Laura Uma mulher leva o Conselho de Direitos Humanos a bom porto
Laura Dupuy: “A Síria requer uma solução política, com paz, justiça e o fim da impunidade”.
Foto: Nações Unidas

Genebra, Suíça, 17/12/2012 – A primeira mulher a presidir o Conselho de Direitos Humanos, a diplomata uruguaia Laura Dupuy, se saiu bem ao final de um dos períodos de sessões mais tensos e conflituosos desde a criação, em março de 2006, desse órgão especializado da Organização das Nações Unidas (ONU).
Coube a Dupuy dirigir, em sessões ordinárias e especiais durante este ano, debates acesos em que foram examinados episódios dramáticos em países árabes como Tunísia, Egito, Líbia, Iêmen, Bahrein e, em particular, Síria. A embaixadora do Uruguai junto aos escritórios da ONU em Genebra ganhou o reconhecimento de seus colegas e de organizações não governamentais por ter levado adiante sessões em alguns momentos tormentosas.
Dupuy garantiu à IPS que sua condição de mulher não representou um obstáculo às suas funções, que terminam no dia 31. “Felizmente não encontrei obstáculos. E mais, creio que países que poderiam ter colocado algum tiveram o cuidado de não fazê-lo”.
IPS: Quais reações observou desde que começaram as sessões anuais em março deste ano?
LAURA DUPUY: Pode ser que alguém tivesse dúvidas sobre o que aconteceria com uma presidenta a quem não conheciam. Mas rapidamente viram que sou apegada às normas e firme nas respostas. A partir de então souberam me respeitar.
IPS: Encontrou algum inconveniente pelo fato de ser mulher?
LD: Tive problemas, mas como mulher creio que tampouco chegaram a ser grandes. O momento mais complicado foi quando foi tratado o caso do Bahrein, pois houve descontentamentos por minha intervenção e críticas às intimidações que sofriam ali os defensores dos direitos humanos que assistiam em Genebra ao debate no Exame Periódico Universal do Conselho sobre a situação nessa nação árabe.
IPS: Houve algum outro mau momento?
LD: Sim, embora não de forma pessoal, porque o que lamentavelmente vi na sala é que países, basicamente os islâmicos, têm um discurso ainda muito retrógrado. E mais, me preocupa que exista um retrocesso em relação à Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948. Também temo que ocorra algo parecido nesses Estados com a Declaração de Viena, adotada em 1993 pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, onde foi reafirmado que os direitos das mulheres são isso, direitos humanos.
IPS: Percebeu essa tendência regressiva em algum outro momento?
LD: A vemos quando continuam questionando ou tentando limitar o alcance do novo Grupo de Trabalho sobre a Discriminação Contra as Mulheres na legislação e na prática. O simples fato de, apesar de não votarem contra, se manifestarem em desacordo com esse novo mandato já marca a situação.
IPS: Acredita que essa orientação persiste?
LD: Persiste. Estamos constatando, lamentavelmente. Por exemplo, agora, no Egito, com o projeto de Constituição. A especialista desse país me informou que foi eliminado do rascunho o parágrafo referente à não discriminação por qualquer motivo, incluindo de gênero e outras. E isso é grave. Trata-se de um princípio central dos direitos humanos.
IPS: A questão está limitada a uma única região?
LD: Não. Observa-se também na declaração de direitos humanos aprovada em novembro pela Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean). A negociação do texto foi somente intergovernamental, sem consultas à sociedade civil, e na redação desse texto o problema do direito das mulheres foi muito importante. A Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, não concordou. Contudo, depois de aprovada, a declaração da Asean foi acrescida de outra resolução, dizendo que o documento seria implantado de acordo com a Declaração Universal de 1948. Esperemos que assim seja, que na medida em que se evolui esse aspecto seja cumprido. Em resumo, do ponto de vista dos direitos da mulher, me parece que há muito por fazer.
IPS: Quais aspectos de destaque marcaram sua presidência do Conselho?
LD: O período está marcado, lamentavelmente, por todas essas situações graves e urgentes dos direitos humanos que o Conselho examinou com a vontade de ouvir todas as partes, inclusive aquelas vozes que frequentemente não são ouvidas, como das vítimas das violações. Nos próximos períodos, o Conselho de Direitos Humanos da ONU dever discutir as melhores formas de enfrentar essas crises e as maneiras de preveni-las.
IPS: Há algum indício de como se pode encarar esse problema no Conselho?
LD: Em uma revisão de seu trabalho e de seu funcionamento, feita em 2011, o Conselho se ocupou, entre outros temas, das formas como pode enfrentar casos graves de violações de direitos humanos. Entre outras propostas, o rascunho sugeria a criação de mecanismos que atuassem como disparadores, externos, objetivos e independentes, em caso de situações de urgência. A iniciativa foi deixada de lado e, em consequência, o Conselho continua enfrentando as situações críticas, principalmente mediante o recurso das sessões especiais de seus membros.
IPS: Que resultados essas sessões especiais apresentam?
LD: Em certo aspecto, as sessões especiais demonstraram obter bastante êxito para enfrentar situações urgentes. Sempre se conseguiu reunir o mínimo de 16 Estados-membros signatários da solicitação de convocação dessas reuniões, como testemunham as 19 sessões especiais realizadas até agora. Porém, deve-se reconhecer que o resultado dessas sessões sempre depende de uma negociação.
IPS: Este ano, chamou a atenção o caso da Síria exigir quatro sessões especiais do Conselho.
LD: Alguns podem pensar que a realização de quatro sessões especiais não ajudou realmente a melhorar a situação no terreno na Síria. Entretanto, ao manter essas numerosas sessões, e somado a um debate urgente, o Conselho cumpriu suas responsabilidades políticas, acompanhando de perto os acontecimentos e enviando uma comissão investigadora com a missão de recolher informação e provas para um potencial futuro procedimento penal em relação ao conflito em curso.
IPS: Que conclusão tira deste caso?
LD: Depois de muitos meses de crise e conflito armado, crescem as pressões, não só para encontrar soluções políticas, mas também para incriminar os responsáveis por crimes internacionais referentes aos direitos humanos e ao direito internacional humanitário. Assim, veio à luz a prioridade, que consiste em uma solução política, com paz, justiça e o fim da impunidade. Envolverde/IPS