Ouvidas pela primeira vez desde as reuniões preparatórias, mulheres dos nove países amazônicos trazem ao Vaticano relatos de povos locais e um pedido de ajuda. Participação feminina, porém, ainda gera desconforto.
- DW
- 25.10.2019
- Nádia Pontes (do Vaticano)
Marcivana Sateré e Mariluce dos Santos Mesquita, lideranças indígenas que participam do sínodo no Vaticano
Entre os 185 participantes do Sínodo para a Amazônia convocados pelo papa Francisco, um grupo de mulheres fez estreia nesta reunião historicamente dominada por bispos. Vindas dos nove países que abrigam a maior floresta tropical do mundo, a lista com 38 representantes inclui lideranças indígenas, especialistas em temas ligados a meio ambiente e pesquisadoras.
"O papa escutou atentamente tudo o que a gente tinha para falar, os olhos dele nem piscavam", narra à DW Brasil Mariluce dos Santos Mesquita, religiosa da etnia bará, após uma das reuniões com o pontífice no Vaticano.
"O papa escutou atentamente tudo o que a gente tinha para falar, os olhos dele nem piscavam", narra à DW Brasil Mariluce dos Santos Mesquita, religiosa da etnia bará, após uma das reuniões com o pontífice no Vaticano.
Moradora da Terra Indígena do Alto Rio Negro, Mesquita diz que as mulheres, ainda barradas em vários papéis na sociedade, são grandes conhecedoras da realidade na Amazônia por atuarem diretamente nos territórios e cuidarem do alimento e da família. "Ele acredita na gente", diz ela sobre o chefe da Igreja Católica.
Dentro do grupo das chamadas auditoras, essas mulheres trazem ao Vaticano o que ouviram de suas comunidades. Nas reuniões com bispos e o papa, elas podem fazer intervenções, mas não podem votar no documento final que será conhecido ao fim do sínodo.
Essa presença feminina, porém, ainda gera desconforto. "Durante algumas falas, era notável que as mulheres ainda causavam incômodo entre alguns bispos. Muitos ainda não estão acostumados a ouvi-las", comenta Márcia Oliveira, pesquisadora da Universidade Federal de Roraima.
Oliveira participa do sínodo como "perita", dando assessoria teórica, de conteúdo, sobre temas ligados a migrações e fronteiras que devem constar no documento final. "Essa presença aqui é um reflexo de como é na Amazônia, onde são mulheres que lideram muitos movimentos. Se elas não viessem, seria um escândalo", opina.
Presença de indígenas
Com encerramento no próximo domingo (27/10), esta edição do sínodo despertou reações fortes dentro e fora do universo religioso. Com discussões voltadas para questões ambientais e sociais, além de propostas de mudanças internas para aumentar a presença da Igreja Católica no vasto território amazônico, a reunião também foi criticada por ultraconservadores por incluir indígenas.
Mas foi por essa inclusão que, ao relatar a realidade das populações que vivem em Puerto Maldonado, no Peru, Yesica Patiachi Tayori frisou ao papa: "O senhor não está sozinho. As mulheres da Amazônia estão com o senhor." O discurso de Tayori emocionou os participantes.
"Ele talvez valorize o fato de falamos assim, abertamente, com seus cardeais, com seus bispos. Talvez estejamos ajudando-o a transferir coisas que ele próprio deseja que as pessoas dentro da Igreja conheçam", comenta Tayori à DW Brasil.
Para a professora indígena, Francisco parece estar lutando contra a corrente. "É a nossa maneira de ajudá-lo", diz ela sobre o apoio oferecido em nome das mulheres da chamada Pan-Amazônia: Suriname, Guiana, Guiana Francesa, Venezuela, Colômbia, Peru, Equador, Bolívia e Brasil, onde moram cerca de 2,5 milhões de indígenas.
Voz amplificada
Ouvinte atento, Dom Erwin Kräutler, bispo emérito do Xingu, afirma que, até agora, a contribuição das mulheres foi o ponto alto deste sínodo. "São elas que mais participam das ações sociais, que são resistência e não mudam de posição quando são contrárias a certos projetos, que pensam no futuro e nas próximas gerações", argumenta.
Esse tem sido o tom adotado por Marcivana Sateré, liderança indígena de Manaus. "Se não tiver Amazônia, isso vai afetar não só nossas crianças, mas todas as gerações que ainda virão neste planeta", defende.
Sateré acredita que uma parte do mundo já tenha entendido a importância da floresta, mas gostaria que mais brasileiros tivessem atuando em sua proteção. Por isso, o destaque à Amazônia dado pelo papa é bem-vindo.
"Na verdade, a igreja está chamando a atenção aqui para aquilo que estamos vivenciando e falando faz tempo, mas a nossa voz não é tão forte como a de um papa", diz Sateré. "É um clamor profético. Porque, se não pararem para nos ouvir, se não pararem de destruir a floresta, a vida aqui vai ficar insuportável", argumenta ela sobre o papel da Amazônia na regulação do clima global.
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