CBPF
23 de Agosto de 2018
Recentemente, por uns poucos dias, a graduanda em física Khennya Maria Gonçalves de Araújo trocou sua URCA (Universidade Regional do Cariri), no Ceará, pela Urca, bairro da cidade do Rio de Janeiro, ocasião em que visitou o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).
23 de Agosto de 2018
Recentemente, por uns poucos dias, a graduanda em física Khennya Maria Gonçalves de Araújo trocou sua URCA (Universidade Regional do Cariri), no Ceará, pela Urca, bairro da cidade do Rio de Janeiro, ocasião em que visitou o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).
O Núcleo de Comunicação Social do CBPF, alertado sobre a vinda de Khennya, a convidou para um bate-papo, para saber mais sobre sua estratégia criativa de divulgar ciência (especialmente, física) tanto para estudantes do ensino médio quanto o grande público: histórias em quadrinhos.
Como ela também gosta da relação entre física e arte, Khennya aproveitou para conhecer in loco o ‘Mural-Grafite da Ciência’, painel recém-inaugurado pelo CBPF, com cerca de 240 m2, voltado justamente para a relação entre essas duas culturas ‒ que têm muito em comum.
Na entrevista a seguir, a estudante cearense falou sobre a opção pela física, a ideia de usar quadrinhos na divulgação científica, os projetos que desenvolve neste momento e a militância no movimento feminista na área de ciências.
Por que você decidiu estudar física? Como foi a reação de familiares e parentes?
Desde muito cedo, ainda criança, sempre gostei de matemática e ciências; sempre tive aptidões pelo cálculo e uma curiosidade inata pela natureza. Escolhi a licenciatura porque sempre vi em minha mãe, Irene [falecida], professora de matemática no ensino básico, um espelho de mulher guerreira e apaixonada pelo o que fazia, o que despertou em mim a paixão pelo magistério.
Porém, a decisão de fazer um curso de física partiu do incentivo de um grande amigo e professor do ensino médio, George Ronan [falecido], que me mostrou o quão bonito é estudá-la e entendê-la, para além da mera reprodução de fórmulas.
A escolha por fazer um curso de licenciatura em física gerou em meus familiares uma reação de espanto. Talvez, isso tenha se dado pelo fato de não ser uma área bem vista no mercado de trabalho, diferentemente do que ocorre com profissões elitizadas, como medicina, direito ou engenharias, as quais, como se acredita, proporcionam maior estabilidade financeira.
Fui chamada por alguns até de louca, mas, por fim, apoiaram minha decisão.
Como surgiu a ideia de usar os quadrinhos para fazer divulgação científica? De quais temas você trata nesses trabalhos?
Essa ideia tem sido desenvolvida desde meu 2º ano do ensino médio, com o professor George. De início, surgiu como um convite dele para mim e meu amigo Elder Luis, porque nós dois já tínhamos afinidade tanto com desenhos quanto a leitura e estrutura das HQs [história em quadrinhos], as quais são um material de fácil acesso aos jovens e têm linguagem prática. Além disso, o alinhamento entre imagem e texto facilita a compreensão do assunto. Essas características permitem que elas sejam trabalhadas no ambiente da sala de aula, tratando de diversos conteúdos.
Ainda no ensino médio, desenvolvemos uma HQ que abordava a Revolução Científica, cujo conteúdo ia das ideias de Aristóteles até as de Isaac Newton. Nesse trabalho, usamos dialetos nordestinos no texto, para facilitar o entendimento pelos alunos.
Só na graduação tive a oportunidade de desenvolver esse trabalho de maneira aprofundada ‒ e, dessa vez, como bolsista de iniciação científica do Núcleo de Pesquisa em Ensino de Física da URCA.
“A escolha por fazer um curso de licenciatura em física gerou nos meus familiares uma reação de espanto [...] Fui chamada por alguns até de louca, mas, por fim, apoiaram a minha decisão”
O que você está desenvolvendo neste momento na área de divulgação com quadrinhos?
Em parceria com Samuel Feitosa, professor da educação básica no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano e aluno do Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física, desenvolvo um produto educacional sobre a história e as teorias da física quântica, trabalho que é feito sob a orientação do professor Augusto Nobre, da URCA.
Para elaborar esse material, usamos um folheto de cordel criado pelo Samuel no qual o enredo da HQ se desenvolve em torno desse assunto. O título é Os muídos e pelejas desde o átomo clássico inté o átomo quântico. Como forma de homenagem, a personagem principal é uma caricatura de meu professor [George] do ensino médio.
Posteriormente, essa HQ será aplicada pelo Samuel no ambiente da sala de aula, e os resultados serão discutidos em sua dissertação, a qual também a incluirá como produto educacional.
“E também quero desenvolver pesquisas que possam aliar física e arte
O que você pretende fazer depois de formada?
A princípio, pretendo iniciar um mestrado seguindo a mesma linha de pesquisa na qual estou imersa atualmente: ensino de física ou ciências com divulgação de novas metodologias. E também quero desenvolver pesquisas que possam aliar física e arte, tudo de forma a poder ser aplicado no ensino.
Mas, ao mesmo tempo, existe o desejo de retornar para a educação básica, para pôr em prática o que eu aprendi na graduação com os professores e como bolsista de iniciação científica, aplicando, em sala de aula, todas as metodologias aprendidas e desenvolvidas em minha formação.
“Sei que não posso mudar o mundo, mas, se eu conseguir mudar pelo menos um pouco da realidade ao meu redor, já estou feliz”
Você tem atuação no movimento feminista na área de ciência. Fale um pouco dessa sua militância.
Pensar no ensino de ciências e mais especificamente o de física é perceber que esses conhecimentos devem ser disseminados independentemente de cor, classe social, crença religiosa e gênero. Porém, percebemos poucas mulheres seguindo carreiras científicas; muitas vezes, por não se sentirem representadas nessa área, o que se torna um desafio maior. Apesar de estarmos em pleno século 21, há ainda preconceito em torno dessa discussão.
Acho que trabalhos voltados para a educação básica podem trazer meninas para carreiras científicas, mostrando que mulheres são tão capazes quanto os homens de estudar esses assuntos ‒ basta haver incentivo maior.
Nesse sentido, um dos próximos passos que pretendo dar no projeto de quadrinhos ‒ que têm ‘mil e uma utilidades’ ‒ é fazer uma história na qual possa ser contada a história de cientistas mulheres, para que outras meninas também possam se sentir representadas nas ciências. Sei que não posso mudar o mundo, mas, se eu conseguir mudar pelo menos um pouco da realidade ao meu redor, já estou feliz.
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