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terça-feira, 21 de maio de 2013


Ser feliz é ter ou ser?

por Amelia Gonzalez
Crianças sorridentes no Butão: país inclui 
a Felicidade na sua medição de riqueza
A crise econômica mundial estava no começo, em 2008, quando o então ministro do Butão, país que hoje está entre os que têm Índice de Desenvolvimento Humano mais baixos do planeta, esteve aqui no Brasil para lançar suas ideias a respeito da medição ocidental de riqueza.  Dasho Karma Ura, que era ministro do planejamento e hoje preside o  Centro de Estudos Butaneses, contestava o conceito de que quanto maior o PIB, melhor a qualidade de vida e mais feliz a população. Butão, país de monges onde a meditação é uma prática quase tão comum quanto comer ou se vestir, queria fazer o mundo conhecer seu FIB (Felicidade Interna Bruta), método de medição que incorpora a felicidade entre os indicadores socioeconômicos.
No mesmo ano o ex-presidente da França Nicolas Sarkozy reuniu três economistas renomados (Joseph Stiglitz, Amartya Sen, Jean-Paul Fitoussi) para estudar uma nova maneira de se medir a riqueza. Os três formaram a Comissão sobre a Medição do Desempenho Econômico e Progresso Social. Debruçaram-se em estudos, índices, indicadores, e formularam uma nova possibilidade de medição de riqueza, publicada em 2009 mas que foi devidamente engavetada mesmo antes de Sarkozy deixar o governo. (Quem quiser conhecer mais sobre essa comissão basta clicar em http://www.stiglitz-sen-fitoussi.fr/en/index.htm).
A crítica dos franceses ao nosso jeito de avaliar se somos ou não países ricos ou desenvolvidos ganhou repercussão durante a Rio+20, quando o PIB foi tema de muitos debates.  Falta a este indicador um olhar sobre as reais condições de vida das pessoas, dizem especialistas. O fato de termos mais leitos em hospitais ou mais vagas em presídios (isso entra na contagem para o PIB) pode acabar com um problema, mas não melhora, imediatamente, a vida das pessoas.  Se queremos ser desenvolvidos ou ricos para, pelo menos em tese,  termos uma vida melhor e mais feliz, como não inserir itens relativos à qualidade de vida na medição de riqueza ?
Esse é o X da questão, a felicidade. No dia 7 de maio a revista britânica “The Economist” publicou uma reportagem em que questiona o fato de os brasileiros serem tão felizes embora o país tenha crescido “apenas 2,7% em 2011 e sombrios 0,9% em 2012”.
“Ainda assim os brasileiros parecem alegremente despreocupados. O Instituto Ipea lançou o resultado de uma pesquisa em que dois terços a três quartos das famílias dizem que sua situação financeira melhorou no ano passado e que esperam que melhore ainda mais no ano que vem. Dado que o crescimento estagnou, porque os brasileiros estão tão felizes?”, pergunta o autor da reportagem.
Será que se tivéssemos aqui um FIB, como querem os butaneses, estaríamos entre os primeiros países do mundo?
Na mesma revista, uma semana antes (no dia 2 de maio), outro artigo anunciava um novo estudo do Instituto Gallup sobre riqueza e felicidade. Dados recolhidos por pesquisadores  no mundo inteiro  dão conta de que, embora alguns países pareçam mais felizes do que outros, as pessoas, em geral, mostram-se mais satisfeitas quanto mais ricas elas são.  Ainda mais marcante, segundo o texto, é que a relação entre a renda e a felicidade muda conforme a renda aumenta. “Ninguém se cansa de ganhar mais”, conclui o artigo.
O tema dá panos para manga, muito debate e não há como concluir nada. Mas é bom discutir.  Em 2002 o economista Eduardo Giannetti lançou o livro “Felicidade” (Ed. Companhia das Letras) em que aborda o assunto de maneira bem interessante. Os personagens são quatro amigos, ex-colegas de faculdade, que se encontram para conversar, tendo como assunto principal justamente essa embricada relação entre sucesso, desenvolvimento, riqueza e felicidade.  Ser rico é ser feliz?
O livro dá uma pincelada histórica e leva o leitor à evolução das ideias sobre a relação entre civilização e felicidade voltando ao tempo, na era do Iluminismo europeu do século XVIII, baseada na fé sobre o poder da razão.  Uma época em que uma das maiores batalhas que o homem enfrentava era contra a natureza, muitas vezes furiosa e pouco conhecida. Vejam, por exemplo, o que prometia em seus livros  o filósofo político e químico inglês Joseph Priestley, co-descobridor do oxigênio:
“A natureza, incluindo tanto os seus materiais como as suas leis, estará mais sob o nosso comando e os homens tornarão a sua condição neste mundo enormemente mais tranquila e confortável; eles irão provavelmente prolongar a sua existência nele e tornar-se-ão dia após dia mais felizes”.
Que a natureza foi cada vez mais domada e exageradamente usada pelo homem, disso não se tem dúvida. Mas, como já sabemos, isso não trouxe felicidade para ninguém, ao contrário. Fomos gananciosos e estamos hoje vivendo no limite do que a natureza pode nos oferecer.
No grupo criado por Giannetti há uma mulher militante do movimento ecológico que enfrenta a descrença dos seus colegas quando conduz a conversa para questões ambientais. Levando em conta que o “homem é parte do mundo natural e a economia é um subsistema da biosfera” e que no século XX surgiram inequívocos sinais de que o sistema maior, o planeta, está se esgotando, Leila, a personagem, se pergunta o que seria do planeta se chineses e indianos se dessem o direito de ter dois carros na garagem porque, afinal, isto pode deixar qualquer um mais feliz.
“Se a mudança de valores não vier por bem, ela virá por mal. Se os bilhões de excluídos do planeta insistirem em conceber a busca da felicidade como a interminável acumulação de bens de consumo, então o meio ambiente natural e a biosfera não suportarão o desaforo. O limite irá se impor de fora para dentro”.
Os quatro filosofam e estendem seus pensamentos por mais de 200 páginas. Nós vamos ficando por aqui, já que esse assunto é mesmo interminável. Não sem antes puxar o novelo e visitar os filósofos da diferença. O que diriam Spinoza, Nietzsche, Gilles Delleuze, sobre a felicidade? Vamos encontrar em “A Gaia Ciência”, de Nietzsche, o que pode ser um caminho. Ele chama de “grande saúde” – “uma tal que não apenas se tem, mas constantemente se adquire e é preciso adquirir, pois sempre de novo se abandona e é preciso abandonar”.
Felicidade, assim, é algo do instante. Nietzsche afirma a vida numa de suas teorias mais bonitas, a do eterno retorno: “É isso a vida? Então quero de novo”. Segundo o filósofo Roberto Machado, trata-se de uma “aprovação jubilatória da existência”.  É ser, não é ter.
 Crédito da foto:  Prakash Singh;AFP 

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