Regina Navarro Lins
Comentando o “Se eu fosse você''
A questão da semana é o caso da estudante de medicina que não quer abrir mão da sua carreira para, após o casamento, ir viver com o marido em uma fazenda no interior do país. Ela está certa de que lá nunca poderá se desenvolver profissionalmente. A sua dúvida é se deve desistir do casamento.
Durante muito tempo, e até poucas décadas atrás, nenhuma mulher teria essa dúvida. A expectativa que se tinha em relação às mulheres era de que elas se realizassem como esposas e mães, e sempre cedessem, ou seja, se sacrificassem pelos maridos.
Mas uma radical modificação dos costumes inicia-se na década de 1960, com o advento da pílula anticoncepcional. As vantagens do casamento tradicional passam a ser questionadas. Ceder aos desejos do noivo ou marido soa como abrir mão da liberdade, sacrificar possibilidades pessoais e, em última instância, limitar a pessoa.
Com isso, o casamento com suas regras e obrigações entra em crise. São várias as causas: a crença equivocada de que o amor é a solução para todos os problemas; a relação íntima do amor com o casamento; o aumento da longevidade; a diminuição da religiosidade; os contraceptivos que permitiram a emancipação feminina; a liberação sexual; a aspiração ao individualismo, que caracteriza a modernidade, levando à valorização do “eu'' sobre o nós conjugal.
A auto-realização das potencialidades individuais passa a ter outra importância, colocando a vida conjugal em novos termos. Acredita-se cada vez menos que a união de duas pessoas deva exigir sacrifícios. Observa-se uma tendência a não se desejar mais pagar qualquer preço apenas para ter alguém ao lado.
É necessário que o outro enriqueça a relação, acrescente algo novo, possibilite o crescimento individual. “O homem atual passa por uma nova Renascença — todas as aventuras são desejáveis, continentes novos devem ser descobertos e explorados, navegações por mares estranhos são encorajados, limites devem ser transpostos… desde que para dentro de si mesmo. O novo mundo a ser descoberto é o próprio homem.” , diz a psicoterapeuta Purificacion Barcia Gomes.
O casamento torna-se, então, um pesado fardo, pois dificulta a realização do projeto existencial com suas metas individuais e independentes até das relações pessoais mais íntimas. Surgem conflitos na tentativa de harmonizar a aspiração de individuação com uma vida a dois, mas homens e mulheres, como mostra a atitude da internauta, estão cada vez menos dispostos a sacrificar seus projetos pessoais.
E ao contrário do que muitos pensam, não acredito que esse novo comportamento seja negativo. Mesmo porque, quando a renúncia não é espontânea, as frustrações e as mágoas que se acumulam podem inviabilizar a própria relação.
Um casamento pode ser ótimo. Mas para isso as pessoas precisam reformular as expectativas que alimentam a respeito da vida a dois, como, por exemplo, a ideia de que os dois vão se transformar num só; a crença de que um terá todas as suas necessidades atendidas pelo outro; não poder ter nenhum interesse em que o amado não faça parte; o controle de qualquer aspecto da vida do parceiro (a).
É fundamental que haja respeito total ao outro, ao seu jeito de pensar e de ser e às suas escolhas; liberdade de ir e vir, ter amigos em separado e programas independentes. Caso contrário, com o tempo, a maioria das relações se tornam sufocantes.
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