos estão em constante disputa pelo patriarcado, que produz uma série de valores, comportamentos e regras sociais da qual todos são destinatários em todos as nossas sociedades.
Somos falocêntricos e, à medida que nos sentimos ameaçados em nossa maneira de pensar e agir, temos a forte inclinação a negar a necessidade de avanços nos diálogos em torno da igualdade.
O que esquecemos é que essa também é uma responsabilidade nossa: tornar o mundo melhor. O que temos visto são homens premidos de manifestar sua sensibilidade sob o risco de ferir um ideal de virilidade, plantada com o Iluminismo, em especial, porque assim fomos ensinados.
Ter sentimentos considerados femininos, faz com que nos sintamos diminuídos em nossa masculinidade, sem considerar que a igualdade de gênero é uma fonte de benefícios.
Se, de fato, seguirmos a lógica lapidada em mármore da biologia sem nos atentarmos para o conjunto do que somos e como nos estabelecemos, estamos fadados a um tipo humano estático, sem entender que a masculinidade construída em nós, antes de ser fruto da diferença, é fruto da desigualdade plantada a partir do século XVIII. Como nos ensina a célebre feminista Helen Hacker“a masculinidade é muito mais importante para os homens, do que a feminidade para as mulheres”, e é por isso que reforço que é dessa zona frágil que precisamos nos libertar.
Fábio Mariano Silva é Bacharel e Mestre em Direito e Doutorando em Ciências Sociais pela PUC-SP. Estuda o tema da Morte e Gênero. Pesquisador do Núcleo de Pesquisa Inanna.

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