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sábado, 2 de fevereiro de 2019

O Decreto das armas e a prioridade absoluta da infância

Estatísticas e estudos mostram que a presença de armamentos nos lares oferece risco à integridade física de crianças

Carta Educação

Por Renato Godoy

O debate em torno do decreto 9.685, que traz normas mais flexíveis para a posse de armas no interior de domicílios, relegou ao segundo plano tema que deveria ser prioritário em todas as decisões do Estado brasileiro: a integridade física e a saúde das milhões de crianças que podem ser afetadas por este ato. Desde o decreto, debate-se os impactos dessa flexibilização na segurança pública, bem como a prerrogativa presidencial para sua assinatura.
Isto posto, é necessário trazer o foco do debate para o direito da criança. Aqui, não se trata de um debate ideológico, sobre a liberdade de o cidadão ter ou não uma arma. Tampouco um debate sobre se quem mata são armas ou os seres humanos que as engatilham. Trata-se de debater a relação direta entre a presença de armas em um domicílio e o aumento do risco de acidentes.
O único item relacionado à infância no decreto foi a especificação sobre como deve ser guardada a arma em lares com crianças. Ainda assim de maneira insuficiente. Conforme foi noticiado, o Ministério da Justiça havia elaborado minuta em que previa a comprovação de existência de um cofre como contrapartida para a posse de armas em lares com crianças. A minuta, de pronto, foi duramente criticada por setores pró-armamento e a obrigatoriedade de se ter um cofre em casa foi substituída apenas pela previsão de uma autodeclaração de que a “residência possui cofre ou local seguro com tranca para armazenamento”.
De acordo com a organização Criança Segura, membro da rede internacional Safe Kids Worldwide, a criança é dotada de uma curiosidade inata e tende a explorar os ambientes, o que pode fazer com que encontre objetos perigosos em seus lares, mesmo que escondidos. Além disso, até os oito anos de idade, crianças não distinguem uma arma real de uma arma de brinquedo. E, mais grave, a partir dos 3 anos de idade, a criança já tem força suficiente para apertar o gatilho de uma pistola.
Em 2016, 20 crianças morreram e outras 133 foram internadas no Sistema Único de Saúde em função de disparos acidentais de armas de fogo, segundo levantamento do Ministério da Saúde. Os setores favoráveis ao armamento costumam rebater esse tipo de estatística dizendo que não se sabe ao certo quantas dessas armas, que efetuaram os disparos acidentais, foram adquiridas por meios legais. Porém, há muitas evidências de que com a maior circulação de armas – objetivo declarado do decreto – a tendência é que esses números aumentem.
A título de exemplo, os Estados Unidos são um país com regras mais liberais em relação à posse e ao porte de armas e são modelo para os defensores do armamento, não à toa reúnem quase metade das armas de civis em circulação no mundo. Lá, a plataforma Not An Accident, iniciativa da organização EveryTown, reúne casos de disparos não propositais de arma de fogo que atingiram crianças e adolescentes no país desde 2015. Desde então, a iniciativa contabiliza 634 casos de ferimentos e 407 mortes.
Todas essas evidências sobre o comportamento da criança e as estatísticas sobre disparos acidentais, entretanto, parecem não terem sido levadas em conta. Esta discussão, tal como todos os grandes temas nacionais, deveria primeiro passar pelo filtro de nossa Constituição, que traz a previsão da prioridade absoluta dos direitos da criança em seu artigo 227. Nele, se determina que Estado, família e sociedade mantenham crianças, adolescentes e jovens “a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Renato Godoy é coordenador de Relações Governamentais do Instituto Alana.

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