A maioria das iniciativas foca no assediador ou na vítima, mas a plateia é um elemento crucial.
A psicóloga Christina Salmivalli aponta que o observador legitima o assédio
LOLA GARCÍA-AJOFRÍN
Singapura
El País
Em 2006, o Ministério de Educação e Cultura da Finlândia pediu a um grupo de pesquisadores que desenvolvessem um programa global contra o assédio escolar (bullying), envolvendo tanto a prevenção como a intervenção, e que pudesse ser implantado em todos os colégios finlandeses durante o ensino fundamental (dos 7 aos 15 anos). À frente dos especialistas que desenvolveram o plano estava Christina Salmivalli, professora de Psicologia da Universidade de Turku, na Finlândia, que passou os últimos 25 anos pesquisando o assédio escolar e sua prevenção.
Em 2006, o Ministério de Educação e Cultura da Finlândia pediu a um grupo de pesquisadores que desenvolvessem um programa global contra o assédio escolar (bullying), envolvendo tanto a prevenção como a intervenção, e que pudesse ser implantado em todos os colégios finlandeses durante o ensino fundamental (dos 7 aos 15 anos). À frente dos especialistas que desenvolveram o plano estava Christina Salmivalli, professora de Psicologia da Universidade de Turku, na Finlândia, que passou os últimos 25 anos pesquisando o assédio escolar e sua prevenção.
“Até então, agia-se seguindo as normas, e todos os colégios deviam adotar e implementar uma estratégia contra o bullying. Entretanto, não havia ferramentas realmente baseadas em provas, e os níveis de assédio não caíam. Pelo contrário, parece que aumentavam”, conta Salmivalli, que teve então a oportunidade de compartilhar toda a experiência que haviam desenvolvido “e traduzi-la em recursos práticos que os professores pudessem usar”. Assim nasceu a KiVa (sigla de kiusaamista vastaan, que significa “contra o assédio” em finlandês), uma ferramenta que trabalha as emoções da classe com lições mensais e jogos de computador.
A peculiaridade do programa finlandês é que, enquanto a maioria das iniciativas contra o bullying se centrava no assediador ou na vítima, havia um elemento crucial com o qual pouco se trabalhava: a plateia. As humilhações do assediador só faziam sentido se houvesse um público que as aplaudisse. “Os pesquisadores concordam que uma das principais razões do assédio escolar é a grande necessidade de status, visibilidade e domínio de alguns alunos”, explica Salmivalli. Ao praticarem o abuso — seja físico, psicológico ou social — contra os colegas com menos poder, eles demonstram seu status, o qual acaba frequentemente sendo reforçado pelo grupo, prossegue a especialista. O programa finlandês “se baseia na ideia de que a mudança positiva no comportamento da classe pode reduzir a recompensa propiciada pelo bullying aos assediadores, e, portanto, sua motivação para intimidar”, esclarece.
Ensinar que assédio não é legal
O KiVa se baseia em dois tipos de ações: gerais e específicas. As gerais estão voltadas para toda a classe como ferramenta de prevenção. Consistem em lições mensais em três séries (primeira, quarta e sétima), nas quais “os alunos aprendem sobre as emoções, o respeito nas relações, a pressão de grupo e, o mais importante, sobre o que eles poderiam fazer para acabar com o bullying”, continua Salmivalli. O objetivo, diz, é incrementar a consciência de seu papel como testemunhas e como esses espectadores (olheiros) poderiam reagir para acabar com um potencial caso de perseguição, ao invés de mantê-lo ou mesmo alimentá-lo. “Fazemos várias atividades mediante as quais os alunos aprendem a apoiar os colegas vulneráveis e contribuem para a inclusão de cada um e para o bem-estar do grupo”, esclarece Salmivalli. Além disso, há um jogo na Internet com o qual trabalham essas emoções.
Na Espanha 14% dos adolescentes denunciaram ter sofrido assédio, segundo a OCDE
As ações específicas do KiVA são lançadas quando se detecta um caso de assédio escolar. Para isso, designa-se uma Equipe KiVa composta de professores e outros funcionários escolares para que conversem com a vítima e os agressores e acompanhem a evolução do caso. Além disso, o tutor escolhido se reúne com vários colegas — entre dois e quatro — considerados populares na classe para estimulá-los a apoiar a vítima.
Outra das chaves do seu sucesso, considera a estudiosa finlandesa, é que em vez de ser um projeto de um ano, com começo e fim, o objetivo é que seja parte de um trabalho sistemático e sustentável de prevenção e intervenção. Depois de testá-lo em 234 escolas com 30.000 alunos, os responsáveis dizem ter conseguido eliminar 79,4% das situações de assédio e reduzir a intensidade de outras 18,5%.
Escola, sinônimo de tortura
Em 2015, o Programa para a Avaliação Internacional de Alunos (PISA) da OCDE incluiu pela primeira vez, em seu questionário aos alunos de 15 anos, perguntas sobre o bem estar deles, abordando aspectos como motivação, pertencimento e ansiedade. As respostas dos jovens com relação ao bullying são alarmantes e revelam, nas palavras da própria OCDE, que “para alguns alunos, a escola é um lugar de tortura”.
Em cada classe, em cada colégio, em cada país da OCDE (organização que reúne nações de alto desenvolvimento), há uma criança sendo agredida ou empurrada por seus colegas, segundo o Volume III do PISA de 2015, que conclui que 4% dos estudantes de 15 anos da OCDE (aproximadamente um por classe) sofrem agressões em sala de aula, e 11% são alvo de zombarias. Hong Kong lidera a lista, com 26,1% de estudantes sendo zoados e 9,5% sofrendo socos e empurrões (32,3% de vítimas no total). Em seguida vêm Letônia (30,6%), República Dominicana (30,1%), Tunísia (28,2%) e Rússia (27,5%).
As humilhações do assediador só fazem sentido se houver uma plateia que as aplauda
O assédio escolar não faz distinção de regiões nem de resultados. Mesmo entre os sistemas educacionais com melhor nota na última avaliação PISA, todos registraram queixas de bullying por parte dos alunos: Singapura(27,5% da amostra), Japão (21,9%), Estônia (20,2%), Taiwan (10,7%), Finlândia (16,9%), Macau (27,3%) e Canadá (20,3%). Na Espanha, 14% dos adolescentes denunciaram ter sofrido assédio — 8% com brincadeiras, e 2,9% com violência física. Holanda (9,3%), Taiwan (10,7%), Coreia do Sul (11,9%) e Islândia (11,9%) foram os lugares onde menos alunos disseram sofrer assédio.
A Unesco também atribuiu números ao assédio e estima que anualmente 246 milhões de crianças e adolescentes o sofram. Na Espanha, segundo uma pesquisa feita pela ONG Save the Children, metade das crianças relata ter sofrido alguma forma de humilhação ou violência.
Combate ao assédio começa em casa
Junto com o trabalho de escolas e professores, a OCDE recorda que conversar com as crianças em casa é fundamental para prevenir o bullying. O relatório do PISA concluiu que os programas contra o assédio escolar devem incluir a formação dos professores sobre como lidar com esse problema e estratégias para interagir com os pais. De fato, houve menos casos de assédio entre os alunos que manifestaram no PISA que seus pais os apoiavam quando havia dificuldades na escola, em comparação com os que relataram haver pouca comunicação em casa. Apenas 44% dos pais de vítimas já haviam conversado com os professores sobre o desenvolvimento do aluno durante o ano acadêmico anterior.
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