‘É muito difícil saber que o filho na sua barriga vai morrer’
Paula Adamo Idoeta
Da BBC Brasil em São Paulo
Grávida de cinco meses, Elisa (nome fictício) desconfiou que algo não ia bem pela cara do médico durante o ultrassom.
Mãe de um menino de seis anos, a dona de casa pernambucana de 23 anos engravidara novamente torcendo para ganhar uma menina.
Ela perguntou ao médico se havia algum problema. "Seu bebê não tem cérebro. Ele não sobreviverá fora do útero", ouviu do médico.
"Eu e meu marido entramos em choque", diz ela à BBC Brasil. "É muito difícil saber que o filho na sua barriga vai morrer."
Elisa é uma das gestantes de bebês anencéfalos que, desde o ano passado, têm o direito de interromper a gravidez, por decisão do Supremo Tribunal Federal.
Depois de ter o procedimento negado no hospital mais perto de sua casa, a 680 km de Recife, Elisa realizou o procedimento na capital pernambucana.
"Nas capitais do Nordeste, a mudança é grande (desde a decisão do STF)", diz Olímpio Moraes, ginecologista que atendeu Elisa em Recife, no mês passado. "Mas, no interior, há desconhecimento das mulheres, e muitos profissionais não dão informações."
Elisa disse que tinha ouvido falar da decisão do Supremo, mas só soube mais ao fazer buscas na internet e recorrer a uma prima enfermeira, que a acompanhou durante o tratamento em Recife.
"Acho que, se não tivesse (tido a ajuda), teria continuado (a gravidez), ia ser ainda mais doloroso. Quem não tem informação vai sofrer mais."
A perda ainda é sentida, mas Elisa diz que, mais para frente, pretende retomar o sonho de ampliar a família.
"A dor da perda veio mesmo oito dias depois (do aborto), quando vi meu bebê sendo enterrado. Agora fiquei bem (de saúde), mas é um fardo doloroso."
Dor física e psicológica
Até um ano atrás, mulheres como Elisa só podiam interromper a gestação com autorização de um juiz.
Em São Paulo, a primeira a obter essa autorização foi Cátia Correa, em 1993. Ela descobriu a anencefalia em um ultrassom de rotina e carregou o bebê até quase oito meses de gestação.
"Por mim, queria ir ao hospital na hora (e terminar a gravidez). Era muita dor física e psicológica", diz à BBC Brasil. "Não gostava nem de sair de casa, porque as pessoas ficavam dizendo: 'que barriga bonita! Quando nasce o bebê?'."
Hoje aos 43 anos, e mãe de quatro filhos adotivos após outras gestações malsucedidas, Cátia ainda sofre ao chegar perto de crianças recém-nascidas.
Cátia se diz religiosa e contra o aborto, mas comemorou a decisão do Supremo.
"O caso (da anencefalia) é especial. Você vê seu corpo mudando, mas não pode fazer o enxoval do bebê. Na época (em que interrompi a gravidez) fui muito questionada, era dor em cima de dor. Eu tive que brigar para ter esse direito, é ruim. Acho que cada uma tem o direito (de decidir) sim ou não."
'Falsa solução'
Mas na opinião de Lenise Garcia, membro da comissão de bioética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o aborto é uma "falsa solução".
"(A gravidez) foi um fato na vida dela que não há como apagar. Abortar não vai resolver seu sofrimento."
Questionada ao respeito do direito de escolha da mulher, ela diz que "o direito da criança está à frente". "E não é uma escolha definitiva. É tomada em um momento de pressão. Não achamos que seja uma solução."
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