Casos chocantes como o da dona-de-casa presa ao camburão da PM e arrastada pelas ruas do Rio poderiam ser evitados se a polícia fosse proibida de prestar primeiros socorros em todo o país
Depois de São Paulo enfrentar uma onda de violência em 2012, numa guerra não declarada entre a facção criminosa Primeiro Comando da Capital e a Polícia Militar, a secretaria de segurança do estado tomou uma medida drástica: proibiu a polícia de prestar primeiros socorros. O raciocínio é simples: os “primeiros socorros” se tornavam, muitas vezes, uma interferência da polícia, a fim de encobrir um crime ou mesmo uma oportunidade para cometer um assassinato no caminho para o hospital. Deu certo: nos meses seguintes, o número de mortes em ações policiais caiu 40%.
Normalmente as vítimas da polícia (são cerca de 2 mil todos os anos) são registradas como “mortas ao resistir à prisão”. Poucas pessoas, além dos familiares das vítimas, dão atenção a isso, mesmo quando as circunstâncias são suspeitas. Poucos são os casos que ganham repercussão nacional, como o de Curitiba que chocou o país em 2013, quando o jovem José Guilherme Silva, segundo a polícia, teria se matado com uma arma dentro do camburão enquanto estava com as mãos algemadas para trás. Ou ainda, o mais recente caso no Rio de Janeiro, da dona-de-casa Cláudia Silva Ferreira, que depois de levar um tiro, foi arrastada pela estrada ao ser levada no camburão mal-fechado do carro da PM, supostamente a caminho de um hospital.
O que fez este último caso se destacar é que a cena horrível foi capturada em vídeo e mais tarde lançada na internet, ganhando repercussão instantânea na rede e, em seguida, nos telejornais e outras fontes de notícia. Na última terça-feira, 18, a presidente Dilma Rousseff ofereceu suas condolências à família de Cláudia. No dia seguinte, foi a vez do governador do estado, Sérgio Cabral. Dois dos três policiais que estavam no carro foram acusados de assassinato. Mas, como disse o viúvo da vítima, se o episódio não tivesse sido capturado em vídeo, seria apenas mais uma atrocidade policial esquecida em meio a tantas outras.
Depois da repercussão, começaram a surgir nos jornais um fato quase extraordinário: os três policiais, juntos, foram responsáveis pela morte de pelo menos 69 pessoas desde 2000. Um deles é registrado como tendo participado de 57 incidentes separados que levaram a 62 mortes, todas registradas como “resistência à prisão”.
É passada a hora de implementar a lei de São Paulo proibindo policiais de prestarem primeiros socorros em todo o país. Parece pouco, mas como as estatísticas de São Paulo revelam, faria uma diferença enorme. Salvaria vidas.
Fontes: The Economist-Serial Killing
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