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quarta-feira, 22 de maio de 2013


Trabalho infantil deve e pode ser erradicado

Por Mauricio de Figueiredo Côrrea da Veiga

Tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição 35/2011, de autoria do deputado Onofre Agostini (PSD-SC), que altera o artigo 7º, XXXIII, da Constituição Federal, no intuito de permitir que o adolescente possa a ser empregado a partir dos 14 anos de idade.

A atual redação do artigo 7º, XXXIII da Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que não pode ser empregado o menor cuja idade for inferior a 16 anos, salvo na condição de aprendiz e mesmo assim a partir dos 14 anos, sendo vedado o trabalho noturno, perigoso ou insalubre.

Trata-se de norma cuja redação foi estabelecida pela Emenda Constitucional 20 de 1998, sendo que até 16/12/1998, data de promulgação da alteração legal o texto vigente proibia o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos e vedava qualquer trabalho ao menor de 14 anos, salvo na condição de aprendiz.

A proposta de emenda à Constituição sugere que o artigo 7º, XXXIII da Constituição Federal passe a ter a seguinte redação: “XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos.”

O parlamentar apresenta como justificativa os seguintes argumentos:

“A Constituição Federal veda qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. No entanto, o texto atual não condiz com a realidade do país e de vários jovens que necessitam trabalhar para sobreviver. Acontece que os adolescentes proibidos de trabalhar acabam atraídos pelo mercado informal de trabalho, ou para a prática de mendicância, e até mesmo compelidos ao tráfico.

Não é razoável impedir que menores de 16 anos e maiores de 14 anos de idade exerçam atividades laborativas a fim de complementar a renda familiar. Havendo acompanhamento, estando o adolescente regularmente matriculado e frequentando a escola, o trabalho só trará benefícios, tendo em vista que além de gerar rendimentos para a família será um fator positivo para a sua formação moral e educacional. Ademais, o adolescente trabalhando na formalidade não terá tempo para perambular pelas ruas e nem de se envolver em atividades ilícitas.

A vedação constitucional impossibilita a contratação de um número incalculável de jovens, e retira a oportunidade de obter um sustento digno com uma renda mensal para sua sobrevivência e de sua família.

Desse modo, a permissão para o trabalho do menor de 16 anos e maior de 14 anos, certamente, contribuirá não só para a formação profissional e de sua personalidade, como também para o exercício de sua cidadania.”

A Constituição da República Federativa do Brasil consagra princípios de garantia ao livre trabalho e do valor social do trabalho e estabelece em seu artigo 1º, IV, que o trabalho é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, além de ser um direito social, conforme previsão contida no artigo 6º.

Já o artigo 170, caput, enumera o trabalho com um fundamento da ordem econômica. Verbis:

O trabalho também é base da ordem social, nos termos do artigo 193 da CF.

Nota-se, portanto, que são normas constitucionais de eficácia plena, de aplicabilidade imediata e na lição de Michel Temer[1], “não necessitam da intermediação do legislador infraconstitucional”.

Pode se dizer que vivemos na sociedade do trabalho, através dele o homem se eleva, sendo que a compreensão da própria vida humana está no trabalho, seja no campo religioso, econômico ou jurídico.

Nesta linha, ressalta João Leal Amado[2] que “o trabalho surge, para alguns, como a verdadeira essência do homem, como um meio de realização pessoal e de expressão de si, como um indispensável meio de aumentar a riqueza da nação e de aquisição de rendimentos para o indivíduo que o presta, como um meio de ordenar o mundo.”

Ao contrário do que se pregava em tempos remotos, trabalho não é sinônimo de castigo, mas a santificação das criaturas, nos dizeres de Rui Barbosa[3], que afirmava. Verbis:

“Tudo o que nasce do trabalho, é bom. Tudo o que se amontoa pelo trabalho, é justo. Tudo o que se assenta no trabalho, é útil. Por isso, a riqueza, por isso, o capital, que emanam do trabalho, são, como ele, providenciais; como ele, necessários, benfazejos como ele. Mas, já que do capital e da riqueza é manancial o trabalho, ao trabalho cabe a primazia incontestável sobre a riqueza e o capital.”

