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sábado, 25 de maio de 2013

Olhe para ela!

Ver o outro de verdade é um sinal de carinho e de respeito

IVAN MARTINS

IVAN MARTINS
É editor-executivo de ÉPOCA (Foto: ÉPOCA)
Toda questão complicada tem uma resposta simples, e ela, invariavelmente, está errada. 

Eu me lembrei dessa velha ironia na segunda-feira, no Rio de Janeiro, quando um rapaz se aproximou durante o lançamento do meu livro e disse que gostaria de fazer uma pergunta. Mesmo antevendo uma situação embaraçosa, eu concordei, e ouvi o seguinte: se eu tivesse de dar um único conselho para ajudá-lo num relacionamento, qual seria? 

Pense no que vocês diriam no meu lugar. Eu, posto na situação sem aviso prévio, respondi sem hesitar: “Preste atenção nela. Tente entendê-la. Descubra o que ela pensa e o que ela sente.” 

O rapaz ensaiou outras perguntas, mas, como havia uma fila atrás dele, a conversa acabou por ali. Ele foi embora, não inteiramente satisfeito, e eu segui dando autógrafos e conversando com as pessoas, meio incomodado – com a pergunta dele, com a minha resposta e com a situação desconhecida do rapaz, que parecia estar precisando de uma luz. O que eu havia dado a ele, afinal: um fósforo, uma vela ou uma lanterna sem pilha? 

Hoje, passadas mais de 24 horas da conversa, eu ainda não consegui chegar a uma conclusão. 

Olhar para o outro é o contrário do que nós fazemos a maior parte do tempo. Somos brutalmente egoístas quando se trata de afeto. Estamos preocupados com os nossos desejos e os nossos preconceitos. Nenhuma dessas duas lentes ajuda entender a outra pessoa ou as necessidades dela.   

A lente dos nossos desejos é óbvia e permanente. Com ela a gente mede o quanto as pessoas nos agradam. Se a gente concorda com o que elas falam, batemos palma. Se elas se comportam como esperamos que façam, celebramos. Se a aparência dela nos excita ou nos deixa contentes, incentivamos. Se elas fazem coisas por nós, gostamos. Se pensam como nós, dizemos que são inteligentes e instruídas. 

É evidente que não estamos lidando com a outra pessoa, mas com nós mesmos. O outro serve apenas de espelho. Estamos procurando nele ou nela apenas as nossas próprias predileções. É um troço bem narcisista. Nada tem a ver com olhar o outro para entender ou aprender alguma coisa. A meu ver, nada tem a ver com amor. É olhar o outro a procura de si mesmo, simplesmente. Um jeito de olhar sem ver. 

Alguém vai dizer que agir assim é inevitável, mas eu diria que não. Ao menos não inteiramente. Todos somos prisioneiros das nossas personalidades e as pessoas que escolhemos para estar ao nosso lado inevitavelmente refletem os nossos desejos. Mas há diferentes graus em que isso acontece. 

Uma das coisas que salta aos olhos nos bons relacionamentos é que dentro deles as pessoas parecem mais inteiras e autônomas. Ninguém está lá servindo de espelho para o ego do outro. Há contradição, diferença, admiração, vida – e atenção de parte a parte. Eu olho para você, que é diferente de mim, e tento compreender, porque quero que você seja feliz. Ajudar você a achar o seu caminho é parte do que me dá prazer. Mas é o seu caminho, não o meu. São as duas ideias, não as minhas. É a sua vida, afinal. 

A outra lente ruim pela qual a gente olha para quem está perto de nos é a do preconceito. Ao olhar para a sua namorada, ou namorado, você pode estar vendo apenas o que outras pessoas andaram dizendo a você a vida inteira: que mulher que se veste de certa forma não serve, que homem que diz certas coisas não presta, que pessoas que se comportam assim ou assado não são legais. Isso não nos ajuda a enxergar. 

A melhor definição de preconceito é o pensamento de outra pessoa dentro de nós, nos impedindo de formar a nossa própria opinião. Antes que você possa emitir seu julgamento, baseado em experiências reais com uma pessoa de verdade, alguém lá dentro de você já passou uma sentença condenatória. Você acaba incomodado com a pessoa que gosta e nem sabe direito por que. Dentro de você, uma multidão de gente anônima olha para ela ou para ele com desconfiança, sem enxergar de fato uma pessoa. Isso é preconceito. 

Juntas, a lente egoísta dos nossos desejos e a lente burra do preconceito nos impedem de ver o outro. Por isso é importante olhar, prestar atenção superar essas camadas de indiferença ou de ignorância que nos impedem de ver. Olhar, claro, não é uma resposta universal e não vai salvar os relacionamentos. Mas talvez ajude a impedir que a gente naufrague em nós mesmos, sem ter a chance real de compartilhar algo com o outro. Nada mais trágico, nada mais triste do que terminar um relacionamento por não conseguir sequer perceber quem realmente estava ali ao lado. 

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