Psicoterapia ajuda a resolver ações de família na Bahia
Por Victor Vieira
Longe dos divãs, casais em separação ou filhos de pais divorciados têm encontrado técnicas de terapia nos tribunais. Os juízes não foram substituídos por psicólogos, mas o Judiciário decidiu importar alternativas dessa área para resolver litígios de família. Um dos exemplos é o da Comarca de Castro Alves (BA), que usa o método das constelações sistêmicas familiares, inspirado no trabalho do filósofo, teólogo e terapeuta alemão Bert Hellinger. A prática, que envolve dinâmicas, discussões em grupo e depoimentos de crianças com brinquedos, de modo lúdico, leva à conciliação em quase 90% dos processos.
“É uma experiência piloto que iniciamos em outubro de 2012 e nossa meta é aplicá-la em todos os processos de família que temos”, anuncia o juiz da Vara Cível da Comarca da cidade, Sami Storch. Além de encerrar a disputa judicial, segundo ele, o método permite o reconhecimento mútuo dos problemas e diminuição das mágoas. Inicialmente, o recurso psicoterápico era usado somente em audiências, mas depois foram promovidas palestras coletivas. “As pessoas ficam sensibilizadas, até chegam às lágrimas durante os encontros”, conta o juiz, que aprendeu sobre as constelações familiares quando era advogado.
Segundo os dados da comarca, o índice de conciliações é de 88% nos processos em que uma das partes vivenciou a prática e de 69% nos outros. Em questionários respondidos por 60 pessoas após uma audiência de conciliação, mais da metade reconheceu a importância da palestra para chegar a um acordo. A iniciativa, para Sami Storch, também tem mudado a mentalidade de servidores e advogados sobre os litígios de família. Na segunda (27/5) e na terça-feira (28/5), haverá mais duas palestras com as constelações familiares. Entre 17 e 18 de junho, haverá um mutirão de conciliação na Comarca de Castro Alves.
Segunda chance
Outra iniciativa no mesmo sentido ganhou força em 2012, com a incorporação, pelo Conselho Nacional de Justiça, das chamadas oficinas de parentalidade, apoiadas pelo conselheiro José Roberto Neves Amorim. A ideia dessas atividades é fornecer aos casais ferramentas que evitem a separação conjugal e tentem a conciliação ou mediação, sem tratar o divórcio como vingança. As primeiras experiências foram na Bahia, no Distrito Federal e no Rio de Janeiro. Hoje o procedimento já é adotado em cerca de 50 comarcas no país e o CNJ decidiu treinar os juízes para dar as palestras.
“O material sempre foi muito pedagógico, fácil de ser replicado”, conta o juiz André Gomma Azevedo, da Bahia, membro da Comissão do Movimento Pró-Conciliação do CNJ e um dos responsáveis por difundir as oficinas. Segundo ele, os promotores e juízes aprovaram a ideia porque evidencia a tendência do Judiciário de resolver a questão além dos processos. “É importante lembrar que não se trata de um trabalho para substituir a psicoterapia. Queremos apenas mudar a dinâmica nos tribunais”, ressalta.
Desde março, a 2ª Vara da Família e Sucessões de São Vicente (SP) tem adotado uma versão adaptada, as oficinas de pais e filhos, baseadas em experiências do Brasil, dos Estados Unidos e do Canadá. A cada semana, envolvidos em litígios se reúnem por quatro horas para discutir os problemas familares. Eles são divididos em três grupos, de dez a 15 pessoas: um dos adultos, outro dos adolescentes (12 a 17 anos) e outro das crianças (6 a 11 anos). Os casais são separados em turmas diferentes para evitar desentendimentos durante a atividade. Duas cartilhas também ajudam na condução das oficinas.
"É um programa multidisciplinar, que funciona como uma etapa preparatória para a mediação. Além de mostrar boas práticas parentais e os efeitos nocivos das brigas às crianças, trazemos questões jurídicas, como a diferença de guarda alternada ou compartilhada", explica Vanessa Aufiero da Rocha, juíza da 2ª Vara da Família e Sucessões de São Vicente. No estado de São Paulo, 17 comarcas já estão interessadas no trabalho, inclusive a da capital. Em agosto, o CNJ lançará o mesmo projeto para todos os tribunais de país.
União delicada
A relação entre operadores do Direito e da Saúde tem sido cada vez mais comum, mas é acompanhada de ressalvas. A psicanalista e diretora do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Giselle Groeninga, defende o foco na resolução da disputa judicial. O fim do conflito, para ela, envolve um processo mais complexo, que fica além da competência do Judiciário. “Não podemos ter a ilusão de que algumas horas de palestras possam mudar substancialmente as relações”, alerta a especialista, que destaca a importância de formação específica na área.
Embora a meta seja aliviar o número de ações de família que chegam às cortes, não deve ser adotada a política da conciliação a todo custo. “Tais iniciativas podem agravar a situação”, adverte a especialista. Para ela, a grande quantidade de acordos vista na Comarca de Castro Alves pode ter mais ligação com a nova postura dos juízes do que com a Psicoterapia. “Será que um tratamento mais humanizado e respeitoso, um sistema que funcione, cartórios eficientes, juízes menos sobrecarregados, equipes multi e interdisciplinares e varas especializadas não surtiriam melhor e mais seguro efeito?”, questiona.
Victor Vieira é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico
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