Pesquisa mais aprofundada sobre o perfil das prefeitas já realizada no país é lançada no Rio de Janeiro, com debate sobre condição das mulheres nas políticas
Da Redação Gênero e Número
14 DE NOVEMBRO DE 2018
Além dos dados, a voz das mulheres. O lançamento da pesquisa Perfil das Prefeitas do Brasil contou, além da divulgação da página online lançada pelo Instituto Alziras, com evento presencial no Rio de Janeiro, na última terça-feira (13), onde estiveram reunidas, em três mesas e na plateia, mulheres que pesquisam o tema, que vivenciam a política partidária no dia a dia, representantes da sociedade civil organizada e jornalistas.
“Eu me senti apoiada por ter algum instituto interessado em saber qual era a minha trajetória e história, para [com isso] poder contribuir com o avanço. Porque essa liderança é muita solitária, e para nós mulheres é ainda mais, então temos que contar a nossa história”, afirmou Daniela de Cássia, prefeita de Monteiro Lobato (SP) e representante da Confederação Nacional dos Municípios. “As outras mulheres que nos veem aqui na frente não sabem o que passamos para chegar até aqui. E somente ouvindo a nossa história e se identificando, sabendo que há outras mulheres para apoiá-las, é que vamos conseguir efetivamente mudar essa realidade”, completou. Esta é a pesquisa mais aprofundada sobre o perfil das prefeitas já realizada no país e confirma, com leituras qualitativa e quantitativa, alguns dos principais desafios postos às mulheres ao longo da trajetória na vida política, entre eles o sentimento de extrema solidão na condução do papel de gestora, uma vez que elas ainda representam um grupo pequeno num universo muito masculino – elas são cerca de 10% do total de prefeitos do país.
Uma das idealizadoras do estudo e também cofundadora do Instituto Alziras, a pesquisadora Marina Barros, destacou que o objetivo de responder à pergunta “quem são as prefeitas do Brasil” foi assumido pela equipe como um caminho para se conhecer a realidade dessas mulheres e interferir de forma efetiva no quadro atual. “Interferir no sentido de cumprir a missão do Instituto Alziras e contribuir para um aumento da representação feminina na política, fortalecendo mandatos e a presença delas”, afirmou. A pesquisa de campo foi realizada entre maio e julho de 2018, com orientação de pesquisadoras renomadas como Flavia Biroli, Wania Santana e Wasmália Bivar – esta última foi presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 2011 e 2016.
Ainda na primeira mesa, a representante da ONU Mulheres, Ana Carolina Quirino, destacou que a pesquisa lançada se alinha completamente aos objetivos de ONU Mulheres, pois se integra à estratégia 50-50, que visibiliza os compromissos com igualdade e equidade de gênero na sociedade. “Qualquer agenda de desenvolvimento só vai ser bem-sucedida se todas as pessoas, se homens, mulheres, brancos, negros, indígenas tiverem oportunidades iguais para construírem e tiverem seus direitos respeitados”, declarou Quirino.
Déficit da democracia
Presidenta da Associação Brasileira de Ciências Políticas, pesquisadora e professora da Universidade de Brasília (UnB), Flávia Biroli fez questão de distribuir a toda a sociedade a responsabilidade pelo cenário totalmente assimétrico que temos quando falamos sobre subrepresentação de mulheres na política. “Nao se trata de um problema das mulheres, se trata de um problema da democracia. E um dos déficits que nós temos e tivemos nesses 30 anos de Nova República foi a subrepresentação das mulheres”, afirmou taxativa. Mas Biroli pondera a potência que também existe nessa realidade. “Quando falamos em subrepresentação de mulheres na política, não estamos falando em ausência de mulheres na política. Acho isso muito importante porque não podemos corroborar que elas não estão atuando. Elas estão atuando, mas com barreiras e em condição de desigualdade, e se nós pensarmos nos últimos 30 anos nesse processo de construção de Nova República, elas atuaram sistematicamente para a ressignificação de direitos”, destacou.
O efeito dessa subrepresentação, de acordo com a pesquisadora, foi justamente a politização da subrepresentação. Uma das protagonistas desse processo estava também no debate presencial de lançamento, a ativista, feminista e coordenadora executiva da Redeh Schuma Schumaher. Personagem histórico na reivindicação por direitos das mulheres no Brasil, Schumaher relembrou os tempos da Constituinte, quando a articulação dos movimentos de mulheres levou à participação feminina intensa na construção da Constituição, em 1988.
“Estávamos muito animadas com aquele momento, depois de 20 anos de ditadura no Brasil. Conseguimos sistematizar e escrevemos a carta das mulheres brasileiras aos constituintes (…) era tão cuidadoso todo esse processo. Não só foi entregue essa carta no Congresso, na presença de presidente da Casa, Ulysses Guimarães, como as 2 mil delegadas que foram indicadas pelos seus estados estavam lá”, conta. A articulação, avalia Schumaher, reverberou fortemente. “Tínhamos naquele momento tínhamos oito deputadas no congresso, e nas eleições seguintes passamos de a 26, mais que triplicamos a presença das mulheres no Congresso”, relembra.
Além de compartilhar memórias de uma época de intensa disputa por avanços nos direitos, Schumaher trouxe uma reflexão: “o que vemos é que as mulheres que chegam ao poder nunca são mulheres que estavam no sofá, são mulheres de luta, que vêm de espaços diferentes, mas que já estavam reivindicando”.
Na sequência, a codiretora do Instituto Alziras, Michelle Ferreti, iniciou a apresentação dos dados da pesquisa, cujo relatório e dados estão disponíveis online: Perfil das Prefeitas no Brasil.
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