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sexta-feira, 21 de março de 2014

Ataques sexuais, um crime “com menor potencial ofensivo”

Três episódios de assédio sexual contra mulheres no transporte público de São Paulo revelam como esse crime é corriqueiro e reacendem o debate duvidoso sobre os vagões femininos

MARINA ROSSI São Paulo



Em pouco mais de 48 horas, três homens foram parar na delegacia em São Paulo acusados de abusos contra mulheres nos trens e metrôs da cidade. Na segunda-feira 17, Adilton Aquino dos Santos, de 24 anos, foi preso quando fazia o uso do trem da linha 7-Rubi, acusado de ejacular nas pernas de uma mulher. A imprensa noticiou que Santos disse que “o trem estava muito cheio" e ele "não aguentou”. Além do trauma, a vítima, uma supervisora de 30 anos, ficou com uma luxação no braço, resultado da truculência empregada pelo criminoso que tentou imobilizá-la.

Nesta quarta-feira 19, Bruno de Roma Perroni, de 24 anos, foi preso acusado de filmar, com uma câmera de celular, as partes íntimas das mulheres por baixo de suas roupas, enquanto Eduardo Ferreira do Nascimento, de 26 anos, foi levado à delegacia sob a acusação de ter enfiado a mão por baixo das pernas de uma vendedora de 33 anos. Ambos os acusados estavam na estação da Sé do metrô. Os dois responderão em liberdade, já que se trata de um crime “com menor potencial ofensivo”, de acordo com as palavras do delegado Cícero Simão Costa, que acompanha as duas ocorrências.

Classificar os abusos sexuais no transporte público como crime é outra face desse problema. Não há um termo jurídico para esse tipo de delito. Por isso, muitas vezes, o criminoso não leva pena alguma - ou é punido com castigos brandos, como realizar trabalho voluntário ou pagar cestas básicas. Criar uma lei que aponte como crime de violência sexual - cuja pena vai de um a dois anos de prisão - o ato de assediar, molestar e / ou bolinar as mulheres no transporte público e - por que não? - nas ruas, poderia ser uma maneira de reduzir essas ocorrências.

Só neste ano, já são 20 o número de ataques sexuais contra mulheres ocorridos no metrô ou nos trens da cidade, de acordo com a Delegacia de Polícia do Metropolitano (Delpom), responsável pela investigação. Enquanto 20 mulheres tiveram a coragem de prestar queixa, outras dezenas, diariamente, se calam. “São atos costumeiros. As pessoas sabem que diariamente ocorrem estas situações, mais do que aparecem na imprensa ou na delegacia”, diz o psicólogo especialista em sexualidade Oswaldo Rodrigues Jr.

Não bastasse ser um ato tido como corriqueiro, existem agora organizações na internet criadas e conduzidas por homens para trocar experiências sobre os abusos. O Facebook tirou do ar algumas comunidades de “encoxadores” e outros nomes parecidos, que continham relatos e “dicas” de como se esfregar nas mulheres dentro de um vagão lotado de um trem ou metrô. A Polícia Civil de São Paulo anunciou nesta quarta-feira 19, que está investigando 30 grupos de molestadores que atuam no sistema de transporte e que se organizam pela internet.

O assédio sexual nos trens interfere na rotina das mulheres. Na estação da Luz, na região central, a promotora de eventos Mariane dos Santos Lima, de 24 anos, conta que já trocou a roupa que iria usar porque iria andar de trem e não queria atrair a atenção dos homens. “Isso sempre acontece”, disse. No percurso de trem da Estação da Luz até Francisco Morato, que dura mais de 50 minutos, a gerente Elisângela da Silva, de 34 anos, relatou que tem sua própria tática para não ser molestada. “Quando eu entro no trem, procuro ficar encostada em alguma parede para que ninguém fique atrás de mim”, diz. “Sempre presencio algum caso de homens se esfregando nas mulheres”.

Vagão Rosa

Os casos recentes - ou diários - reacendem a discussão sobre a criação de vagões exclusivos para mulheres no transporte público. No Rio de Janeiro, desde 2006 existe o Vagão Rosa, onde, nos horários de pico (nos dias de semana, das 06h às 9h e das 17h às 20h), o uso é destinado exclusivamente para as mulheres. Porém, uma reportagem da rede Record revelou que os homens não respeitam essa lei, e usam o vagão feminino como se fosse um vagão qualquer. Talvez fosse o caso de criar um vagão exclusivo para os homens, o que poderia fazer com que eles se sentissem especiais e deixassem de invadir o espaço destinado às mulheres.

