Thais Leitão
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A intensidade com que o debate sobre a criminalização de adolescentes ganha força no país, como a redução da maioridade penal, não é acompanhada pelos esforços, inclusive legislativos, voltados à prevenção da violação de direitos dessa parcela da população. Essa é a avaliação de representantes de instituições ligadas à defesa de direitos de crianças e adolescentes que participaram hoje (23) de audiência pública na Câmara dos Deputados.
Levantamento, apresentado pela entidade, mostra que, do total de 1.566 proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional sobre crianças e adolescentes, nenhuma prevê medidas preventivas. Tratando da redução da imputabilidade penal de 18 para 16 anos foram identificadas 41 propostas de emenda constitucional. O mapeamento também encontrou 22 projetos que preveem alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), incluindo na legislação a lógica do direito penal juvenil.
Entre eles, apenas dois são considerados positivos pelos representantes: um que propõe a inclusão dos trabalhadores do sistema socioeducativo no Bolsa Formação, do Programa Nacional de Segurança Pública, e outro que trata da supervisão das atividades em regime de semi liberdade pelo sistema de Justiça.
Ao todo, foram listados 96 projetos considerados prioritários pelas entidades, não em razão das mudanças propostas, mas por causa da alta adesão parlamentar e pela elevada possibilidade de impacto, positivo ou negativo, no campo dos direitos humanos.
Os dados foram compilados pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), durante elaboração da Agenda Propositiva para Crianças e Adolescentes 2013, apresentada hoje aos parlamentares. O documento foi definido conjuntamente por 30 organizações ligadas ao tema, com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
Na avaliação do diretor do Inesc, organização não governamental que atua para assegurar a efetivação dos direitos do Estatuto da Criança e do Adolescente, José Antônio Moroni, é preciso reverter a tendência de enxergar o adolescente como "o mal do país".
“A maioria dos projetos em tramitação prevê a retirada de direitos dos adolescentes, em geral criminalizando essa parcela da população. Não estamos só saindo da agenda da negação do direito, mas retrocedendo ao cair na lógica da criminalização, colocando crianças e adolescentes sob o olhar do Código Penal”, disse.
O debate sobre a criminalização de adolescentes voltou à tona recentemente, após o assassinato, no início de abril, do estudante Victor Hugo Deppman, 19 anos, durante um assalto em São Paulo. O agressor era um adolescente de 17 anos que, dias depois, completou 18. Com isso, ele cumprirá medida socioeducativa, pois o crime foi cometido quando ainda era menor de idade. Pouco depois, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, veio a Brasília para defender alterações no ECA e no Código Penal com o objetivo de tentar coibir a participação de adolescentes em crimes. Uma das propostas é ampliar para até oito anos o período de internação do jovem em conflito com a lei.
Ainda durante a audiência, José Antônio Moroni ressaltou que a inexistência de projetos voltados à prevenção da violação de direitos contraria o discurso de que essa é a maneira mais eficaz de cumprimentos das garantias. Em sua avaliação, a atuação do Parlamento brasileiro nessa área tem sido fragmentada e desfocada das questões essenciais, como a construção de políticas públicas que garantam o acesso aos direitos já conquistados.
Como exemplo de propostas preventivas, ele citou as de apoio financeiro e socioeducativo para garantir a convivência familiar adequada a crianças e adolescentes e ainda as que determinem a existência de instrumentos públicos de lazer para uso dessa parcela da população nas diversas comunidades.
O diretor do Inesc ressaltou que a agenda propositiva entregue aos parlamentares nesta quinta-feira, contendo o mapeamento dos projetos em tramitação sobre o tema, é um importante instrumento de diálogo com a classe política e com a sociedade.
"Se não conseguirmos conscientizar a sociedade sobre a necessidade de mudarmos a cultura da penalização e da retirada de direitos de crianças e adolescentes, não vamos encontrar repercussão no Parlamento", acrescentou.
Ao defender uma política de ampliação e não de restrição de direitos, a presidenta do Conanda, Maria Izabel da Silva, enfatizou a importância do fortalecimento de ações de prevenção e de enfrentamento ao tráfico de drogas.
Ela lembrou que dos 9,8 mil adolescentes que cumprem medidas socieducativas em São Paulo, mais de 41% estão nessa condição por envolvimento com o tráfico de drogas e cerca de 30% em razão de roubo associado às drogas. Os latrocínios, roubos seguido de morte, correspondem a apenas 0,96% do total. São Paulo concentra mais da metade dos adolescentes que cumprem essas medidas.
Entre os projetos em tramitação no Congresso Nacional considerados positivos pelos especialistas estão o Plano Nacional de Educação (PNE), o projeto de lei do governo brasileiro (PL 7.672 de 2010) que modifica o ECA e prevê possibilidade de aplicação de pena aos pais e responsáveis que castigarem fisicamente os filhos ou derem tratamento cruel ou degradante a eles, a chamada de Lei da Palmada, além de propostas de fortalecimento dos conselhos tutelares.
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