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domingo, 26 de maio de 2013

Grávida no pronto-socorro

Estar grávida não garante à futura mãe um tratamento de urgência de melhor qualidade. Duas mulheres contam suas experiências em atendimentos de urgência

Por Ivonete Lucirio 
barriga_gravida (Foto: Shutterstock)
Foi-se o tempo em que a gestação era considerada doença. A maioria das mulheres trabalha até o finalzinho da gravidez, vai à praia, cuida dos outros filhos. Leva, enfim, uma vida normal. Mas não dá para negar que o momento é mais delicado, de certa fragilidade que, por si só, já deveria garantir presteza e até uma dose maior de delicadeza, principalmente quando se trata de um pronto-socorro. Muitas vezes, porém, não é bem isso o que acontece. “Entre os problemas mais frequentes nos PSs estão falhas na relação médico-paciente, erros diagnósticos, solicitação de exames desnecessários ou, o contrário, falta de prescrição para realizar outros que são essenciais”, enumera a ginecologista e obstetra Carla Delascio Lopes, da Unifesp. “Gestantes são pacientes que necessitam de atenção especial, independentemente do motivo que as levaram ao hospital. Por isso, quem realiza a triagem deve ficar atento. Uma queixa simples, como azia, pode ser indício de algo mais sério”, avisa.
Não existem estatísticas que revelem qual o tempo médio de espera nos pronto-socorros, mas não é incomum ela ultrapassar duas horas. Prova de que o problema é real é que existem projetos de lei, como o da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, que visa estipular um prazo para o atendimento. Na maior parte dos hospitais, os pacientes – sejam eles gestantes ou não – são avaliados de acordo com a Classificação de Risco de Manchester. Essa escala determina que, depois de uma triagem inicial, os pacientes recebam uma pulseira de acordo com a gravidade do seu caso, o que vai definir o tempo máximo que pode transcorrer até o atendimento. Quem recebe uma pulseira vermelha deve ser atendido imediatamente; cor laranja recebe atendimento em até dez minutos; amarelo, 60; verde, 120; e azul, 240.
A gestante Silvia Moreira Gouveia chegou a uma maternidade de São Paulo no dia 3 de dezembro de 2012 com dilatação máxima e foi levada rapidamente para a sala onde se realiza um exame de praxe, a tococardiografia, que mede os batimentos cardíacos do bebê. “Me deixaram 40 minutos sozinha na sala, sem médico e sem companhia. Sentia tanta dor que cheguei a vomitar e vieram me atender porque comecei a gritar”, conta ela. Como o filho Daniel, de 5 meses, acabou nascendo saudável, ela não realizou qualquer reclamação formal. “Isso é comum. Quando o parto termina bem, os pais não costumam registrar queixa no hospital ou em órgãos competentes. Querem mais é cuidar da criança”, diz o pediatra José Fernando Vinagre, corregedor do Conselho Federal de Medicina. “Mas qualquer paciente que se sinta lesada deve procurar o Conselho Regional de Medicina de seu Estado para que o caso seja apurado”, completa.
Em suas várias idas ao pronto-socorro, a fotógrafa Carla Raiter, de 30 anos e mãe de Gael, de um 1 e meio, chegou a ficar duas horas e meia esperando. Mas isso nem foi o pior. Ela teve hiperêmese gravídica, ou seja, vômito sucessivo. “Nada parava no meu estômago e eu ia duas a três vezes por semana ao pronto-socorro”, conta Carla. “Em uma das ocasiões, passei horas e fui atendida por um determinado médico. Saí de madrugada e ele me mandou voltar na manhã seguinte. Cheguei lá e ele não estava mais. Fui atendida por uma médica, tive de contar toda a história de novo. E sabe o que ela me disse? ‘É normal, você não é a única grávida com essa frescura’”, lembra Carla, indignada. Esse não foi o único absurdo que teve de ouvir. Em outra consulta no PS, ela falou para o profissional que a estava atendendo que tinha hiperêmese gravídica. “E ele disse, com um sorriso irônico: ‘É mesmo? Quem te ensinou esse nome, bonitinha?”, conta ela. “Voltei para o trabalho e chorei o dia inteiro de raiva!”, recorda-se.
Talmai e o marido, André (Foto: Raoni Maddalena)
Talmai e o marido, André
(Foto: Raoni Maddalena)
Em casos extremos, o mau atendimento soma um tempo desumano de espera, falta de empatia e mesmo descaso por parte de quem mais deveria apoiar a paciente. Em 20 de julho do ano passado, a fisioterapeuta Talmai Fernandes Terra, de 29 anos, mãe de Clara, 2, entrou em processo de aborto ainda em casa, por volta de 1 hora da manhã. A situação era esperada, já que o feto tinha sérios problemas de malformação. A hemorragia era muito forte e Talmai se dirigiu ao Hospital Brasil, em Santo André, na grande São Paulo. O que aconteceu chegando lá foi uma sequência de erros, segundo o relato da fisioterapeuta. Depois de encarar uma série de processos burocráticos na recepção, ela foi levada a uma sala de exames, onde ficou esperando durante 15 minutos pelo médico. Quando o profissional apareceu, ouviu a história sem demonstrar qualquer reação. Então, colocou a mão em seu útero e arrancou o bebê, sem a mínima compaixão. Depois, enrolou o feto em uma luva, sem muito cuidado.
Terminado o processo, o médico virou as costas, e orientou que ela fosse ao banheiro se vestir. “Ele sequer estendeu a mão para me ajudar. Quando saiu da sala, mandou meu marido entrar para me auxiliar”, conta Talmai. Ela se limpou da maneira que pode, no banheiro, e ficou aguardando, em uma maca, a ida para o centro cirúrgico para que se realizasse a curetagem. Só depois soube que a caixinha de metal que estava ao lado dela era o feto abortado que, claro, não deveria estar ali. Durante todo esse período, Talmai esteve em contato com o médico que vinha acompanhando o pré-natal, o que é aconselhável por dois motivos: dá mais segurança à mãe e aumenta a chance de um diagnóstico correto. A curetagem foi realizada por ele, que se dirigiu ao hospital para assisti-la. Ao final da curetagem, o médico informou Talmai que ela ficaria algumas horas na área de recuperação e, dali mesmo, receberia alta e iria para casa, por volta das 8 horas da manhã. O que se seguiu foi uma longa espera. “Pude ouvir parte das conversas de médicos e enfermeiras enquanto estava na recuperação. Diziam que eu teria de ir para um quarto antes. Era uma exigência do convênio. Só que não havia quartos disponíveis”, conta ela.
Questionado pela reportagem, o Hospital Brasil deu a seguinte declaração: “Diante do quadro, foram realizados todos os procedimentos indicados, seguindo as etapas imprescindíveis para a completa recuperação da paciente. Conforme analisado e esclarecido amplamente na época, o Hospital Brasil dispõe de diversos controles, auditados internamente. A área responsável está em constante revisão de processos no sentido de melhorar a qualidade e a segurança na atenção aos nossos pacientes”.
A rigor, o procedimento padrão foi seguido pelo hospital. “Costuma-se realizar uma ultrassonografia para confirmar o aborto, em caso de dúvida. Depois disso, define-se a conduta, que pode ser a curetagem ou a cesárea”, diz Antonio Cassemiro Gonçalvez, coordenador de enfermagem do hospital universitário da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, estudioso de pronto-atendimento.
Talmai, o marido, André, e a filha, Clara, 2 anos (Foto: Raoni Maddalena)
Talmai, o marido, André, e a filha, Clara, 2 anos