Ao citar Lincoln o Águia de Haia afirmava que o capital não depende do trabalho, muito pelo contrário. O trabalho precede ao capital, sendo que este é fruto do trabalho e não chegaria nunca a existir, se primeiro não existisse o trabalho, razão pela qual a importância dada ao trabalho.

Esta percepção é recente pois, por muito tempo, o trabalho escravo foi a força motriz de várias economias. Relata o advogado Thiago Chohfi [4]que “trabalhar não era algo agradável; mas sim, uma atitude desprezível aos olhos daqueles que apenas desfrutavam do suor de outra classe: os trabalhadores.

É dever do estado a promoção de políticas sociais que possibilitem o livre acesso do cidadão ao trabalho digno.

Octávio Bueno Magano[5] ressalta que a Constituição Federal enumera inúmeros dispositivos relacionados ao trabalho, porém todos estão subordinados a uma ordem finalista: “a saber, a realização do desenvolvimento econômico e da justiça social.”

A Declaração Universal dos Direitos do Homem de forma direta prevê que. Verbis:

“Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições eqüitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego.”

Quando se fala em direito e garantia ao livre trabalho, não há como deixar de mencionar o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo este o pressuposto de qualquer trabalho, seja no Brasil ou em qualquer parte do mundo.

A ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi[6] menciona relevante diploma que trata do assunto em questão. Verbis:

“Na Declaração dos Princípios Fundamentais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social, aprovada em Querétaro, República Mexicana, em 26.9.1974, nos Princípios gerais, item 5, está expresso:

O direito do trabalho e da seguridade social têm como base o princípio de que o trabalho não é uma mercancia, senão a atividade material e intelectual do homem dirigida à criação de toda classe de bens e valores, e como meta da justiça social, cuja essência consiste na garantia da saúde, da vida, da igualdade, da liberdade e da dignidade humana e o asseguramento de condições e prestações que capacitem aos homens para desenvolver integralmente suas aptidões e faculdades e compartir os benefícios do progresso econômico da civilização e da cultura.”

Diante dos preceitos constitucionais envolvidos, pode se dizer que o titular do direito ao trabalho é o indivíduo que preencher os requisitos técnicos para o exercício da profissão, por ele livremente escolhido, desde que a atividade seja lícita.

Com muita propriedade, Gilda Maciel Corrêa Meyer Russomano[7], afirma que “A proteção internacional da pessoa, titular de direitos civis e políticos, ganhou nova dimensão com o reconhecimento da necessidade de se dar, igualmente, no mesmo nível, proteção ao homem como trabalhador.”

Ressalta a renomada autora que, nesse sentido, o Tratado de Versalhes seria um sinal dos tempos e que, desde a proposta de melhoria da condição do trabalhador considerada em seu conjunto, “as normas internacionais inseriram, na competência internacional, um elenco numeroso de direitos humanos.”

Desta forma, “Em uma sociedade na qual, cada vez mais, o homem vive do seu trabalho e na qual o acesso ao trabalho bem como o direito de exercê-lo constituem condições indispensáveis à dignidade e ao pleno desenvolvimento de sua personalidade, não há como se excluir do conceito de direitos humanos os direitos fundamentais do trabalhador, tanto no plano individual quanto no plano coletivo das prerrogativas sindicais.”

Não há dúvidas de que o direito ao trabalho é um direito fundamental.

Todavia, outro direito fundamental deve ser levado em consideração, que é o direito à educação e ao lazer.

O menor de 14 anos ainda é uma criança que está em franco desenvolvimento emocional e biológico, apesar de ser inegável que com o passar dos tempos a maturidade está completa cada vez mais cedo.

