Adolescente ugandesa aplica xeque-mate no destino
por Amy Fallon, da IPS
Kampala, Uganda, 31/5/2013 – Phiona Mutesi era uma menina de nove anos desesperada para conseguir alimento na maior favela de Uganda, Katwe, quando conheceu, por intermédio de seu irmão mais velho, Brian, um programa de ensino do xadrez. Não foram peões, bispos, cavalos ou torres que a atraíram para uma igreja de Kampala, mas o fato de as aulas serem acompanhadas de um prato de comida grátis.
“Não tínhamos nada para comer. Dormíamos na rua porque não tínhamos dinheiro para alugar uma casa. Foram tempos difíceis”, explicou Mutesi, hoje com 17 anos, cujo pai morreu de aids quando ela tinha três anos. “As peças do xadrez me pareceram atraentes, mas não queria aprender o jogo. Nessa época só queria algo para comer”, detalhou a garota.
Ela estava sempre suja e descalça, e as outras crianças que participavam do programa, administrado por Robert Katende, da missão cristã Sports Outreach Institute, diziam para ela ir embora. “Eu não me sentia mal porque assim era a vida em Katwe”, contou à IPS na casa de Katende, onde agora reside e guarda todos seus troféus. “Se não se lutar, não se consegue”, afirmou, reiterando o que tem sido o lema de sua vida.
Mutesi regressou uma e outra vez ao programa de xadrez, mas somente pela comida. “Foi aí que comecei a praticar e fui melhorando. Depois fui me interessando pelo jogo. Gosto do xadrez porque exige planejamento. Na vida tinha, também planejava. Quando se vive em uma favela é preciso planejar. Como vou ter comida amanhã?”, afirmou.
O jogo foi introduzido neste país da África oriental apenas na década de 1970, por um grupo de médicos que trabalhavam no Hospital Mulago de Kampala, explicou Christopher Turyahabwe, secretário-geral da Federação de Xadrez de Uganda. “Acreditavam que podiam ajudar os pacientes a raciocinar”, afirmou à IPS. “Depois se propagou no exército para ajudar os militares a planejarem estratégias”.
Foi em grande parte graças ao padre britânico Damina Grimes, diretor do Colégio Namasagali entre 1967 e 2000, que o jogo chegou aos centros de estudo. Grimes criou um clube de xadrez, organizando competições com outras escolas. “No começo tínhamos apenas três ou quatro colégios”, contou o sacerdote à IPS. “Não podíamos convencer nenhuma menina a participar”, acrescentou. “Contudo, gradualmente, as coisas foram avançando e, no final dos anos 1970 e começo dos 1980, já participavam 30 escolas ou mais, incluindo de meninas”, acrescentou. A competição se converteu em um festival anual de xadrez, que depois passou a se chamar Torneio Escolar Padre Grimes.
Mais de duas décadas depois da criação desse campeonato, uma menina da favela de Katwe e sua equipe conquistaram o título cinco vezes consecutivas. Após este sucesso, Mutesi se apresentou em 2009 no Torneio Internacional de Xadrez do Sudão do Sul. Foi sua primeira viagem para fora de Uganda e a primeira de avião. “Estava tão emocionada que não podia acreditar, pensei que estávamos no paraíso”, recordou.
Desde então competiu em duas olimpíadas de xadrez, na Rússia e na Turquia. Depois de sua participação na competição de Istambul, no ano passado, foi nomeada Mestra Candidata, primeira categoria à qual tem acesso um aspirante a Grande Mestre Internacional, maior título dado pela Federação Internacional de Xadrez (Fide). A jovem falou no mês passado na cúpula Mulheres no Mundo, em Nova York, e da qual participaram personalidades como a ex-secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton e a apresentadora de televisão Oprah Winfrey.
Mutesi também jogou com seu ídolo, Garry Kasparov, um dos grandes campeões de xadrez do século 20. O empresário e filantropo norte-americano Bill Gates também teria pedido para jogar uma partida com ela, e a companhia Disney está na fase de pré-produção de um filme sobre sua vida. Além disso, uma escola nos Estados Unidos criou um torneio de xadrez com seu nome.
“Descobri o mundo, e que havia mais além de Katwe”, destacou Mutesi. “Eu só pensava em como conseguir alguma coisa para comer. Mas agora tenho a esperança de me converter em grande mestre, médica ou mesmo construir um orfanato para crianças de favelas. Nunca pensei que seria uma inspiração para outras pessoas”, acrescentou.
Antes que Mutesi começasse a frequentar o Colégio Secundário Vocacional de Saint Mbuga, em Kampala, com uma bolsa de estudos completa, só havia quatro jogadoras. Agora são mais de 50, e o xadrez é matéria obrigatória nessa escola. Mutesi é a capitã da equipe nacional ugandense de xadrez. Participou de duas olimpíadas da Fide e dos Jogos Mundiais Universitários. Envolverde/IPS
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