Nunca antes na história do futebol o Mundial das mulheres foi tão divulgado e comentado.
Em baixa, seleção brasileira se apoia em poder de superação das mais experientes
Breiller Pires
São Paulo 7 JUN 2019
A Copa do Mundo Feminina 2019 começa nesta sexta-feira, às 16h (horário de Brasília), com o jogo inaugural entre a anfitriã França e a Coreia do Sul. Esta será apenas a oitava edição do torneio para as mulheres, que começou a ser disputado em 1991. Porém, antes mesmo do pontapé inicial, não há dúvidas de que nenhum outro Mundial concentra tantos holofotes, apelo e receitas. O recorde de ingressos vendidos foi batido ainda em abril. As entradas para a final, semifinais e a partida de estreia das donas da casa se esgotaram em menos de 48 horas. E, em suas projeções mais comedidas, a FIFA espera obter audiência de 1 bilhão de pessoas em 135 países.
Embora coincida com a disputa da Copa América em solo nacional, o megaevento feminino também promete fazer barulho no Brasil. Pela primeira vez, todos os jogos da seleção brasileira serão transmitidos pela Globo, maior emissora de TV do país. A Band, que exibe o Campeonato Brasileiro da categoria, também transmitirá o torneio sediado na França. “Muita gente só está descobrindo agora que existe uma Copa feminina”, afirma Juliana Cabral, ex-zagueira e capitã do Brasil no Mundial de 2003. “A exposição em televisão aberta é um ponto de virada importante. Contribui para mudar a visão das empresas sobre a modalidade. Antes, o futebol feminino era enxergado como um bando de mulher correndo atrás da bola, não como um produto.”
Assim como a transmissão global, pela primeira vez as mulheres terão uniforme especialmente desenhado para elas. O modelo da Nike leva um selo estampado com a expressão “Mulheres Guerreiras do Brasil”. Como de praxe em Copas protagonizadas por homens, a fornecedora de material esportivo produziu um comercial temático exaltando o poder da representatividade feminina dentro e fora do campo. A Adidas deu um impulso ainda maior. Além dos uniformes exclusivos para as equipes que patrocina, a marca alemã decidiu igualar a premiação do feminino à oferecida aos times masculinos. Incentivar a modalidade, aos poucos, tem se tornado um diferencial competitivo para o mercado publicitário, que já não pode mais ficar indiferente ao crescimento de interesse e mobilização ao seu redor.
Em maio, o Guaraná Antarctica lançou a campanha “É Coisa Nossa”, incentivando outras empresas a investir no futebol feminino e fazendo um mea-culpa. Apesar de ser patrocinadora das seleções há 18 anos, a marca de refrigerante reconhece que utilizou poucas atletas em seus comerciais. “A ideia é valorizar todas as coisas que o Brasil tem de bom, e o futebol feminino é uma delas”, diz o gerente de marketing Daniel Silber. “Queremos divulgar todo o potencial dessas meninas.” Outras empresas como Gol, Lay’s, O Boticário e DMCard aderiram ao movimento para explorar a imagem de jogadoras em campanhas.
No último 8 de março, Dia Internacional da Mulher, O Boticário já havia anunciado que irá adotar horários flexíveis durante a Copa do Mundo e liberar funcionários para assistir aos jogos do Brasil. “É hora da equidade de gênero entrar em campo e trazer mais diversidade, perspectivas e oportunidades”, prega a campanha, que já conta com adesão de pelo menos 50 empresas. “Apesar de já termos atletas do futebol feminino contempladas, percebemos que seria importante dar um passo além para reforçar ainda mais a intenção de apoio à modalidade”, explica Carlos Tamaki, diretor financeiro da DMCard, que patrocina atletas de futebol e futsal em São José dos Campos (SP).
Em São Paulo, a Nestlé vai instalar telas nos cafés de todos os 10 andares da sede da empresa para mostrar as partidas. “Acreditamos que exibir os jogos é uma forma de dar visibilidade aos nossos talentos da seleção feminina e valorizá-las da mesma forma que fizemos ano passado com a Copa do Mundo de 2018”, afirma Marco Custodio, vice-presidente de RH da Nestlé Brasil. O movimento no setor privado inspira entidades representativas de funcionários públicos a exigir flexibilização de horário em repartições municipais, estaduais e federais para acompanhar os jogos do Brasil.
Hábitos que geralmente só acontecem de quatro em quatro anos, a cada Mundial masculino, já estão se repetindo às vésperas do torneio feminino. Museu do Futebol e SESC terão programação especial ao longo da Copa, incluindo a transmissão de partidas. Ruas pintadas também fazem parte do repertório. Na Brasilândia, periferia da capital paulista, um grupo de artistas enfeitou os muros com grafites em homenagem às atletas. “Ano passado teve Copa e a torcida pintou as ruas. Esse ano tem Copa feminina. Vamos apoiar nossas mulheres com a mesma energia?”, convoca Clara Leff, uma das grafiteiras que participaram da intervenção.
Porém, em que pese a maior repercussão, o abismo entre homens e mulheres ainda soa constrangedor no futebol. Um dos indicativos é a premiação paga pela FIFA às seleções participantes do Mundial. A federação dobrou o valor dos prêmios em relação à última edição, mas a quantia não chega a 1% do montante destinado aos times masculinos em 2018. Campeã sob a batuta de Griezmann e Mbappé, a França recebeu 38 milhões de dólares. Caso repitam o feito, a seleção feminina do país-sede ficará somente com 4 milhões. Por se indignar com tamanha disparidade, a craque norueguesa Ada Hegerberg, de 23 anos, tomou a decisão de não ir à Copa.
Na contramão da euforia pela visibilidade sem precedentes da competição, a seleção brasileira chega desacreditada para a disputa na França. O time comandado pelo técnico Vadão acumula nove derrotas em nove amistosos preparatórios. A falta de consistência tática faz com que a equipe seja ainda mais dependente da experiência e do talento individual de nomes como Marta, Cristiane e Formiga, que participará de seu sétimo Mundial. “Convivi com muitas dessas jogadoras e sei da capacidade que elas têm de superar desafios”, diz Juliana Cabral. “É um momento especial para a modalidade, mas não para a seleção. Não houve evolução nas derrotas e as expectativas de título são baixas. O que pode fazer a diferença é o poder de superação das nossas atletas.”
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