Nesta idade é imprescindível e fundamental que o menor esteja dedicado aos estudos e não inserido no mercado de trabalho.

É evidente que o menor desprovido de condições econômicas queira – e necessite – ajudar o orçamento familiar, sendo, muitas das vezes o arrimo de família em camadas mais pobres, ocorre que tal fato, necessariamente, o excluirá do meio acadêmico, prejudicando, de forma grave, o seu desenvolvimento e o privando de melhor colocação no mercado de trabalho em futuro próximo.

Atualmente o Brasil figura entre as dez maiores economias mundiais. O prematuro ingresso do jovem no mercado de trabalho implicará em desqualificação de mão-de-obra, fazendo com que aquele menor que deveria estar em período integral de desenvolvimento e aprimoramento intelectual, renuncie a esta possibilidade, lançando-se no mercado de trabalho.

Outro dado interessante foi mencionado pela Procuradora Regional do Trabalho, Eliana Araque dos Santos[8] ao proferir palestra sobre trabalho infantil durante o Seminário em comemoração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao discorrer acerca da redução da idade mínima para ingresso no mercado de trabalho, redução esta, introduzida pela Emenda Constitucional de 1967. Verbis:

“(...) quando se reduziu a idade limite para o trabalho para 12 anos, fê-lo justamente no sentido de possibilitar a inserção no mercado de trabalho de um contingente de pessoas desempregadas, sem condições de sobrevivência, que estavam sem condições de empregabilidade e, no entanto, nada foi feito. Nem sequer se reduziu, pelo contrário, aumentou o número de crianças fora da escola, ou com problema de aprendizado, ou desempregada, etc.”

Nota-se, portanto, que a redução da idade mínima para a inserção no mercado de trabalho pode significar aumento da evasão escolar e não implicará em assegurar dignidade àquelas famílias.

A correta formação acadêmica constitui requisito indispensável para o indivíduo, conforme se pode observar das inúmeras recomendações internacionais acerca do tema.

O Brasil é signatário da Convenção nº 138 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada em 2001 e que dispõe sobre a idade mínima para ingresso no emprego, assim redigida. Verbis:

A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho:

(...)

3. A idade mínima fixada nos termos do parágrafo 1 deste Artigo não será inferior à idade de conclusão da escolaridade compulsória ou, em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos.

(...)

Nota-se, portanto, a preocupação mundial com a regulamentação do trabalho do menor, a justificar a recomendação de que a pessoa estará apta para ingressar no mercado de trabalho ao término da escolaridade básica, o que geralmente ocorre aos 15 anos de idade.

As diretrizes e bases da educação nacional são regidas pela Lei 9.394/1996, cujo artigo 32, alterado pela Lei 11.274/2006, prevê que “o ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão.”

De acordo com a referida legislação, o ensino fundamental obrigatório terminará aos 15 anos de idade, o que por óbvio, não quer dizer que a partir desta idade o jovem deverá se concentrar no mercado de trabalho, pois os estudos devem acompanhar o cidadão durante toda a sua vida.

A Recomendação 146 da OIT também é expressa ao discorrer acerca da idade mínima. Verbis:

“ 7 –

(1) Os Países-membros deveriam ter como objetivo a elevação progressiva, para dezesseis anos, da idade mínima, para admissão a emprego ou trabalho, especificada em cumprimento do Artigo 2 da Convenção sobre a Idade Mínima, de 1973.

(2) Onde a idade mínima para emprego ou trabalho coberto pelo Artigo 2 da Convenção sobre a Idade Mínima, de 1973, estiver abaixo de 15 anos, urgentes providências deveriam ser tomadas para elevá-las a esse nível.