Os vagões só para as mulheres dividem opiniões. Por funcionar apenas em horário de pico, eles deixam as mulheres sujeitas aos ataques nos outros horários. Além disso, a mulher que não consegue entrar no vagão exclusivo e pega o comum, pode dar a entender que estaria ali aceitando ser abordada. A criação de vagões femininos também pode ser vista como uma grande derrota civilizatória, como se homens e mulheres não pudessem conviver no mesmo espaço físico sem que ocorram abusos sexuais.

Para a estudante Gabriely Santana, de 21 anos, usuária do metrô, os vagões femininos não são uma solução. “O problema não é esse. O problema é a falta de educação, o machismo”, diz, enquanto esperava o metrô na estação da Consolação. A opinião é compartilhada pela professora Eliane Lanar, de 56 anos: “De nada adianta um vagão para mulheres, se, quando a gente sai do trem, a gente cruza com esses sujeitos na rua depois”, diz. “O vagão nos protege aqui dentro. E lá fora?”.

Para o psicólogo Rodrigues Jr, a questão levantada pela professora é de grande importância na discussão da criação de vagões femininos. “Os vagões aliviam a situação de algumas mulheres, mas não de todas. Certamente não modificará a tendência destes homens de buscar suas formas de obter prazeres sexuais”, diz. “Afinal, a vida continua existindo fora dos vagões dos metrôs e trens”.

A socióloga Wânia Pasinato acredita que os vagões exclusivos podem ser uma boa medida. “Acho importante para tirar as mulheres dessa situação de constrangimento em que elas são colocadas”, diz. “Mas também deveria haver uma campanha intensiva dizendo que esses atos são crimes”. Na estação da Luz, a técnica de enfermagem Mariana Fernandes, de 27 anos, concorda com a socióloga: “Se esses vagões existissem, eu só andaria neles. Acharia ótimo, porque sempre há algum homem tentando colocar a mão na nossa perna, ou em partes mais íntimas”, disse.

Em São Paulo, há dois projetos de lei que tratam do assunto. Ambos estão parados na Assembleia Legislativa do Estado. Nenhum deles foi apresentado por mulheres. Em outros estados, há projetos semelhantes, também de autoria de homens. O deputado estadual Eduardo Porto (PSDB), por exemplo, é o autor do projeto que estipula vagões exclusivos para mulheres em Recife. Lá, segundo a ONG SOS Corpo, 28 mulheres foram estupradas no transporte coletivo entre 1998 e 2012.

A orientação da polícia para as mulheres que sofrem esse tipo de violência se resume a três palavras: procurar imediatamente a delegacia. Em São Paulo, há um posto da Delpom, que funciona 24 horas por dia, dentro da estação de metrô da Barra Funda. Em alguns casos, é possível registrar queixa pela internet. “O ideal seria ter uma testemunha do caso”, explica o delegado Costa. Para que isso aconteça, talvez devesse haver uma campanha por parte do metrô e da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) orientando as mulheres a agir em caso de assédio sexual no transporte público.

Além do registro da queixa, a socióloga Wânia Pasinato diz que a mulher precisa agir no momento em que é molestada. “O único jeito é apontar o dedo na cara do sujeito, na hora que acontece, porque depois ele está totalmente protegido pelo anonimato e pela multidão. Quando sai do vagão, ninguém mais o acha”, diz. “Você tem que constranger o sujeito. Hoje quem é constrangida é a vítima, que tem medo e até vergonha de reagir”.

Abusos pelo mundo

O problema do assédio sexual não ocorre apenas em São Paulo ou no Brasil. Em virtude dos abusos, os vagões exclusivos para mulheres existem em diversos países como o Japão, Filipinas, Rússia e Índia. No México, há, não só vagões nos metrôs, como ônibus exclusivos para o uso das mulheres.

Mas não há um levantamento global que aponte que essa é a solução para reduzir - ou, preferencialmente acabar - com os assédios sexuais no transporte público.

Um exemplo concreto do que pode funcionar, é a iniciativa da cidade de Londres que, no ano passado, lançou uma campanha que consiste em preparar a polícia que atua nos metrôs para cuidar dos casos de abuso e, ao mesmo tempo, conscientizar as mulheres sobre a importância de prestar queixa quando se sentirem molestadas. Batizada de Project Guardian, a campanha foi iniciada depois de uma pesquisa concluir que 15% das meninas e mulheres usuárias do metrô já tinham vivenciado algum abuso, mas 90% delas não prestaram queixa.

2.000 mil policiais foram treinados, aumentando em 20% a quantidade de denúncias de 2012 para 2013. Entre abril e agosto do ano passado, os casos de detenções em consequência de abusos sexuais no metrô aumentaram 32%, com 170 pessoas presas.

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