Casal que troca ironias prejudica a comunicação e o relacionamento
Heloísa Noronha
Do UOL, em São Paulo
Diálogo irônico é forma adotada por quem não quer enfrentar a situação de frente, diz especialista
Manter uma relação amorosa à base de discussões, gritos e acusações não é dos comportamentos mais sadios. Porém, como na hora da raiva o casal acaba desabafando tudo aquilo que incomoda, certas brigas têm a função de criar um consenso, pois que verdades vêm à tona. A troca de ironias, por outro lado, não oferece nenhuma chance de lidar com conflitos, diferenças e divergências. É só uma maneira nociva de comunicação que se instala no relacionamento, conduzindo-o pouco a pouco ao fracasso.
Há quem acredite que a ironia é uma maneira de falar o que se pensa de um jeito mais leve, mas, na prática, não é bem isso o que acontece. "Quem é irônico sinaliza que não sabe dizer a verdade e por isso precisa machucar o outro com indiretas e insinuações --às vezes, muito maldosas", diz a psiquiatra Taty Ades. Caso essas afirmações irônicas fossem feitas de outra forma, com clareza e sinceridade, o casal evitaria grandes brigas e até términos de relações.
Não é regra que toda ironia irá causar um grande problema, segundo a psicóloga e terapeuta de casais Blenda de Oliveira. Segundo ela, em algumas situações, a ironia pode ser um jeito inteligente e engraçado de falar coisas mais difíceis. Mas os casais devem tomar cuidado para que essa saída não se torne um padrão de comunicação, pois isso sinaliza a dificuldade do casal em ser mais claro e objetivo em suas questões.
Sinal de descontentamento
Em geral, as pessoas lançam mão da ironia quando estão nervosas ou irritadas. "Se a comunicação entre o casal acontece com frequência através de insinuações, a conclusão é de que há problemas no relacionamento", afirma a psicóloga Triana Portal.
Geralmente adotada por pessoas que supervalorizam sua própria importância e consideram suas ideias as únicas corretas, a ironia não deve ser considerada uma forma mais leve de expressão. "É uma forma de maquiar um insulto", diz Triana.
Para a terapeuta sexual e de família Maria Luiza Cruvinel, o sarcasmo é um tipo de menosprezo sutil que provoca tensão e negatividade na relação. "É um modo de interação destrutivo que desqualifica os sentimentos, os pensamentos e a personalidade do outro, causando mágoa e danos à autoestima do parceiro", afirma. As ironias sabotam as tentativas de comunicação e, à medida que vão se transformando em hábito, se tornam arraigadas e o casal passa a se concentrar nos aspectos negativos do relacionamento.
Busca de diálogo
Muitos casais acreditam que se tornarão vulneráveis e reféns do parceiro se forem francos ao se expressar, segundo a psicóloga Cristina Volker. Por isso, eles costumam utilizar máscaras para conseguirem se relacionar. "É uma estratégia de defesa, pois se sentem inseguros para expor o que pensam e acabam criando alternativas que geralmente comprometem a qualidade da relação", afirma.
O pior é que nem sempre as piadinhas sarcásticas ficam restritas às quatro paredes. Alguns casais trocas farpas na frente de amigos e familiares, com o intuito de humilhar e ridicularizar o outro. A intenção de quem inicia a provocação é clara: mostrar que o outro não é digno de crédito nem de respeito.
"Expor o relacionamento ou o parceiro publicamente é uma forma de chamar a atenção. Isso pode ser inconsciente, como um pedido de intercessão de terceiros para resolver os dilemas, ou consciente, como forma de denegrir o outro, de se autovalorizar. De qualquer maneira, comunica claramente que a relação está doente e que a admiração pelo outro já não existe mais", diz Triana.
De acordo com Taty, os casais desenvolvem esse tipo de relação quando sentem que não conseguem dialogar da forma correta, olhando-se nos olhos e com a confiança de poder revelar aquilo que sentem. "O diálogo que provém da ironia é uma fuga da realidade, uma forma de não querer enfrentar a situação de frente. É um sinal de imaturidade emocional por parte dos casais, que evitam lidar com as conversas honestas que exigem os momentos de crise", afirma a psiquiatra.
Uma vez estabelecido, é muito difícil romper esse padrão. É preciso que um dos dois comece realmente a se sentir incomodado e, a partir desse desconforto, faça uma avaliação sobre se quer ou não ficar junto com o parceiro. A partir daí, ambos precisam construir uma relação mais verdadeira, reconhecendo quais motivos levaram à ironia e passando a ter um diálogo sincero. Só assim é possível estabelecer um relacionamento saudável e maduro.
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