8 - Onde não for imediatamente viável definir uma idade mínima para todo emprego na agricultura e em atividades correlatas nas áreas rurais, uma idade mínima deveria ser definida no mínimo para emprego em plantações e em outros empreendimentos agrícolas referidos no Artigo 5, parágrafo 32, da Convenção sobre a ldade Mínima, de 1973. ”

Ocorre que, até pode ser justificável, que comprovada a regular matrícula em instituição de ensino, o jovem pode ingressar no mercado de trabalho.

Atualmente, o jovem com idade entre 14 e 16 anos não poderá ser um empregado regular. Contudo, é inegável a presença desta camada da população no mercado de trabalho, mas que atualmente está à margem da lei.

Tal fato ocorre, principalmente, nos núcleos familiares em que o jovem precisa se lançar no mercado de trabalho para complementar a renda familiar.

No intuito de prevenir este tipo de situação é que estabelece a Recomendação 146 da OIT, ao sugerir a adoção de mecanismos sociais que visem preencher esta lacuna e evitar que o jovem abandone seus estudos para se inserir no mercado de trabalho. Assim estabelece o item 3 do referido diploma. Verbis:

“ Deveriam ser objeto de especial atenção as necessidades de crianças e adolescentes sem famílias, ou que não vivam com suas próprias famílias, ou de crianças e adolescentes que vivem e viajam com suas famílias. As medidas tomadas nesse sentido deveriam incluir a concessão de bolsas de estudo e treinamento.”

Em que pesem os sólidos argumentos constantes na Proposta de Emenda à Constituição, no presente caso, existem dois elementos que obstaculizam a aprovação da alteração legislativa.

O primeiro obstáculo é de ordem formal.

Conforme demonstrado no tópico acima, o Brasil é signatário da Convenção 138 da OIT e se comprometeu a seguir uma política nacional que eleve, progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego, fato este, que, pelo princípio do não retrocesso, deve ser respeitado pelo ordenamento jurídico pátrio.

Uma vez ratificadas as Convenções, os países que ratificaram estas Convenções passam a se submeter ao órgãos regulares de monitoramento da OIT, dentre eles, a Comissão de Peritos em Aplicação de Convenções e Recomendações, composta por juristas de diversos lugares do mundo, dentre eles o Brasil, representado pelo insigne ministro Lélio Bentes Corrêa do Tribunal Superior do Trabalho.

O segundo fundamento é de ordem biológica e econômica.

Com efeito, o menor a partir dos 14 danos de idade, ainda não completou o seu ciclo de desenvolvimento e maturidade intelectual, sendo que o seu ingresso no mercado de trabalho, implicará em desqualificação de mão-de-obra, excluindo do competitivo mercado de trabalho aquele jovem que não concluiu os estudos no momento em que deveria.

Outrossim, estudos realizados pela Organização Internacional do Trabalho, demonstram que a criança que ingressa no trabalho de forma prematura, no decorrer de sua vida adulta, apresenta média salarial bem inferior daquele jovem que começou a trabalhar após os 18 anos.

[1] Michel Temer – Elementos de Direito Constitucional – 23ª Edição – 2010 – Ed. Malheiros – P. 26

[2] João L. Amado – Contrato de Trabalho à luz do novo Código do Trabalho – Coimbra Ed. – P. 17/18.

[3] Rui Barbosa Escritos e Discursos Seletos – 1ª Ed. – 1960 – P. 434

[4] Thiago Chohfi – Subordinação nas Relações de Trabalho – Ed. LTr – 2009 – P. 37

[5] Manual de Direito do Trabalho – Vol. 1 – 1980 – Ed. LTr. – P. 72

[6] O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na perspectiva do direito como integridade – 1ª edição – 2009 – LTr – P. 26/27.

[7] Direitos Humanos. 2ª Ed. – Juruá 0 2011 – P. 11

[8] In Revista do TST – Brasília – vol. 75, nº 1 – jan/mar 2009 – P. 102

Mauricio de Figueiredo Côrrea da Veiga é advogado trabalhista, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes (RJ).

Revista Consultor Jurídico

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