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sábado, 26 de outubro de 2019

Quarto de despejo, zemiologia e políticas públicas

quarto de despejo

A intenção primordial deste artigo é instigar o leitor a analisar os pontos que se conectam a obra de Maria Carolina de Jesus com a realidade contemporânea do Brasil e os aspectos criminológicos tão constantes na obra da autora.
O livro-diário foi escrito entre os anos de 1955 e 1960, na favela do Canindé em São Paulo, período em que o país estava passando por uma expansão urbana desenfreada, sem qualquer planejamento e sem oferecer o mínimo para se viver com dignidade na favela que se expandia na beira do rio Tiête.

Nesta favela vivia a autora, Maria Carolina de Jesus, mulher, negra, mãe de três filhos, moradora da favela do Canindé, catadora de lixo e escritora. Em seu livro são abordados temas de uma atualidade incrível e elementos que somente quem viveu as mazelas da miséria e da fome pode retratar com tamanha maestria. Dentre os assuntos abordados, encontram-se: racismo, machismo, política, economia, responsabilidade social, as mazelas da desigualdade social e da fome, as violações das minorias e a ausência de políticas públicas para os moradores da favela.
Trazendo o tema para o contexto da criminologia crítica, encontramos inúmeros trechos que coadunam perfeitamente com o pensamento criminológico, principalmente no tocante à zemiologia, termo que surgiu em 1999, elaborado por Hillyard, Pantazis, Tombs e Gordon. 
A zemiologia pode ser conceituada como o estudo do dano (study of harm), trazido principalmente pelo processo da globalização e da ascensão do capitalismo e do consequente consumo desenfreado e aumento de desigualdades sociais. Entre suas espécies encontramos:
  1. Danos físicos, compreendidos como a ausência de alimentação, moradia e saúde adequadas.
  2. Financeiros/econômicos tais como a pobreza, a apropriação indevida de fundos por parte de governos e empresas, a desigualdade social, a ausência de políticas públicas de redistribuição de riqueza.
  3.  Danos contra a segurança cultural, consistente no não acesso aos recursos culturais e intelectuais.
Na obra Quarto de Despejo verificamos, ao longo de toda a escrita, inúmeros trechos que se referem a cada tipo de dano elencado no conceito de zemiologia, respectivamente o dano físico, o dano econômico e o dano contra a segurança cultural, conforme trechos elencados abaixo:
E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual – a fome!
Quem governa o nosso país é quem tem dinheiro, quem não sabe o que é fome, a dor, e a aflição de ser pobre. Se a maioria revoltar-se, o que pode fazer a minorai? Eu estou do lado do pobre que é o braço. Braço desnutrido.
A menina tem 9 anos. Ela pede esmola de manha e vai para a escola a tarde. A menina conhece as letras e os números. Mas não sabe formar palavras.
Nestas passagens podemos perceber os danos sociais persistentes suportados pela autora e pelos moradores da favela do Canindé. Durante todo o livro notamos que são constantes a fome, a ausência de políticas públicas, a falta de acesso à educação e à cultura.  Nesta perspectiva, Maria Carolina de Jesus resiste e enfrenta diariamente as mazelas da desigualdade social, ao encontrar como refúgio a literatura.
A deficiência de políticas públicas efetivas para a diminuição da desigualdade social e para que possa garantir condições dignas da vida humana é uma constante antiga na sociedade brasileira e, para solucionar este é necessária a elaboração de políticas públicas eficientes voltadas, principalmente, para a população que possui uma maior vulnerabilidade ante a sua condição socieconômica.  
Conforme podemos extrair da obra Quarto de Despejo, a miséria, a fome e as péssimas condições de habitação e de saúde são parte das mazelas oriundas da falta de políticas públicas e, como bem alerta Maria Carolina de Jesus
a favela é o quarto de despejo e as autoridades ignoram o que tem no quarto de despejo.

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