O que falta, muitas vezes, é o apoio psicológico que a mulher precisa nesse momento. Os prontos-socorros não contam com uma equipe de psicólogos. “Geralmente os enfermeiros especialistas em obstetrícia conduzem uma conversa amiga, uma orientação à paciente e ao familiar. Mas, quando a equipe é reduzida, não há tempo senão para socorrer os feridos”, explica a enfermeira Marislei Brasileiro, do Centro de Estudos de Enfermagem e Nutrição da PUC de Goiás.
Seja em casos mais sérios, como o de Talmai, ou de descaso, como o de Silvia e Carla, a paciente não precisa ficar quieta. “Deve, imediatamente, procurar o SAC do hospital ou órgãos que possam defendê-la”, diz a obstetra Carla Delascio Lopes.
Como se defender


A gestante ou qualquer outro paciente que se sentir prejudicado pode procurar o Conselho Regional de Medicina mais próximo. Há um em cada Estado e um no Distrito Federal. Os Conselhos Federais de Medicina não recebem denúncia de pacientes, servem apenas para recursos. As denúncias podem ser feitas por e-mail, por carta ou mesmo pessoalmente. “Só não aceitamos denúncia anônima. E o paciente pode estar certo de que todas as ocorrências, sem exceção, serão apuradas”, diz José Fernando Vinagre, do CFM. Uma vez comprovada a culpa do médico, ele pode sofrer cinco tipos de sanções, de acordo com a gravidade do caso: advertência confidencial; censura confidencial; censura pública (dessa vez, publicada em Diário Oficial e em jornal de grande circulação da região); suspensão por até 30 dias; ou cassação do exercício profissional. Veja o endereço dos sites de alguns Conselhos Regionais:
Bahia: www.cremeb.org.br
Ceará: www.cremec.com.br
Goiás: www.cremego.cfm.org.br
Minas Gerais: www.cremg.org.br
Paraná: www.crmpr.org.br
Rio de Janeiro: www.cremerj.org.br
Rio Grande do Sul: www.cremers.org.br
Santa Catarina: www.cremesc.org.br
São Paulo: www.cremesp.org.br

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